Publicado 28/01/2024 00:00
Ainda que localizado em uma única estatal, um problema grande o suficiente para comprometer a segurança energética do país emergiu nas últimas semanas e foi passando de mão em mão sem que ninguém o resolvesse. Até cair nas mãos de ninguém menos que o presidente da República. O bafafá de grandes proporções deixou claro, mais uma vez, o preço elevado que o país acaba pagando quando critérios de afinidade ideológica e de compadrio político falam mais alto que a competência profissional na hora da escolha dos responsáveis pela gestão de empresas públicas.
A empresa é a gigantesca Itaipu Binacional, uma potência que fatura quase R$ 10 bilhões por ano e é responsável por pouco menos de 10% de toda eletricidade consumida no país. O empreendimento é dividido meio a meio entre o Brasil e o vizinho Paraguai e todas as decisões relativas à empresa precisam ser tomadas em consenso pelos dois sócios. Normalmente, o acordo é fechado com facilidade e ninguém toma conhecimento do que foi acertado. Desta vez, a confusão está dando o que falar.
A causa do desentendimento é o preço que a empresa cobrará pela energia gerada este ano. A usina, que é a segunda maior hidrelétrica do mundo, tem uma capacidade instalada de 14 GW de energia. O excedente é vendido ao Brasil e distribuído por meio do Sistema Interligado Nacional. Tem sido assim desde que a usina começou a produzir eletricidade, no dia 5 de maio de 1984 — há 40 anos, portanto.
Pela lógica mais elementar dos negócios, quanto menor for o preço desse excedente, melhor para o Brasil. No início do ano passado, os dois lados se entenderam em torno de uma tarifa de US$ 16,7 pelo quilowatt. Só que, pelo lado paraguaio, vale o raciocínio inverso. Como o país recebe dinheiro pela parte da energia a que teria direito como sócio do empreendimento, mas que é destinada ao Brasil, quanto maior for o preço, melhor.
Foi com base nesse raciocínio que o jovem economista conservador Santiago Peña, do Partido Colorado, que assumiu a presidência do Paraguai em agosto do ano passado, endureceu o diálogo. Disse que achava o preço do quilowatt muito baixo e que não fecharia o acordo por menos de US$ 20,75. O aumento exigido é de 24%. Do ponto de vista técnico, não há qualquer justificativa para o aumento. No início deste ano, Itaipu Binacional quitou a última parcela que devia pela construção da usina e livrou-se, assim, da maior de suas despesas. O mais correto seria beneficiar seus sócios com uma redução do preço. Mas o Paraguai quer porque quer tirar vantagem da situação.
O assunto vinha sendo tratado pela diretoria da companhia desde outubro do ano passado e, diante da falta de acordo entre os lados, o orçamento para este ano não foi fechado. E sem orçamento definido, conforme estabelece o estatuto e os normas de governança, a empresa está impedida de fazer qualquer desembolso. Nem mesmo os salários dos empregados e os valores devidos aos fornecedores estão sendo pagos.
(Na semana passada, a Justiça do Trabalho interveio, determinou que os salários fossem pagos e estipulou uma multa de R$ 300 mil por dia para o caso descumprimento. Os pagamentos aos funcionários brasileiros foram efetuados na quinta-feira. Os paraguaios não tinham sido pagos até a última sexta-feira).
A empresa é a gigantesca Itaipu Binacional, uma potência que fatura quase R$ 10 bilhões por ano e é responsável por pouco menos de 10% de toda eletricidade consumida no país. O empreendimento é dividido meio a meio entre o Brasil e o vizinho Paraguai e todas as decisões relativas à empresa precisam ser tomadas em consenso pelos dois sócios. Normalmente, o acordo é fechado com facilidade e ninguém toma conhecimento do que foi acertado. Desta vez, a confusão está dando o que falar.
A causa do desentendimento é o preço que a empresa cobrará pela energia gerada este ano. A usina, que é a segunda maior hidrelétrica do mundo, tem uma capacidade instalada de 14 GW de energia. O excedente é vendido ao Brasil e distribuído por meio do Sistema Interligado Nacional. Tem sido assim desde que a usina começou a produzir eletricidade, no dia 5 de maio de 1984 — há 40 anos, portanto.
Pela lógica mais elementar dos negócios, quanto menor for o preço desse excedente, melhor para o Brasil. No início do ano passado, os dois lados se entenderam em torno de uma tarifa de US$ 16,7 pelo quilowatt. Só que, pelo lado paraguaio, vale o raciocínio inverso. Como o país recebe dinheiro pela parte da energia a que teria direito como sócio do empreendimento, mas que é destinada ao Brasil, quanto maior for o preço, melhor.
Foi com base nesse raciocínio que o jovem economista conservador Santiago Peña, do Partido Colorado, que assumiu a presidência do Paraguai em agosto do ano passado, endureceu o diálogo. Disse que achava o preço do quilowatt muito baixo e que não fecharia o acordo por menos de US$ 20,75. O aumento exigido é de 24%. Do ponto de vista técnico, não há qualquer justificativa para o aumento. No início deste ano, Itaipu Binacional quitou a última parcela que devia pela construção da usina e livrou-se, assim, da maior de suas despesas. O mais correto seria beneficiar seus sócios com uma redução do preço. Mas o Paraguai quer porque quer tirar vantagem da situação.
O assunto vinha sendo tratado pela diretoria da companhia desde outubro do ano passado e, diante da falta de acordo entre os lados, o orçamento para este ano não foi fechado. E sem orçamento definido, conforme estabelece o estatuto e os normas de governança, a empresa está impedida de fazer qualquer desembolso. Nem mesmo os salários dos empregados e os valores devidos aos fornecedores estão sendo pagos.
(Na semana passada, a Justiça do Trabalho interveio, determinou que os salários fossem pagos e estipulou uma multa de R$ 300 mil por dia para o caso descumprimento. Os pagamentos aos funcionários brasileiros foram efetuados na quinta-feira. Os paraguaios não tinham sido pagos até a última sexta-feira).
FIO DESENCAPADO — Há cerca de duas semanas, o presidente Peña fez uma visita ao Brasil e o assunto dominou a pauta de seu encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gente que participou da reunião disse que, enquanto o paraguaio se mostrava bem informado, com dados e cenários na ponta da língua, Lula — cujo prestígio como negociador habilidoso é anterior à sua posse para o primeiro mandato, em 2003 — não dispunha de informações consistentes, que lhe permitissem defender os interesses brasileiros. E a definição ficou para depois.
De acordo com o colunista do UOL Tales Faria, Lula teria se irritado com a "incompetência" da equipe brasileira e cobrou do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, que identifique o responsável pela "barbeiragem". É aí que está o xis da questão: se Costa levar ao pé da letra a ordem que recebeu do chefe, teria, por obrigação, que oferecer sua própria cabeça ao presidente. Afinal, ele é um dos cinco ministros nomeados por Lula para cargos no Conselho da companhia.
Em tempo: cada conselheiro de Itaipu recebe por mês R$ 27 mil a título de salário. Segundo denúncia publicada pela CUT cinco anos atrás, em relação aos nomeados por Jair Bolsonaro para o posto, o conselheiro também recebe pelo menos R$ 54 mil, a título de jetom, a cada reunião. No caso de Costa e dos outros ministros que ocupam o posto, esse valor se soma aos R$ 39 mil que recebem de salário.
Além de Rui Costa, o Conselho de Administração conta com Alexandre Silveira, das Minas e Energia, Ester Dwek, da Gestão e Inovação, Fernando Haddad, da Fazenda, e Mauro Vieira, das Relações Exteriores — titular da vaga no conselho obrigatoriamente destinada ao Corpo Diplomático. Além deles, integram o colegiado, pelo lado brasileiro, a candidata derrotada por Minas Gerais à Câmara dos Deputados Gleide Andrade de Oliveira, que é secretária de Finanças do PT, e o farmacêutico e ex-secretário de Saúde do Paraná Michele Caputo Neto.
O diretor-geral pelo lado brasileiro é o paranaense Enio Verri, que renunciou ao posto de deputado federal pelo PT para assumir o empregaço. Ele chegou ao cargo com o apoio da primeira-dama Janja da Silva e já se reuniu com ela mais de uma vez para tratar de assuntos relacionados com a empresa, mas não foi capaz de conduzir um acordo sobre o o preço do quilowatt. Junte essa turma toda para uma conversa sobre energia elétrica e, provavelmente, tudo o que vai sair dali é a conclusão de que um fio desencapado dá choque e que um aparelho de 110V, se for ligado numa tomada de 220V, vai queimar por não suportar o excesso de tensão.
De acordo com o colunista do UOL Tales Faria, Lula teria se irritado com a "incompetência" da equipe brasileira e cobrou do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, que identifique o responsável pela "barbeiragem". É aí que está o xis da questão: se Costa levar ao pé da letra a ordem que recebeu do chefe, teria, por obrigação, que oferecer sua própria cabeça ao presidente. Afinal, ele é um dos cinco ministros nomeados por Lula para cargos no Conselho da companhia.
Em tempo: cada conselheiro de Itaipu recebe por mês R$ 27 mil a título de salário. Segundo denúncia publicada pela CUT cinco anos atrás, em relação aos nomeados por Jair Bolsonaro para o posto, o conselheiro também recebe pelo menos R$ 54 mil, a título de jetom, a cada reunião. No caso de Costa e dos outros ministros que ocupam o posto, esse valor se soma aos R$ 39 mil que recebem de salário.
Além de Rui Costa, o Conselho de Administração conta com Alexandre Silveira, das Minas e Energia, Ester Dwek, da Gestão e Inovação, Fernando Haddad, da Fazenda, e Mauro Vieira, das Relações Exteriores — titular da vaga no conselho obrigatoriamente destinada ao Corpo Diplomático. Além deles, integram o colegiado, pelo lado brasileiro, a candidata derrotada por Minas Gerais à Câmara dos Deputados Gleide Andrade de Oliveira, que é secretária de Finanças do PT, e o farmacêutico e ex-secretário de Saúde do Paraná Michele Caputo Neto.
O diretor-geral pelo lado brasileiro é o paranaense Enio Verri, que renunciou ao posto de deputado federal pelo PT para assumir o empregaço. Ele chegou ao cargo com o apoio da primeira-dama Janja da Silva e já se reuniu com ela mais de uma vez para tratar de assuntos relacionados com a empresa, mas não foi capaz de conduzir um acordo sobre o o preço do quilowatt. Junte essa turma toda para uma conversa sobre energia elétrica e, provavelmente, tudo o que vai sair dali é a conclusão de que um fio desencapado dá choque e que um aparelho de 110V, se for ligado numa tomada de 220V, vai queimar por não suportar o excesso de tensão.
ARTIFÍCIOS HETERODOXOS — Anedotas à parte, o certo é que cargos estratégicos em empresas que exigem o alto grau de especialização, como é o caso de Itaipu, não deveriam ser preenchidos por pessoas que não tivessem competência técnica comprovada e capacidade para sustentar, por exemplo, um debate sobre o preço da energia com os oponentes paraguaios. Isso vale para qualquer governo brasileiro, de qualquer orientação política. E vale ainda mais para um governo como o de Lula, que, por situações vividas no passado, deveria estar mais do que atento ao apetite desmedido que os vizinhos sul-americanos demonstram quando negociam com o lado brasileiro.
Isso mesmo. De uns tempos para cá, vizinhos sul-americano têm se valido de uma série de artifícios, digamos, "heterodoxos", para levar vantagem em seu relacionamento comercial com o Brasil. A quebra do acordo em torno do preço do quilowatt, por exemplo, não foi o único ato de esperteza dos sócios paraguaios em relação a Itaipu.
Uma manobra que tem sido posta em prática pelos representantes paraguaios no conselho da empresa tem sido a de reservar para o país uma cota de energia inferior à que, no final do ano, acaba sendo gasta. Como o fornecimento não é interrompido depois que a cota é atingida, o país vizinho acaba se abastecendo com eletricidade que, a princípio, deveria ser destinada ao Brasil. Como a compensação financeira dessa manobra não é feita, a consequência é que o consumidor brasileiro acaba subsidiando, no final de tudo, a conta de luz dos paraguaios.
Se esse artifício tivesse sido utilizado uma vez, poderia ser considerado um descuido. Se tivesse sido usado duas vezes, coincidência. Como o hábito se tornou recorrente, ele só pode ser atribuído ao desejo paraguaio de se fazer de bobo para levar vantagem. No ano passado, a brincadeira já havia custado ao Brasil nada menos que US$ 1,8 bilhão.
O caso, infelizmente, não é único. Qualquer pessoa com um mínimo de memória se lembra, por exemplo, que o cocaleiro Evo Morales, em 2006, tão logo assumiu a presidência da Bolívia, impôs um aumento estratosférico sobre o preço do gás natural que seu país vendia ao Brasil e ainda expropriou propriedades que a Petrobras mantinha no país. Lula, que estava em seu primeiro mandato, não reagiu e permitiu que Morales se apossasse das instalações, que, no final das contas, foram construídas com dinheiro do povo brasileiro.
A diferença entre os dois episódios é que, enquanto o cocaleiro Morales e a maioria dos governantes latino-americanos que levaram vantagens sobre o Brasil sem que o governo reagisse — como são os casos dos governos da Venezuela e de Cuba — são esquerdistas e simpáticos ao PT, o paraguaio Peña não reza pela mesma cartilha. Resta saber se, nesse caso, o governo brasileiro agirá com a mesma camaradagem que demonstrou quando os companheiros lhe aplicaram calotes ou se desta vez falará grosso em defesa dos interesses do país.
Isso mesmo. De uns tempos para cá, vizinhos sul-americano têm se valido de uma série de artifícios, digamos, "heterodoxos", para levar vantagem em seu relacionamento comercial com o Brasil. A quebra do acordo em torno do preço do quilowatt, por exemplo, não foi o único ato de esperteza dos sócios paraguaios em relação a Itaipu.
Uma manobra que tem sido posta em prática pelos representantes paraguaios no conselho da empresa tem sido a de reservar para o país uma cota de energia inferior à que, no final do ano, acaba sendo gasta. Como o fornecimento não é interrompido depois que a cota é atingida, o país vizinho acaba se abastecendo com eletricidade que, a princípio, deveria ser destinada ao Brasil. Como a compensação financeira dessa manobra não é feita, a consequência é que o consumidor brasileiro acaba subsidiando, no final de tudo, a conta de luz dos paraguaios.
Se esse artifício tivesse sido utilizado uma vez, poderia ser considerado um descuido. Se tivesse sido usado duas vezes, coincidência. Como o hábito se tornou recorrente, ele só pode ser atribuído ao desejo paraguaio de se fazer de bobo para levar vantagem. No ano passado, a brincadeira já havia custado ao Brasil nada menos que US$ 1,8 bilhão.
O caso, infelizmente, não é único. Qualquer pessoa com um mínimo de memória se lembra, por exemplo, que o cocaleiro Evo Morales, em 2006, tão logo assumiu a presidência da Bolívia, impôs um aumento estratosférico sobre o preço do gás natural que seu país vendia ao Brasil e ainda expropriou propriedades que a Petrobras mantinha no país. Lula, que estava em seu primeiro mandato, não reagiu e permitiu que Morales se apossasse das instalações, que, no final das contas, foram construídas com dinheiro do povo brasileiro.
A diferença entre os dois episódios é que, enquanto o cocaleiro Morales e a maioria dos governantes latino-americanos que levaram vantagens sobre o Brasil sem que o governo reagisse — como são os casos dos governos da Venezuela e de Cuba — são esquerdistas e simpáticos ao PT, o paraguaio Peña não reza pela mesma cartilha. Resta saber se, nesse caso, o governo brasileiro agirá com a mesma camaradagem que demonstrou quando os companheiros lhe aplicaram calotes ou se desta vez falará grosso em defesa dos interesses do país.
SITUAÇÕES ULTRAJANTES — Seja como for, é um caso para se pensar. Quando o pragmatismo é posto de lado e questões diplomáticas ou administrativas mais complexas são tratadas com base no princípio da ideologia ou da simpatia política, a chance de dar errado é enorme. Isso vale para qualquer área do governo. É o que se vê neste momento, por exemplo, em relação à gestão da crise sanitária que afetou os yanomamis. Ao assumir o governo, no ano passado, Lula encontrou esse povo indígena numa situação que, de fato, era desesperadora.
As imagens de seres humanos expostos a situações ultrajantes foram levadas ao mundo como uma prova do fracasso histórico do Brasil no tratamento da questão indígena. E que, segundo o governo que estava chegando, bastaria meia dúzia de medidas enérgicas por parte do novo Ministério dos Povos Indígenas, prometido por Lula ainda durante a campanha para lidar exclusivamente com os problemas relativos aos povos originários, para que tudo se resolvesse e o povo yanomami pudesse, finalmente, viver em paz em seu vasto território. O tempo, no entanto, se encarregou de mostrar que a existência de um ministério dedicado exclusivamente à causa indígena ou a qualquer outra, por si só, não é garantia para solução de problema algum.
Ao longo do primeiro ano do novo mandato de Lula, a crise sanitária permaneceu grave e as estatísticas de doenças contagiosas entre o povo yanomami, ao invés de melhorar, pioraram. Até novembro do ano passado, foram registrados, por exemplo, 5.598 casos de síndrome respiratória grave, contra 2.478 em 2022. Houve, ainda, 9.550 casos de diarreia aguda, contra 5.902 no ano anterior. São números que não deveriam ser registrados em um governo que assumiu apontando o dedo e fazendo críticas severas à administração anterior e que atribuía a responsabilidade pela gravíssima situação dos indígenas brasileiros à ideologia de direita e às práticas genocidas do governo anterior.
O problema é grave. Nos últimos dias, o governo finalmente tomou providências concretas para evitar que o garimpo ilegal — que muitos diziam que só existia porque a administração anterior fazia vistas grossas para o problema — continue poluindo os rios da terra yanomami, derrubando a mata indiscriminadamente e expondo a população indígena ao perigo. E pior: as autoridades brasileiras pareceram se espantar diante da constatação de que as pistas de pouso clandestinas utilizadas para abastecer os garimpos ilegais na terra yanomami foram simplesmente transferidas para o lado venezuelano da fronteira — sem que o governo do companheiro Nicolas Maduro tomado qualquer providência para combatê-las.
Num cenário como esse, fica cada vez mais clara a incompetência do governo para lidar com a situação e a própria ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que adora pôr seu cocar na cabeça para participar de homenagens aos povos originários, já admitiu que a solução da crise, que era apenas "uma questão de vontade política" para o governo anterior, não se resolverá neste ou no próximo ano. Ou seja: se o problema era do governo anterior, tudo acontecia por incompetência ou por falta de interesse em resolver a questão. Se é do governo atual, toda demora se justifica pela complexidade da situação.
As imagens de seres humanos expostos a situações ultrajantes foram levadas ao mundo como uma prova do fracasso histórico do Brasil no tratamento da questão indígena. E que, segundo o governo que estava chegando, bastaria meia dúzia de medidas enérgicas por parte do novo Ministério dos Povos Indígenas, prometido por Lula ainda durante a campanha para lidar exclusivamente com os problemas relativos aos povos originários, para que tudo se resolvesse e o povo yanomami pudesse, finalmente, viver em paz em seu vasto território. O tempo, no entanto, se encarregou de mostrar que a existência de um ministério dedicado exclusivamente à causa indígena ou a qualquer outra, por si só, não é garantia para solução de problema algum.
Ao longo do primeiro ano do novo mandato de Lula, a crise sanitária permaneceu grave e as estatísticas de doenças contagiosas entre o povo yanomami, ao invés de melhorar, pioraram. Até novembro do ano passado, foram registrados, por exemplo, 5.598 casos de síndrome respiratória grave, contra 2.478 em 2022. Houve, ainda, 9.550 casos de diarreia aguda, contra 5.902 no ano anterior. São números que não deveriam ser registrados em um governo que assumiu apontando o dedo e fazendo críticas severas à administração anterior e que atribuía a responsabilidade pela gravíssima situação dos indígenas brasileiros à ideologia de direita e às práticas genocidas do governo anterior.
O problema é grave. Nos últimos dias, o governo finalmente tomou providências concretas para evitar que o garimpo ilegal — que muitos diziam que só existia porque a administração anterior fazia vistas grossas para o problema — continue poluindo os rios da terra yanomami, derrubando a mata indiscriminadamente e expondo a população indígena ao perigo. E pior: as autoridades brasileiras pareceram se espantar diante da constatação de que as pistas de pouso clandestinas utilizadas para abastecer os garimpos ilegais na terra yanomami foram simplesmente transferidas para o lado venezuelano da fronteira — sem que o governo do companheiro Nicolas Maduro tomado qualquer providência para combatê-las.
Num cenário como esse, fica cada vez mais clara a incompetência do governo para lidar com a situação e a própria ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que adora pôr seu cocar na cabeça para participar de homenagens aos povos originários, já admitiu que a solução da crise, que era apenas "uma questão de vontade política" para o governo anterior, não se resolverá neste ou no próximo ano. Ou seja: se o problema era do governo anterior, tudo acontecia por incompetência ou por falta de interesse em resolver a questão. Se é do governo atual, toda demora se justifica pela complexidade da situação.
AFINIDADE IDEOLÓGICA — Essa é a questão. Ninguém tem o direito de questionar o direito de um governante nomear aliados da sua confiança para os postos mais destacados de sua administração. Ninguém pode questionar um presidente da República ou um governador de estado por confiar a correligionários leais a solução dos problemas mais graves. Isso, aliás, é esperado de qualquer administração.
O inaceitável, porém, é quando a afinidade ideológica se sobrepõe à exigência de uma aptidão mínima para a condução de políticas públicas e quando os problemas do dia a dia se mostram superiores à competência dos aquinhoados com cargos que exigem dedicação, conhecimento e habilitação específica. Como já se disse aqui mais de uma vez, a ideologia é essencial para que o eleitor defina com seu voto as linhas gerais de ação do governo. Mas quando os problemas reais passam a exigir soluções eficazes e técnicas, nada substitui a experiência e a competência comprovada.
O inaceitável, porém, é quando a afinidade ideológica se sobrepõe à exigência de uma aptidão mínima para a condução de políticas públicas e quando os problemas do dia a dia se mostram superiores à competência dos aquinhoados com cargos que exigem dedicação, conhecimento e habilitação específica. Como já se disse aqui mais de uma vez, a ideologia é essencial para que o eleitor defina com seu voto as linhas gerais de ação do governo. Mas quando os problemas reais passam a exigir soluções eficazes e técnicas, nada substitui a experiência e a competência comprovada.
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