Nuno6agoARTE KIKO
Publicado 06/08/2023 00:00
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A dois meses de se completar um ano do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022 — o que acontecerá no dia 2 de outubro —, a ex-senadora e atual ministra do Planejamento Simone Tebet (MDB-MS), que ficou em terceiro lugar naquela disputa, vê escorrer entre os dedos o capital político que conquistou por seu desempenho nas urnas. Com apenas 53 anos e uma carreira inteira pela frente, Simone parece ter virado as costas para a própria trajetória ao esquecer as críticas que, no passado, fez ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva e aceitar de bom grado o convite para apoiá-lo no segundo turno em troca de um posto no ministério.
Os termos do acordo que a instalou na Esplanada dos Ministérios, como não poderia deixar de ser, foram negociados antes da realização do segundo turno. Isso era fundamental para que os 4.915.423 eleitores que confiaram em Simone — e foram responsáveis por 4,16% do total de votos válidos naquele pleito — se sentissem motivados para dar seu apoio ao petista na reta final da disputa.
É impossível saber quantos desses eleitores a acompanharam e ajudaram Lula a conquistar a vitória no segundo turno. O certo, porém, é que o efeito positivo da atitude de Simone parece ter sido maior para o candidato que apoiou do que para a sua própria carreira. A atitude foi mal recebida por um grupo de eleitores que tinham votado nela justamente por ser uma alternativa a Lula e Bolsonaro e que não ficaram satisfeitos quando ela decidiu utilizar o cacife eleitoral conquistado com a ajuda desse grupo para pedir votos para o petista no segundo turno.
Recordar esse fato e as discussões em torno da chamada terceira via nas eleições passadas é importante — até porque, pelo andar da caravana, o tema deverá voltar ao debate em 2026. A questão é: até que ponto é certo (ou ético) um candidato se dirigir ao eleitor com um determinado tipo de discurso, atrai-lo com a promessa de uma determinada postura e, na sequência, usar o prestígio conquistado nas urnas para fazer o oposto do que esse eleitor esperava que fizesse?
O caso se Simone Tebet é emblemático. E ganha um peso especial neste momento em que Lula assume a intenção de fazer alterações no ministério e abrir espaço em sua equipe para políticos que apoiaram seu adversário no primeiro e no segundo turnos da eleição passada. O objetivo é garantir a governabilidade e o presidente tem todo o direito de agir dessa maneira. Ele tem autoridade para definir os critérios que utiliza para preencher os cargos de confiança em seu governo. O problema, portanto, não é de Lula, mas do político que aceita uma vaga no governo de um presidente que criticava de forma virulenta menos de um ano atrás. Um político que era xingado de todos os nomes pelos políticos dos mesmos partidos que, hoje, fazem tudo o que podem para conseguir um lugarzinho na Esplanada. Este é o ponto que interessa.

VIA NEOCOLONIAL — O caso de Simone Tebet é exemplar. Na pasta do Planejamento, ao invés de ganhar projeção, ela parece ter se encolhido e perdido o brilho conquistado no primeiro turno das eleições passadas. E se havia alguma dúvida em relação à sua a de falta de prestígio na equipe, ela foi eliminada no episódio da nomeação do economista Marcos Pochmann para a presidência do IBGE. O cargo, como se sabe, é subordinado ao ministério de Simone Tebet. Mas ela só foi informada da nomeação depois do nome do economista ter sido anunciado pelo ministro das Comunicações, Paulo Pimenta.
Petista de longa data, amigo pessoal de Lula e professor da Universidade de Campinas, Pochmann é um economista identificado com as ideias mais retrógradas da esquerda. Ele chegou, por exemplo, a criticar o Pix, o mecanismo de movimentação financeira criado pelo Banco Central em 2020, que agilizou e reduziu o custo dos serviços bancários de transferências e de pagamentos no país. Para Pochmann, que também já defendeu a adoção de uma alíquota do Imposto de Renda de 60%, o Pix era "mais um passo na via neocolonial", que visava a favorecer o "protetorado dos EUA". No segundo governo Lula e durante boa parte do primeiro governo de Dilma, ele presidiu o IPEA e ficou conhecido por perseguir técnicos que não seguiam ao pé da letra a cartilha da esquerda.
Lula, como já foi dito, tem todo o direito de nomear quem achar mais indicado para os cargos de seu governo. No que diz respeito ao presidente, portanto, não há o que criticar em relação à decisão. O IBGE é o tipo do cargo em que alguém com o perfil de Pochmann causa menos problemas do que causaria se estivesse, por exemplo, num posto da equipe econômica ou numa diretoria de estatal. Já pensou o estrago que alguém com ideias iguais às dele faria se fosse nomeado para uma diretoria da Petrobras e resolvesse por em prática a mesma política de preços que levou a estatal à lona no governo Dilma?
No IBGE, ele será obrigado a andar na linha. Parte da importância e da credibilidade do órgão consiste justamente no fato de, por força de sua função, estar submetido a metodologias consagras e ao rigor estatístico. Seus levantamentos não podem ser alterados apenas pela vontade do presidente da instituição.
A questão, portanto, não é a decisão do presidente de nomear alguém de sua confiança pessoal para o cargo. Ainda assim, não teria lhe custado nada, nem que fosse apenas para manter as aparências, o gesto de cortesia de pelo menos informar à ministra sobre sua decisão. A discussão que interessa aqui não é o ato do presidente, mas a reação da ministra. Ao invés de se indignar, ela quis diminuir a importância do órgão. De qualquer forma, a impressão que ficou foi a de que ela está resignada com o papel de coadjuvante que lhe foi destinado no governo Lula.

TCHUTCHUCA DO CENTRÃO — Nos últimos dias, a imprensa tem dedicado um espaço generoso às mudanças que Lula pretende fazer em seu ministério — todas destinadas, como já foi dito, a garantir uma base parlamentar mais estável e disposta a aprovar as medidas de interesse do Planalto. Lula se recusa a admitir, a despeito de todas as aparências e evidências, que esteja acolhendo em sua administração o chamado Centrão — algo que, para ele, "não existe".
Para o presidente, o que está vindo para o seu lado não é o Centrão, mas os partidos a que seus membros estão filiados... Ele prefere fingir que não conhece o caráter adesista do grupo — que faz de tudo para ficar ao lado do governo, qualquer governo, independente do que ele diga, pense ou fale.
Lula conhece como ninguém as regras do jogo parlamentar, sabe jogá-lo com maestria e é capaz de fazer os movimentos mais ousados sem que isso provoque qualquer desgaste mais profundo em sua imagem. Bolsonaro foi chamado de "tchutchuca do Centrão" quando decidiu, já na metade de seu mandato, substituir nomes técnicos de sua equipe por políticos que lhe assegurassem apoio parlamentar. Lula está fazendo mesma coisa pouco depois de completar seis meses no posto. O que se comenta é que pastas como a dos Esportes, ocupada pela ex-atleta Ana Moser, ou da Ciência e Tecnologia, comandada pela engenheira Luciana Santos, poderão ser oferecidas em troca do apoio que faltou ao governo nas votações de matérias de seu interesse no primeiro semestre.
Lula nega que esteja rifando integrantes de sua equipe e que esteja praticando a política do "é dando que se recebe" — imortalizada pelo ex-deputado Roberto Cardoso Alves, um dos fundadores do Centrão, ainda durante o governo de José Sarney, em 1988. Vice de Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse, Sarney havia se comprometido a cumprir a promessa do titular de reduzir de seis para quatro anos o mandato para o qual foi eleito e, depois disso, convocar eleições diretas para o posto. Depois, mudou de ideia e quis ficar cinco anos no Planalto.
Robertão, como era conhecido, deixou claro que Sarney só teria o quinto ano de mandato — como acabou tendo — caso distribuísse verbas e benefícios em troca de apoio. Desde então, o "é dando que se recebe", o "toma lá, dá cá", o "uma mão lava a outra" ou qualquer que seja o nome que se dê a esse hábito tem sido condição essencial para a permanência dos presidentes no Planalto. Quem sabe jogar o jogo ficou na presidência até o fim do mandato. Quem não soube — como são os casos de Fernando Collor e de Dilma Rousseff — acaba sofrendo impeachment.

REPARTIÇÃO SECUNDÁRIA — Lula lida com esse problema com habilidade e até parece se divertir com esse jogo. Ele sabe que, entre os ministérios, alguns são mais importantes do que os outros e devem ser confiados a pessoas que reúnam ao mesmo tempo competência administrativa com capacidade de articulação política. Nessa lista estão a Fazenda, a Justiça, as Relações Exteriores, a Agricultura, a Educação, a Saúde e mais algumas pastas tradicionais, que, por serem imprescindíveis à administração, sobreviveram a todas as reformas ministeriais promovidas na Esplanada.
Há outras, porém, que aparecem e desaparecem a cada governo, cuja importância e visibilidade é condicionada à estatura de seu ocupante. O ministério do Planejamento, entregue a Simone Tebet, está entre elas. À primeira vista, ele cumpre um papel fundamental. Sua função é definir o custo da administração federal, decidir sobre os projetos que são viáveis e os que são inviáveis, controlar o orçamento e liberar recursos para os estados e para os programas federais. Sua importância, porém, tem mais a ver com o poder de articulação do ocupante do cargo do que com o papel previsto para ele no organograma da administração federal.
Desde que foi criada, no governo de João Goulart, em 1962, a pasta já deixou de existir em três ocasiões. Extinto após o golpe de 1964, o ministério foi recriado meses depois e entregue a um dos nomes mais notáveis que já passaram por lá — o embaixador Roberto de Oliveira Campos, avô do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. Nos governos Collor e Bolsonaro, a pasta foi extinta e suas atividades incorporadas às da Fazenda no ministério da Economia.
Em outros momentos, porém, o Planejamento chegou a ter mais prestígio do que a Fazenda. Isso aconteceu, por exemplo, no governo de João Figueiredo, quando o Planejamento foi ocupado pelo professor Antônio Delfim Netto e teve mais projeção do que a Fazenda, sob responsabilidade de Ernani Galvêas. Houve outros momentos, porém, como no período em que esteve aos cuidados de Aníbal Texeira, no governo Sarney, em que o Planejamento foi reduzido a uma repartição secundária e encarregada de projetos sem qualquer importância.
O sentido de recordar essa história é discutir o papel que cabe a Simone Tebet no tabuleiro do governo Lula. Ninguém esperava, quando ela aceitou o posto, que pudesse se tornar uma ministra poderosa, como um dia foi Delfim. Mas também não se imaginava que ela viesse a ter, como vem tendo, uma atuação acanhada como foi a de Teixeira. O que se imaginava era que, no governo, ela assumiria a liderança de programas importantes, que lhe dessem visibilidade e assegurassem uma dimensão maior do que tinha quando entrou. Isso, porém, não está acontecendo.
É difícil saber o que o futuro reserva a Simone Tebet. Seu nome tem sido mencionado com muita discrição entre os possíveis indicados para a vaga que se abrirá no Supremo Tribunal Federal com a saída da ministra Rosa Weber, que acontecerá no mais tardar em outubro. Ajudaria, nesse caso, o fato dela ser mulher, ser uma advogada de formação sólida e já ter dado a Lula, inclusive pela forma cordata com que recebeu a nomeação de Pochmann para o IBGE, demonstrações de simpatia e confiabilidade. Quem conhece Lula de perto sabe o quanto esses atributos pesam em suas decisões.
Caso isso não aconteça, Simone Tebet terá dificuldades para retomar a trajetória ascendente que sua carreira vinha tendo até aceitar o convite de Lula. Sua adesão ao presidente nunca foi bem vista no Mato Grosso do Sul, sua base eleitoral e um dos estados centrais do agronegócio tão criticado por Lula. Seja como for e qualquer que venha a ser o seu desfecho, a trajetória de Simone Tebet pode servir de alerta para políticos que abdicam da coerência em nome dos benefícios que podem obter com um cargo no governo. E que, ao perceber que o movimento foi equivocado, se dão conta que é tarde demais para voltar atrás.

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