Por thiago.antunes

Brasília -  As manifestações contra o governo estavam marcadas para a última sexta-feira havia mais de um mês. Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República ofereceu denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra Michel Temer. O Brasil passou então a estar na condição inédita de ser presidido por um cidadão denunciado pelo crime de corrupção passiva. 

A continuidade normal dessa narrativa seria termos milhões de cidadãos indignados nas ruas, protestando e pedindo a saída do presidente. Nada disso, no entanto, aconteceu.

As manifestações, ainda que tenham acontecido por todo o país, juntaram alguns poucos milhares de pessoas. Em Brasília, a Esplanada dos Ministérios esteve fechada para trânsito durante todo o dia. No entanto, além de 2.600 policiais militares e 400 homens da Força Nacional, ninguém apareceu para protestar, comprovando o estado de apatia em que o país, após assistir em estado de perplexidade a uma interminável sucessão de escândalos, mergulhou.

Na sexta-feira%2C 3 mil militares se posicionaram na Esplanada dos Ministérios à espera dos manifestantes. Mas não houve protestoAntonio Cruz / Agência Brasil

“É um absurdo que aceitemos passivamente essa situação. A realidade é que nos transformamos em um país completamente sem moral. Em qualquer outro país, a população sairia às ruas. Recentemente, na Coreia do Sul, a população cercou o palácio por conta de fatos menos graves e não saiu de lá enquanto a presidente não foi deposta”, lembra o cientista político Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “E no Brasil?”, pergunta.

A sexta-feira marcou ainda a volta à liberdade do ‘homem da mala’ Rodrigo Rocha Loures, e a volta ao Senado de Aécio Neves, flagrado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, da JBS. Os desabafos contra as decisões e contra o Brasil encheram as redes sociais, mas as ruas seguiram praticamente vazias. “O que vemos é que, em determinados momentos, como esse, as pessoas demonstram algum sentimento de indignação. Como isso não se transforma em ação só produz mais frustração”, diz Fornazieri.

Estratégia equivocada

Para Guilherme Simões Reis, cientista político e professor da UniRio, “há setores da oposição que estão calculando ser melhor deixar o Temer sangrando”, de olho nas próximas eleições. Por isso, não trabalhariam por uma mobilização contra o presidente ou em protesto contra a corrupção. “É uma estratégia totalmente equivocada”, afirma.
Os dois pesquisadores falam sobre o quadro de apatia e o estranho panorama político de um país governado por um presidente denunciado por crime comum. 

'O país está desmoralizado' - Cinco minutos com Aldo Fornazieri, cientista político

Se o governo só tem aprovação de 7% da população, como indicou o Datafolha, por que as ruas estão vazias e não se ouvem panelas?

— O fato é que o país está desmoralizado, não são mais apenas as instituições. Somos um povo impotente. A esquerda está mergulhada na mais completa confusão e completamente enfraquecida. Não tem mais poder de convocação para levar muita gente às ruas. Pode convocar alguns milhares, mas para tirar um presidente pela via das ruas, seriam necessárias algumas manifestações com milhões de pessoas. O PT, que é o maior partido da oposição, está fazendo um jogo completamente confuso. Há setores que acham que tirar o Temer agora também seria golpe, o que é absurdo.

E os setores que se manifestaram contra o governo Dilma? Também parecem pouco dispostos a se manifestar

Tem uma parte da população que foi às ruas bem intencionada, protestando contra a corrupção com sinceridade, ainda que misturada a oportunistas. Mas não foi apenas um mero processo manipulatório para colocar o Temer no poder. Boa parte dessas pessoas que foram para a Avenida Paulista, para a Atlântica, já não queria o Temer naquela época. Essa parcela da população agora se sente enganada. Mais do que isso, se sente envergonhada. Porém o que se constata é que isso não está gerando revolta, está levando à impotência. Até os movimentos mais orgânicos, como o MBL, evaporaram, viraram pó.

Então, nessa crise, não vamos ouvir o que Ulysses Guimarães chamava de ‘voz rouca das ruas’, capaz de influenciar o jogo político?

A população não tem nenhum protagonismo nesse processo. O que falta para as pessoas é direção. Os movimentos sociais —não sabem o que querem. Se houvesse objetivos claros, um cronograma de lutas, seria possível mobilizar mais gente do que só os militantes. Isso mudaria o quadro, porque esse presidente é rejeitado por quase todo o país. Quem está à frente do processo político hoje é a Procuradoria-Geral, com o Judiciário e com a base governista. Dentro da base é que vai se decidir a continuidade ou não do mandato de Michel Temer. A oposição está tonta, fora do jogo.

'O país está desmoralizado'Divulgação

O PSDB tem sido visto como uma espécie de fiel da balança. Não parece exagero, já que o partido só tem 46 das 513 cadeiras da Câmara (a aceitação da denúncia contra Temer depende de 342 votos, 2/3 do total de deputados)?

O problema do PSDB é mais político do que matemático. É o partido fiador do governo. Se ele sai, o que se teme é o efeito manada. O que não se entende é por que o PSDB prefere afundar dessa forma com o governo. Tem questões de verbas, tempo de televisão, reformas... Mas imagina cada deputado anunciando ao microfone que é contra a autorização do julgamento de uma suspeita de crime. Isso vai ter um efeito devastados sobre a bancada do PSDB.

O cenário que se revela mostra a base governista negando autorização ao Supremo para processar o presidente. Ele terá condições de governar ou apenas vai cumprir tabela?

Primeiro, é preciso dizer que Temer perdeu a moral necessária para governar. Ele não chega nem a demonstrar sentimento de culpa por seus erros. Ele foi flagrado ouvindo confissões de crimes. E a sua defesa é falar das delações. Não são ilações, são provas contundentes. Ainda que ele escape agora, dificilmente, ele terá condições de levar adiante a agenda de reformas. Quando isso ficar claro, teremos outro aprofundamento da crise.

Judiciário assume a liderança - Cinco minutos com Guilherme Simões Reis, cientista político (UniRio)

Por que as grandes manifestações dos últimos anos não se repetem agora, quando temos um cenário de crise e denúncias graves de corrupção?

No ano passado, houve mobilizações, com apoio dA mídia, contra o governo Dilma. Em resposta, os setores populares também conseguiam fazer mobilizações expressivas. Hoje, se pode sentir que parte da esquerda, em especial o PT, não está engajada em um combate aberto a Temer. Fica mais claro ainda que as mobilizações não foram por conta da corrupção, como se alegava. Temos um governo claramente enredado em corrupção, a começar pelo próprio chefe. No campo popular, que está fragmentado, a mobilização acaba sendo mais em torno de questões econômicas, como a das reformas da previdência e trabalhista.

E quem assume o protagonismo, nesse caso?

Um ator importante é o Judiciário. Existe uma polarização entre o mundo político e o Judiciário. Uma atitude de criminalização da política que torna qualquer tipo de negociação passível de suspeição, o que é muito preocupante. Se o Judiciário começa a ditar todas as regras, isso acaba contornando o sistema representativo. Nossa representação pode não estar nos satisfazendo, mas substituir isso pelo Judiciário é autoritário. Tirar da política a solução não resolve. O Judiciário tem feito isso com certa frequência. A fronteira onde o que é o político e o jurídico não está mais tão rígida. Isso leva até à eclosão de candidaturas, até presidenciais, vindas do Judiciário.

Se assumirmos que o governo Temer se mantém até o fim do ano que vem, o que se pode antever em relação às eleições?

Se Lula não for preso, ele terá base suficiente para ir ao segundo turno. O PSDB, antes da última eleição, estava morto, mas se cacifou ao se posicionar como o antiPT. Agora não consegue canalizar nenhum tipo de sentimento e deixa espaço para figuras como Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Poderá ter que apelar para outsiders, como o João Doria (prefeito de São Paulo), que se apresenta como gestor, ou figuras da TV, ou do mundo jurídico.

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