Por daniela.lima

Rio - A frase ‘Nunca vi, nem comi. Eu só ouço falar’, em que o Zeca Pagodinho brinca sobre o caviar, poderia ganhar uma nova versão para falar dos mordomos, que muita gente só conhece pela telinha. Há quem diga que eles estão em extinção na vida real e a dúvida ganha força porque eles continuam tendo destaque na ficção. Depois de Crô (Marcelo Serrado), de ‘Fina Estampa’, Silviano (Othon Bastos), de ‘Império,’ e Escobar (Norival Rizzo), de ‘Alto Astral’, agora quem está no comando da serventia das madames é Xavier (Tadeu Aguiar), em ‘Babilônia’, e Júnior (Frank Menezes), em ‘I Love Paraisópolis’. 

Tadeu Aguiar é Xavier%2C mordomo de Consuelo (Arlete Salles)%2C em ‘Babilônia’Divulgação


“Quantos mordomos você conhece? Quantos amigos seus têm um?”, perguntou dia desses uma senhorinha para outra, numa padaria da Zona Norte do Rio. Se Tadeu Aguiar estivesse por lá, diria à senhorinha que eles estão na ativa, sim. “Conheço pessoas que ainda têm mordomos. Mas agora eles são chamados de copeiro. Eu mesmo contrato um (que cobra R$ 250 por sete horas de serviço) quando recebo pessoas na minha casa. Acho bacana essa coisa da etiqueta, de servir à francesa, de tirar o prato pela esquerda e colocar pela direita”, conta Tadeu, apesar de achar que a crise enfrentada pelos brasileiros não comporta esse tipo de empregado doméstico.

Nem mesmo ‘Alfreeedo’, do comercial do papel higiênico Neve, Tropeço, da família Addams, ou Alfred Pennyworth, do filme do Batman, saberiam explicar por que eles estão desaparecendo das casas de família. “Pode até ser bonito de se ver, mas confesso que acho ‘démodé’ ter mordomo num país tão miserável. Eu teria vergonha de ter copeiro fixo me servindo. Tem uns que usam até luva. Acho cafona usar luvas nesse país tropical”, acrescenta Tadeu, que na trama faz questão de ser chamado de copeiro pela patroa, Consuelo (Arlete Salles), mas acredita não ter muita diferença entre mordomo e copeiro.

O socialite Bruno Chateaubriand entra na discussão e defende que mordomo é coisa do passado: “Hoje em dia não tem mais, né? Mordomo ficou lá na série britânica ‘Downtown Abbey’. Essa figura realmente está só na televisão. Muitos serviços são terceirizados também. Não tem mais tanto aquela coisa da pessoa que vive com a família, sabe tudo dela, aquela figura que é meio discreta, meio indiscreta, sabe?”

Para Othon Bastos, que viveu o mordomo Silviano, o número é inexpressivo, mas ele acredita que ainda existam alguns espalhados pelo país. “Depende das posses e da tradição da família. Acho importante mantê-los, porque, além de tomarem conta de tudo que tem relação com a casa, ainda ajudam a educar as crianças com boas maneiras, como tratar os mais velhos”, disserta Othon, que confessa ter recebido orientação especial de Aguinaldo Silva para o papel: “Estava escrito em letras grandes na sinopse: ‘Não é gay’. Na TV, se faz mordomo mais afeminado. Mas isso não é a realidade. Na minissérie inglesa, por exemplo, o mordomo é de uma dignidade. Imagina se esses mordomos seriam um navio-escola para os meninos? Não mesmo.”

Acostumado a trabalhar com pessoas da alta sociedade, o mordomo Raimundo Mendonça, há mais de 20 anos na profissão, diz que o mercado está cada vez menor e menos qualificado. “É complicado, porque hoje as pessoas não sabem nada. Antigamente, as casas tinham regras, não se usava sandália de dedo, ninguém andava sem camisa, tinham que saber atender o telefone. O último mordomo que eu vi foi da Lily Marinho. Agora só tem copeiros, e são raros. Os que ainda trabalham fixos estão nas casas dos embaixadores, socialites e desembargadores”, esclarece Mendonça.

Os salários deles, que variam de R$ 2.500 a R$ 6.000, deixam o sonho de ter um mordomo cada vez mais longe. Mas Alexandre Salles, há mais de 20 anos no ramo, dá dicas para não fazer feio, com ou sem mordomo. “O arranjo de mesa não pode ser alto, porque as pessoas vão querer se olhar enquanto conversam. O talher deve ser usado de fora para dentro. Tem gente que usa o de sobremesa na hora da entrada, isso atrapalha muito a gente, que tem que lavar tudo e levar de novo para a mesa”, aponta Alexandre.

“Comer o enfeite do canapé, aquele tomatinho e a salsinha, e deixar o resto na bandeja é horrível. Mas, para mim, nada é pior que acender um cigarro sentado à mesa. Nós, mordomos, temos que ser neutros. A gente escuta muita fofoca, muita briga por causa de herança, mas somos os homens de confiança, não podemos comentar nada. Tem umas senhoras de idade que falam coisas picantes que são engraçadas. Aí eu vou até a copa para rir”, diverte-se.

Alexandre Salles%2C mordomo há 20 anosarquivo pessoal

Mordomo dá dicas para não fazer feio

1. Chegar no horário marcado. “Tem muita madame que adora chegar atrasada, isso prejudica o cronograma”.
2. Não levar buquê de flores para o encontro. “Isso é um erro. As flores devem ser enviadas antes. Receber na hora faz os mordomos pararem o que estão fazendo para procurar jarros adequados. Levar um chocolate fica mais elegante”.
3. Nunca acender cigarro em ambiente fechado. “Geralmente, pessoas com muito dinheiro que fazem isso, para mostrar que têm poder”.
4. Não usar roupas decotadas ou muito chamativas. “Não corra o risco de a vestimenta ser o foco dos comentários”.
5. Não encher o prato de comida. “Normalmente, as pessoas comem antes para não fazer feio na casa do anfitrião. Encher o prato ou comer várias vezes pode causar um certo constrangimento”.
6. Se sirva logo que o garçom chegar com a bandeja. “Tem madame que gosta de ficar de bate-papo e a gente fica ali em pé, sofrendo segurando uma bandeja superpesada”


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