Por karilayn.areias

Rio - Eles contam centavos, renegociam dívidas e tentam fazer as finanças pessoais voltarem à normalidade. Muitos servidores ativos, aposentados e pensionistas do estado ainda vivem em situação de penúria e tiveram que usar o dinheiro de atrasados pagos na semana passada para quitar pendências. São pessoas que mal receberam os salários de maio, junho e julho e já estão sem — ou quase — nada.

Katerine conseguiu renda com outra atividade fora do serviço público%3B porém%2C ela perdeu o trabalho e teve que se endividar e passou a contar com cestas básicas do Muspe Maíra Coelho / Agência O Dia

Para Katerine Figueiredo, 41 anos, auxiliar de serviços gerais da Faetec, as cestas básicas distribuídas pelo Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe) que ela recebeu em julho e este mês foram a ‘salvação’. “Garantiu as compras que faria e não precisei fazer”, contou ela, lamentando que os atrasados depositados pelo estado na última semana não foram suficientes para todas as despesas de agosto.

“Não paguei nenhuma conta de junho, que é cobrada em julho. Então, o dinheiro que entrou foi só para pagar juros e dívidas no banco”, relatou.

Katerine fez concurso e entrou no estado há 14 anos. A servidora contava com os rendimentos para cobrir as suas despesas e as do filho João Fábio, 6 anos. Mas quando no fim de 2015 o estado parcelou o 13º salário, ela logo percebeu a grave crise que estouraria e fez curso de cuidadora de idosos. Depois, conseguiu trabalho fixo com essa atividade.

“Foi o que me ajudou. E tive que tirar meu filho da Faetec, por conta do atraso do ano letivo. Consegui bolsa para ele em escola particular, mas gasto muito com condução e material escolar”, disse Katerine, que em junho perdeu o trabalho como cuidadora e acumulou contas.

Agora, o temor é em relação ao salário de agosto, que sequer há previsão de data de pagamento: “Se atrasar, vou usar cartão de crédito e me endividar de novo”.

CONSIGNADO ‘ESTOURANDO’

Na vida do técnico administrativo da Uerj Júlio César Mattos, 51, o impacto da crise financeira do estado foi ‘cruel’. Ele dependia (e ainda depende) do salário para pagar o financiamento feito pela Caixa Econômica para comprar a casa própria. E com os atrasos e parcelamentos dos vencimentos, ele buscou crédito consignado em outro banco. Em seguida, teve que renegociar esse mesmo empréstimo.

Júlio César lamentou ter se endividado mais por conta da crise do estado%3B ele disse que mesmo sem dinheiro foi trabalhar todos os dias na UerjMaíra Coelho / Agência O Dia

“Comprei (o apartamento) há seis anos. Estava pagando e fui surpreendido com a crise do estado. E eu já estava fazendo ajustes no imóvel, comprei móveis... então, eu tive que me endividar novamente. Peguei um consignado e depois refinanciar esse crédito para conseguir me sustentar e vou ter que pagar por oito anos”, relatou ele, reclamando que quando o estado paga os atrasados entram na conta sem correção monetária.

“Ainda tenho que pagar telefone, luz, condomínio... E você tenta colocar as cobranças mais para frente, mas não adianta pois o dinheiro (que chega com atraso) também não dá (para cobrir juros). Quem fica com o prejuízo somos nós. Na crise, mesmo sem dinheiro, não deixei de trabalhar um só dia”, lembra.

Ele contou que sua mãe também depende do estado: é pensionista do Hospital Pedro Ernesto (da Uerj). “Ela usou a poupança que meu pai deixou e eu tive ajuda de prima e amigos. E diante dessa situação, eles entenderam que ainda não dá para pagá-los. Vou esperar o 13º para quitar essas dívidas também”, lamentou.

Aposentada da Fundação para a Infância e Adolescência, Eunice Pires, 67, afirmou que nunca havia ficado no ‘vermelho’ antes da crise. Ela contou que as cestas básicas também a ajudaram a se manter, (além de amigos que lhe emprestaram dinheiro). Na última sexta, ela buscou doação em igreja em Bangu.

“Os créditos dos atrasados ajudaram a quitar algumas dívidas, mas não ficou tudo em dia, pois tivemos que acertar contas com juros. As coisas só vão melhorar quando os salários voltarem a ser pagos normalmente”, ressaltou. 

PARENTES E MUSPE AJUDAM

Aposentada da Educação, Maria Diana Passos, 74 anos, deu aula no estado por 31 anos. Ela disse que se não fosse a ajuda dos filhos não teria como garantir os remédios que toma diariamente. A servidora já teve um câncer na tireoide e, hoje, usa medicamentos para tratar disso e também para colesterol, pressão, entre outras doenças.

Eunice Pires foi buscar todo mês cestas doadas em ação do MuspeMaíra Coelho / Agência O Dia

“São remédios caros e a gente fica numa situação... Além disso, um dos meus filhos está pagando meu plano de saúde”, contou ela, que mudou hábitos desde que os salários começaram ser pagos com atraso. “A minha situação só não é pior pois tenho com quem contar. E quem não tem?”, indagou a aposentada.

Em meio à situação de caos nas finanças do Rio, o Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe) retomou, em julho, a campanha de arrecadação e doação de cestas básicas. Essa ação havia começado antes do Natal, em 2016. O estado depositou, na última semana, R$ 1,8 bilhão referente a maio, junho e julho para o funcionalismo. E a campanha de cestas do Muspe se encerrou na última sexta. No entanto, ainda haverá entrega de kits em alguns polos até acabarem os estoques de alimentos.

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