Rio - Quem vê e se encanta com os efeitos especiais de ‘Saramandaia’, hoje, não sabe o quanto a equipe e os atores da primeira versão da novela, em 1976, tinham que ‘rebolar’ para dar asas ‘imaginativas’ à criatividade de Dias Gomes. Daquele elenco, uma pequena parte ainda está na ativa.
Direto do túnel do tempo, os veteranos Ary Fontoura (no ar em ‘Amor à Vida’), Yoná Magalhães (‘Sangue Bom’) e Juca de Oliveira (‘Flor do Caribe’) relembram, a pedido do DIA, a época em que fazer realismo fantástico era uma forma de protestar.
Ary, que ‘pratrasmente’ interpretou o enigmático professor Aristóbulo, papel de Gabriel Braga Nunes, não usava máscaras nem dublês. Para virar lobisomem, era no truque de maquiagem.
“Era difícil, muito artesanal. O Walter Avancini (diretor) jogava dois sacos de cimento e eu me espojava feito cachorro no chão, depois eles jogavam os pelos. Aí, fotografavam uma parte da mão, do braço, depois o braço todo, não havia edição aprimorada. No rosto, era colado pelo por pelo. A Globo tinha dez anos apenas. Nossa dramaturgia já era excelente, mas não tínhamos o aspecto visual de hoje. Evoluiu extraordinariamente. Mas o elenco era afinadíssimo, como agora”, lembra Ary.
Para fazer João Gibão voar, vivido por Sérgio Guizé na versão atual, Juca de Oliveira foi içado por um guindaste e pendurado por um cabo de aço em um helicóptero. “Era muito simples. Os recursos disponíveis hoje são infinitamente melhores”, compara Juca. Yoná Magalhães, que fez Zélia, a ativista política vivida agora por Leandra Leal, não faz distinção: “Simplesmente não há como comparar, são duas fases diferentes e ambas maravilhosas”.
Efeitos especiais
Com o passar dos anos, além da conquista da liberdade de expressão, a tecnologia aprimorou os efeitos especiais. O único porém para Ary é que hoje ele grava mais. “As gravações não demoravam tanto porque eram só três estúdios no Jardim Botânico, para gravar tudo. Hoje, o que se persegue é a perfeição. As cenas de efeitos especiais são mais bem cuidadas, têm dublês treinados, departamento de efeitos. O corpo do lobisomem é feito de látex. Nós burlamos a falta de tecnologia com trabalhos memoráveis. Igual ao Dias Gomes não tem”, garante Ary.
As cenas românticas de Aristóbulo e Risoleta (Dina Sfat/Debora Bloch), segundo ele, eram mais ingênuas também. “Mais apropriadas para a época. Gosto muito de como o Gabriel está fazendo. É um conquistador, que tem vontade de fazer sexo. Eu fazia um professor mais tímido, de olhar parado, olheiras profundas. O desejo dos personagens era cerceado, não podíamos dar vazão àquilo. A gente se agarrava e se beijava, mas a câmera ia descendo para as laterais, para o chão. Quando a cena esquentava para valer, não era o ato sexual como agora, ficávamos só nas preliminares”, conta.
A novela, de maneira subliminar, burlava a censura dos anos 70. “O ator era amaldiçoado e travado pelo regime, impossibilitado de mostrar a criatividade”, recorda Ary. “O Ricardo Linhares (autor do remake) se ateve à história e à ampla liberdade que hoje ele tem”, completa.
“Dia Gomes era um ativista político muito importante, lutou pela liberdade, era um símbolo de resistência. A censura ficava muito em cima de todas as obras dele. Agora, a administração corrupta daquela época é bem parecida com a que temos hoje”, alfineta Juca.