Publicado 13/08/2023 00:00
Nenhum brasileiro com um mínimo de juízo pode concordar com as arruaças e os atos de vandalismo vistos em Brasília no dia 8 de janeiro deste ano. Ninguém em sã consciência pode aprovar as invasões e o quebra-quebra que os celerados que arrombaram e invadiram os palácios promoveram nas sedes dos três poderes. Não existem argumentos capazes de defender que, em nome do direito democrático à livre manifestação, se produzissem cenas tão lamentáveis como as que foram vistas naquele dia.
Da mesma forma e no mesmo tom, merece repúdio toda e qualquer tentativa de manobra capaz de interferir à força no resultado de uma eleição — seja ela praticada por agentes do Estado em qualquer parte do país ou por grupos de criminosos como os milicianos, que subjugam as populações e dominam comunidades inteiras no Rio de Janeiro. Tudo isso é verdade e já foi dito neste espaço mais de uma vez.
Acontece, porém, que tem muita gente que, ao invés de tomar providências para impedir que episódios deploráveis como esses voltem a acontecer, faz questão de manter em evidência aquilo que deveria caminhar para ser apenas uma página virada da história. E que parece tirar proveito com a permanência dos episódios abomináveis nas manchetes dos jornais. Para esse grupo, quanto mais se falar desse tipo de evento, melhor.
Nesse sentido, a sucessão de fatos desencadeados pelo depoimento do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, na CPMI que investiga os atos do dia 8 de janeiro, nada mais é do que uma demonstração da pobreza e do oportunismo que vem tomando conta do debate político no Brasil. Atenção! O que se pretende discutir aqui não se resume ao que Torres disse, mas se estende a tudo o que houve a partir de suas declarações.
Em pouco mais de sete horas de depoimento, Anderson falou exatamente o que se esperava de alguém que já foi mantido quatro meses por "suspeita de omissão" diante das ações dos desordeiros. Falar à CPMI foi a primeira oportunidade para dar de própria voz sua versão para os acontecimentos.
Da mesma forma e no mesmo tom, merece repúdio toda e qualquer tentativa de manobra capaz de interferir à força no resultado de uma eleição — seja ela praticada por agentes do Estado em qualquer parte do país ou por grupos de criminosos como os milicianos, que subjugam as populações e dominam comunidades inteiras no Rio de Janeiro. Tudo isso é verdade e já foi dito neste espaço mais de uma vez.
Acontece, porém, que tem muita gente que, ao invés de tomar providências para impedir que episódios deploráveis como esses voltem a acontecer, faz questão de manter em evidência aquilo que deveria caminhar para ser apenas uma página virada da história. E que parece tirar proveito com a permanência dos episódios abomináveis nas manchetes dos jornais. Para esse grupo, quanto mais se falar desse tipo de evento, melhor.
Nesse sentido, a sucessão de fatos desencadeados pelo depoimento do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, na CPMI que investiga os atos do dia 8 de janeiro, nada mais é do que uma demonstração da pobreza e do oportunismo que vem tomando conta do debate político no Brasil. Atenção! O que se pretende discutir aqui não se resume ao que Torres disse, mas se estende a tudo o que houve a partir de suas declarações.
Em pouco mais de sete horas de depoimento, Anderson falou exatamente o que se esperava de alguém que já foi mantido quatro meses por "suspeita de omissão" diante das ações dos desordeiros. Falar à CPMI foi a primeira oportunidade para dar de própria voz sua versão para os acontecimentos.
"ABERRAÇÃO JURÍDICA" — Diante de parlamentares "aguerridos" que, como sempre acontece em eventos de grande projeção, buscam projeção na mídia com demonstrações de eloquência e valentia diante das câmeras, Torres foi ouvido na condição de testemunha. E não se omitiu nem deixou de responder às perguntas que lhe foram feitas. Desqualificou a principal peça de acusação que poderia se voltar contra ele — a chamada "minuta do golpe" encontrada em sua casa por agentes da Polícia Federal — e a qualificou como uma "aberração jurídica".
Deu explicações para os fatos pelos quais poderá vir a ser acusado caso deixe de ser testemunha e se torne investigado pela comissão. E, exercendo um direito que a lei lhe faculta, nada disse que pudesse se voltar contra ele. Nada disso foi levando em conta na repercussão do depoimento. A impressão que ficou foi a de que ele seria bombardeado qualquer que fosse a postura que adotasse. Ao final, ficou mais uma vez a impressão de que, nesse ou em qualquer outro episódio do Brasil atual, a versão — ou melhor, a "narrativa" — é mil vezes mais importante do que os fatos.
É isso que vem tornando o debate em torno do 8 de janeiro cada vez mais cansativo e pouco esclarecedor. Apenas a "narrativa" que reforça a culpa dos integrantes do governo anterior tem sido levada em conta e a pergunta diante disso é: se já existe certeza a respeito da culpa, para que continuar investigando?
Um ponto que ninguém observa é que a insistência numa versão parcial pode ter uma consequência oposta àquela que se procura construir. Ou seja, ao invés de confirmar a culpa dos tais "golpistas do 8 de janeiro", a parcialidade na apresentação dos fatos pode acabar por inocentá-los perante a "opinião pública".
A essa altura do campeonato, os governistas não podem fingir, como vêm fingindo, que não houve erros e omissões por parte das forças federais que deveriam garantir a segurança dos palácios invadidos. As imagens do general Gonçalves Dias — ou G. Dias, como preferem seus amigos —, atuando como cicerone diante dos invasores do Palácio do Planalto são tão eloquentes que jogam no descrédito qualquer argumento que possa ser utilizado em sua defesa.
Mesmo assim, no entanto, nenhuma atitude mais ou menos severa foi adotada contra o general, que, conforme fica cada dia mais claro, não moveu uma palha para cumprir sua obrigação de zelar pela segurança da instituição Presidência da República. Pelo contrário: o nome de G. Dias sequer é lembrado como um dos responsáveis por permitir as invasões e os atos de vandalismo. Em tempo: ninguém está usando a inoperância de G. Dias para inocentar os invasores. O que está sendo dito é que ambos, cada um a seu modo, merecem ser investigados e, caso seja comprovada sua responsabilidade, punidos na forma da lei.
Da mesma forma, ninguém está querendo dizer, aqui, que Anderson Torres não possa ter qualquer responsabilidade sobre os atos do dia 8. O que se pretende discutir é a parcialidade dos argumentos utilizados até aqui para condenar como "golpistas" todos os manifestantes que estavam na Esplanada sem que se explique que poder aquela turba desarmada tinha para derrubar um governo eleito.
Deu explicações para os fatos pelos quais poderá vir a ser acusado caso deixe de ser testemunha e se torne investigado pela comissão. E, exercendo um direito que a lei lhe faculta, nada disse que pudesse se voltar contra ele. Nada disso foi levando em conta na repercussão do depoimento. A impressão que ficou foi a de que ele seria bombardeado qualquer que fosse a postura que adotasse. Ao final, ficou mais uma vez a impressão de que, nesse ou em qualquer outro episódio do Brasil atual, a versão — ou melhor, a "narrativa" — é mil vezes mais importante do que os fatos.
É isso que vem tornando o debate em torno do 8 de janeiro cada vez mais cansativo e pouco esclarecedor. Apenas a "narrativa" que reforça a culpa dos integrantes do governo anterior tem sido levada em conta e a pergunta diante disso é: se já existe certeza a respeito da culpa, para que continuar investigando?
Um ponto que ninguém observa é que a insistência numa versão parcial pode ter uma consequência oposta àquela que se procura construir. Ou seja, ao invés de confirmar a culpa dos tais "golpistas do 8 de janeiro", a parcialidade na apresentação dos fatos pode acabar por inocentá-los perante a "opinião pública".
A essa altura do campeonato, os governistas não podem fingir, como vêm fingindo, que não houve erros e omissões por parte das forças federais que deveriam garantir a segurança dos palácios invadidos. As imagens do general Gonçalves Dias — ou G. Dias, como preferem seus amigos —, atuando como cicerone diante dos invasores do Palácio do Planalto são tão eloquentes que jogam no descrédito qualquer argumento que possa ser utilizado em sua defesa.
Mesmo assim, no entanto, nenhuma atitude mais ou menos severa foi adotada contra o general, que, conforme fica cada dia mais claro, não moveu uma palha para cumprir sua obrigação de zelar pela segurança da instituição Presidência da República. Pelo contrário: o nome de G. Dias sequer é lembrado como um dos responsáveis por permitir as invasões e os atos de vandalismo. Em tempo: ninguém está usando a inoperância de G. Dias para inocentar os invasores. O que está sendo dito é que ambos, cada um a seu modo, merecem ser investigados e, caso seja comprovada sua responsabilidade, punidos na forma da lei.
Da mesma forma, ninguém está querendo dizer, aqui, que Anderson Torres não possa ter qualquer responsabilidade sobre os atos do dia 8. O que se pretende discutir é a parcialidade dos argumentos utilizados até aqui para condenar como "golpistas" todos os manifestantes que estavam na Esplanada sem que se explique que poder aquela turba desarmada tinha para derrubar um governo eleito.
DEMONSTRAÇÃO DE GRANDEZA — Por mais reprováveis que tenham sido as imagens dos bandidos depredando as sedes dos poderes, é evidente que aquilo poderia ter sido evitado. Se G. Dias, ao invés de guiar os invasores pelos corredores do Planalto, tivesse esboçado uma resistência mínima e chamado "um jipe com um cabo e um soldado" (apenas para recordar a frase infeliz do deputado Eduardo Bolsonaro) para conter os invasores, a história poderia ter sido diferente.
O fato é que isso parece não ter a menor importância para a turma que parece conduzir investigações apenas para comprovar a "narrativa" que vem sendo feita desde o início. O problema está justamente aí! A forma com que as "investigações" sobre os acontecimentos do 8 de janeiro vêm sendo conduzidas, ao invés de promover a pacificação e a união nacional prometidas por Lula logo após a proclamação dos resultados, poderá ter o efeito contrário. Ou seja, o de acentuar ainda mais a divisão e o enfrentamento que vêm marcando o ambiente político brasileiro desde as eleições de 2018.
O resultado das eleições de 2022 mostrou que o país estava (e ainda está) cindido meio a meio entre a esquerda e a direita — e a diferença de mísero 1,8% ponto percentual a favor de Lula no segundo turno não dá a nenhum de seus apoiadores o direito de sair por aí desqualificando os adversários e chamando de golpistas todos os que não rezam pela cartilha da esquerda.
O jogo ainda está em curso e ainda há tempo de mudá-lo. Lula poderia ter dado uma demonstração de grandeza e de habilidade política se agisse como o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que, ao invés de endurecer o jogo, anistiou os militares que — esses, sim! — quiseram dar um golpe e impedir sua posse. Mais uma vez, atenção! Não se trata, neste caso, de defender a anistia aos bandidos que entraram no Palácio e quebraram tudo. Esses têm que ser punidos na forma da lei. A anistia que se defende — e que ainda pode ser concedida pelo presidente da República — é à centena de pessoas que respondem a processos apenas porque estavam acampadas em frente a quartéis das Forças Armadas ou porque puseram o pé na Esplanada no dia 8 de janeiro.
Mas, não. Os apoiadores de Lula continuam insistindo em uma condenação generalizada e sem julgamento, baseada apenas em "narrativas" apresentadas com tanta parcialidade que, ao invés de convencer a todos de que o lado vencedor está com a razão, acabam gerando desconfiança e atiçando os ânimos dos que estão do outro lado.
O fato é que isso parece não ter a menor importância para a turma que parece conduzir investigações apenas para comprovar a "narrativa" que vem sendo feita desde o início. O problema está justamente aí! A forma com que as "investigações" sobre os acontecimentos do 8 de janeiro vêm sendo conduzidas, ao invés de promover a pacificação e a união nacional prometidas por Lula logo após a proclamação dos resultados, poderá ter o efeito contrário. Ou seja, o de acentuar ainda mais a divisão e o enfrentamento que vêm marcando o ambiente político brasileiro desde as eleições de 2018.
O resultado das eleições de 2022 mostrou que o país estava (e ainda está) cindido meio a meio entre a esquerda e a direita — e a diferença de mísero 1,8% ponto percentual a favor de Lula no segundo turno não dá a nenhum de seus apoiadores o direito de sair por aí desqualificando os adversários e chamando de golpistas todos os que não rezam pela cartilha da esquerda.
O jogo ainda está em curso e ainda há tempo de mudá-lo. Lula poderia ter dado uma demonstração de grandeza e de habilidade política se agisse como o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que, ao invés de endurecer o jogo, anistiou os militares que — esses, sim! — quiseram dar um golpe e impedir sua posse. Mais uma vez, atenção! Não se trata, neste caso, de defender a anistia aos bandidos que entraram no Palácio e quebraram tudo. Esses têm que ser punidos na forma da lei. A anistia que se defende — e que ainda pode ser concedida pelo presidente da República — é à centena de pessoas que respondem a processos apenas porque estavam acampadas em frente a quartéis das Forças Armadas ou porque puseram o pé na Esplanada no dia 8 de janeiro.
Mas, não. Os apoiadores de Lula continuam insistindo em uma condenação generalizada e sem julgamento, baseada apenas em "narrativas" apresentadas com tanta parcialidade que, ao invés de convencer a todos de que o lado vencedor está com a razão, acabam gerando desconfiança e atiçando os ânimos dos que estão do outro lado.
AÇÃO E REAÇÃO — Outro ponto que vem chamando a atenção nesses últimos dias é o velho hábito petista de nunca se posicionar contra as críticas que recebe — mas, ao contrário, de reagir às acusações que lhe são feitas com acusações atiradas contra o outro lado. Na manhã da quarta-feira passada, quando os argumentos apresentados por Torres em seu depoimento à CPMI ainda não tinham sido digeridos pela "opinião pública", a Polícia Federal prendeu o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques — numa investigação sobre a interferência da instituição no transporte de eleitores na região Nordeste.
A investigação, como se sabe, vinha sendo feita há algum tempo e as "provas" que confirmariam a parcialidade de Vasques já eram conhecidas há mais tempo. Mas, por uma dessas "coincidências" que já houve em outros momentos das administrações petistas, a ação se deu justamente num momento em que as acusações feitas por Torres em seu depoimento pareciam exigir um posicionamento por parte das autoridades.
Também nesse caso, a narrativa demonstra uma certa parcialidade e pede esclarecimentos que nunca foram — e provavelmente nunca serão — dados pelos investigadores. A região Nordeste, como se sabe, é uma parte do país onde os eleitores são especialmente sensíveis às políticas clientelistas e aos favores que recebem dos governantes. A região, como se sabe, tem se mostrado majoritariamente favorável ao PT, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas eleições. A ação da PRF teria sido uma manobra destinada a impedir que ônibus que transportavam eleitores que votariam no candidato petista chegassem aos centros onde ocorriam as votações.
Mais uma vez é preciso dizer que, se as acusações forem realmente confirmadas, Vasques e toda a cadeia de comando que contribuiu para a ação merecem ser punidos na forma da lei — mas nunca além dela. Vasques é — e nunca escondeu que fosse — um defensor devotado do ex-presidente Bolsonaro e isso, para os que o acusam, parece prova suficiente de que, ao mandar fiscalizar os ônibus que transportavam eleitores por estradas federais no Nordeste, ele estava procurando prejudicar Lula. Pode ser que estivesse mesmo. O problema, porém, é que o açodamento da acusação impede que a situação seja discutida em toda sua profundidade.
Cabe apenas à Justiça Eleitoral fornecer transporte aos eleitores que necessitam nos dias da votação. Qualquer outro meio de levar eleitores até as seções eleitorais, até mesmo a carona, é considerado crime e deve ser punido na forma da lei. Com base nesse princípio, uma série de pontos relacionados com os ônibus interceptados pelas estradas nordestinas deixaram de ser discutidos.
A Justiça Eleitoral é especialmente eficiente no que diz respeito à localização de zonas eleitorais perto das residências dos eleitores. Sendo assim, e mesmo considerando que as condições demográficas do Nordeste são diferentes dos grandes centros urbanos do Sudeste, é o caso de se perguntar por que havia tantos ônibus transitando por rodovias federais e, portanto, percorrendo grandes distâncias no dia das eleições.
E mais: todos os ônibus que transportavam eleitores no dia do segundo turno das eleições estavam, como prevê a lei, autorizados a circular pela Justiça Eleitoral? Se estavam, onde está a documentação que comprova esse fato? Se não estavam, quem pagou pelo transporte dos eleitores? Houve, além do transporte em si, a oferta de algum outro benefício para os eleitores a bordo daqueles ônibus? Teria havido, por exemplo, a distribuição de alimentos?
Outro ponto a ser considerado: se o voto no país é secreto, de onde vem a certeza com que se afirma que todas as pessoas a bordo dos ônibus interceptados eram eleitores de Lula? A falta de informações sobre a quantidade de ônibus interceptados e sobre o número de passageiros em cada um deles nos permite fazer algumas ilações. Vamos a elas: suponhamos, numa conta exagerada, que mil ônibus tenham sido interceptados pelos agentes de Vasques. Imaginemos, num outro cálculo exagerado, que cada um deles transportasse 60 eleitores. Isso significaria, se todos eles fossem impedidos de chegar ao destino, 60.000 votos a menos para Lula. Nesse caso, a diferença a favor de Lula no segundo turno cairia dos 2.139.645 votos registrados para 2.079.645.
A investigação, como se sabe, vinha sendo feita há algum tempo e as "provas" que confirmariam a parcialidade de Vasques já eram conhecidas há mais tempo. Mas, por uma dessas "coincidências" que já houve em outros momentos das administrações petistas, a ação se deu justamente num momento em que as acusações feitas por Torres em seu depoimento pareciam exigir um posicionamento por parte das autoridades.
Também nesse caso, a narrativa demonstra uma certa parcialidade e pede esclarecimentos que nunca foram — e provavelmente nunca serão — dados pelos investigadores. A região Nordeste, como se sabe, é uma parte do país onde os eleitores são especialmente sensíveis às políticas clientelistas e aos favores que recebem dos governantes. A região, como se sabe, tem se mostrado majoritariamente favorável ao PT, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas eleições. A ação da PRF teria sido uma manobra destinada a impedir que ônibus que transportavam eleitores que votariam no candidato petista chegassem aos centros onde ocorriam as votações.
Mais uma vez é preciso dizer que, se as acusações forem realmente confirmadas, Vasques e toda a cadeia de comando que contribuiu para a ação merecem ser punidos na forma da lei — mas nunca além dela. Vasques é — e nunca escondeu que fosse — um defensor devotado do ex-presidente Bolsonaro e isso, para os que o acusam, parece prova suficiente de que, ao mandar fiscalizar os ônibus que transportavam eleitores por estradas federais no Nordeste, ele estava procurando prejudicar Lula. Pode ser que estivesse mesmo. O problema, porém, é que o açodamento da acusação impede que a situação seja discutida em toda sua profundidade.
Cabe apenas à Justiça Eleitoral fornecer transporte aos eleitores que necessitam nos dias da votação. Qualquer outro meio de levar eleitores até as seções eleitorais, até mesmo a carona, é considerado crime e deve ser punido na forma da lei. Com base nesse princípio, uma série de pontos relacionados com os ônibus interceptados pelas estradas nordestinas deixaram de ser discutidos.
A Justiça Eleitoral é especialmente eficiente no que diz respeito à localização de zonas eleitorais perto das residências dos eleitores. Sendo assim, e mesmo considerando que as condições demográficas do Nordeste são diferentes dos grandes centros urbanos do Sudeste, é o caso de se perguntar por que havia tantos ônibus transitando por rodovias federais e, portanto, percorrendo grandes distâncias no dia das eleições.
E mais: todos os ônibus que transportavam eleitores no dia do segundo turno das eleições estavam, como prevê a lei, autorizados a circular pela Justiça Eleitoral? Se estavam, onde está a documentação que comprova esse fato? Se não estavam, quem pagou pelo transporte dos eleitores? Houve, além do transporte em si, a oferta de algum outro benefício para os eleitores a bordo daqueles ônibus? Teria havido, por exemplo, a distribuição de alimentos?
Outro ponto a ser considerado: se o voto no país é secreto, de onde vem a certeza com que se afirma que todas as pessoas a bordo dos ônibus interceptados eram eleitores de Lula? A falta de informações sobre a quantidade de ônibus interceptados e sobre o número de passageiros em cada um deles nos permite fazer algumas ilações. Vamos a elas: suponhamos, numa conta exagerada, que mil ônibus tenham sido interceptados pelos agentes de Vasques. Imaginemos, num outro cálculo exagerado, que cada um deles transportasse 60 eleitores. Isso significaria, se todos eles fossem impedidos de chegar ao destino, 60.000 votos a menos para Lula. Nesse caso, a diferença a favor de Lula no segundo turno cairia dos 2.139.645 votos registrados para 2.079.645.
PLANILHAS — São, como se vê, perguntas e cenários simples e, de certa forma, até mesmo ingênuos a respeito da ação da PRF — mas, desde o primeiro momento, ninguém se preocupou em discutir esses aspectos. Toda a discussão parece dar à ação da PRF uma dimensão superior à que teve e que a interceptação dos ônibus era suficiente para inverter o jogo a favor de Bolsonaro.
Mais uma vez, é preciso deixar claro que qualquer ação que impedisse um único eleitor de votar no segundo turno justificaria uma investigação. O que está sendo discutido aqui é a dimensão que o debate tomou nos últimos dias. O argumento para a prisão de Vasques teriam sido informações encontradas em celulares de agentes da Polícia Federal e que orientavam as operações em regiões eleitorais onde Lula teria batido Bolsonaro com mais folga no primeiro turno. A instituição teria feito até planilhas "secretas" com base em dados que, como se sabe, são públicos e disponíveis nas páginas de internet do TSE e dos principais jornais do país. Não haveria, portanto, a necessidade de se elaborar planilhas sofisticadas para orientar uma operação policial no dia do segundo turno — bastaria, para isso, se orientar pelo site da Justiça Eleitoral.
Seja como for, e como já foi dito, caso fique realmente comprovado que o ex-diretor da instituição agiu de forma parcial, ele merecer ser punido. As perguntas a respeito dos crimes eleitorais que poderiam estar sendo cometidos em benefício do candidato do PT, no entanto, continuarão para sempre sem resposta e, pelo visto, não existe a menor preocupação em respondê-las.
O interesse, como os fatos indicam, não está em apurar a verdade, mas em manter acesa a chama que pretende não só aniquilar a carreira política de Bolsonaro e dos bolsonaristas mais destacados, mas a de estender a culpa a seus eleitores. A política brasileira precisa de alguém que, não apenas com base em discursos, mas em gestos concretos, demonstre que, numa democracia, não existe um lado que detenha o monopólio da razão e da verdade.
Democracia pressupõe direitos equivalentes no debate de ideias divergentes, pontos de vista distintos expostos com liberdade e, no final de tudo, a apresentação de argumentos que permitam ao cidadão formar seu juízo, tirar suas conclusões e fazer suas escolhas. Esses pressupostos, como se vê, não podem conviver com uma narrativa única, sustentada por um rolo compressor que impede um dos lados de expor seus pontos de vista. É preciso mudar. Do contrário, ficará a impressão de que os que se apresentam como defensores da democracia são os principais interessados em negá-la.
Mais uma vez, é preciso deixar claro que qualquer ação que impedisse um único eleitor de votar no segundo turno justificaria uma investigação. O que está sendo discutido aqui é a dimensão que o debate tomou nos últimos dias. O argumento para a prisão de Vasques teriam sido informações encontradas em celulares de agentes da Polícia Federal e que orientavam as operações em regiões eleitorais onde Lula teria batido Bolsonaro com mais folga no primeiro turno. A instituição teria feito até planilhas "secretas" com base em dados que, como se sabe, são públicos e disponíveis nas páginas de internet do TSE e dos principais jornais do país. Não haveria, portanto, a necessidade de se elaborar planilhas sofisticadas para orientar uma operação policial no dia do segundo turno — bastaria, para isso, se orientar pelo site da Justiça Eleitoral.
Seja como for, e como já foi dito, caso fique realmente comprovado que o ex-diretor da instituição agiu de forma parcial, ele merecer ser punido. As perguntas a respeito dos crimes eleitorais que poderiam estar sendo cometidos em benefício do candidato do PT, no entanto, continuarão para sempre sem resposta e, pelo visto, não existe a menor preocupação em respondê-las.
O interesse, como os fatos indicam, não está em apurar a verdade, mas em manter acesa a chama que pretende não só aniquilar a carreira política de Bolsonaro e dos bolsonaristas mais destacados, mas a de estender a culpa a seus eleitores. A política brasileira precisa de alguém que, não apenas com base em discursos, mas em gestos concretos, demonstre que, numa democracia, não existe um lado que detenha o monopólio da razão e da verdade.
Democracia pressupõe direitos equivalentes no debate de ideias divergentes, pontos de vista distintos expostos com liberdade e, no final de tudo, a apresentação de argumentos que permitam ao cidadão formar seu juízo, tirar suas conclusões e fazer suas escolhas. Esses pressupostos, como se vê, não podem conviver com uma narrativa única, sustentada por um rolo compressor que impede um dos lados de expor seus pontos de vista. É preciso mudar. Do contrário, ficará a impressão de que os que se apresentam como defensores da democracia são os principais interessados em negá-la.
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