Rio - Sabe aquele lugar reservado para portadores de necessidade especiais? Pois é, nos trens da SuperVia qualquer pessoa senta nele e finge que está dormindo. E os cartazes que indicam os horários? Em algumas estações, quase é preciso decifrar hieróglifos para entender. Se, por baixo, os perigos são as 150 passagens clandestinas que dão acesso à ferrovia e a distância entre os vagões e a plataforma, por cima a preocupação é com a falta de cobertura para sol e chuva nas estações. Acesso para cadeirante? Nem pensar.
Para listar os muitos problemas enfrentados pelos passageiros, equipe do DIA convidou o professor de Engenharia de Transportes da Uerj Alexandre Rojas para fazer uma viagem da Central até Santa Cruz. Após mais de três horas de percurso (ida e volta), ficou claro o motivo da revolta dos usuários.
“Falta tudo por aqui! Não tem informação, não tem banheiro, não tem segurança, não tem conforto… Não é apenas uma questão do trem ser novo e ter ar-condicionado, é um problema muito mais sério. O pior é ver que tem coisas que poderiam ser feitas sem gastar muito”, diz o especialista em transportes.
O que se vê na Central é boa comunicação (painéis eletrônicos, alto-falantes, placas, etc), mas nem de longe isso é regra para as outras estações. Em São Cristóvão, o problema maior é a alta escadaria, inviável para portadores de necessidades especiais. “O ideal aqui seria que o acesso à estação fosse subterrâneo. Mas resolveria também se tivesse escada rolante ou elevador. Imagine subir a rampa da plataforma e depois ainda pegar este monte de escadas, enfrentando sol e chuva”, diz o especialista.
Na estação Engenho de Dentro tem banheiro, escada rolante e elevador. Mas é assustadora a falta de várias telhas de metal no teto. Outras ‘folhas’ são vistas totalmente soltas no alto da gigantesca estrutura de aço.
Um ambulante alerta sobre o risco:
“Se cai na cabeça, mata um, moço. Se pega num braço, decepa. Eles estão esperando morrer alguém”.
Ao chegar em Bangu, Rojas alerta: “Daqui em diante vira terra de ninguém. Pode tudo”.
E parece que pode mesmo. Pessoas caminham pela linha férrea, se esquivando dos trens e dos entulhos. Dentro dos vagões, o barulho é ensurdecedor. Como se não bastasse, ambulantes gritam todo tipo de promoções e produtos. Ninguém lê ou dorme.
SuperVia: R$ 150 milhões para melhoria de estações
A SuperVia informou que a infraestrutura ferroviária foi construída há mais de 150 anos e que está investindo R$ 150 milhões para reformar todas as estações. As obras incluem ampliação de cobertura, a recuperação dos pisos, nova comunicação visual, iluminação, pintura e itens de acessibilidade.
Ainda de acordo com a companhia, entre as 102 estações, apenas duas não contam com coberturas. O restante possui, em média, 44% da sua área coberta.
Sobre a distribuição dos trens com ar-condicionado, a concessionária ressaltou que todos os vagões obedecem a um planejamento prévio, sem distinção por ramais, para circulação diária.
Em nota, a SuperVia afirma que, desde o mês passado, as composições com ar-condicionado realizam 70% das viagens aos sábados e domingos.
Atualmente, a frota com esta condição é de 90 trens, quase a metade dos veículos em operação. A promessa é que, em dois anos, todos os trens serão refrigerados. Hoje, são 13 modelos de trens, com alturas e larguras distintas, provocando desnível com a plataforma. Até as intervenções definitivas, foram instalados borrachões para diminuir os vãos.
Conserto de telhado levará até dois meses
Sobre as telhas soltas na plataforma da estação Engenho de Dentro, a SuperVia contou que tem projeto para reparar toda a cobertura. Porém, cabe ao Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) autorizar qualquer tipo de intervenção no local, visto que a estação é tombada desde 2004. De acordo com a concessionária, o órgão foi imediatamente acionado.
“Assim que a execução dos reparos for autorizada, uma empresa especializada realizará o conserto da parte danificada. Serão feitas a troca de algumas das telhas, substituição de parte das madeiras de sustentação e recuperação das calhas. A previsão é que, a partir do início da obra, os reparos sejam concluídos em até 60 dias”, diz a nota.
Operações para reprimir ambulantes
Em relação aos ambulantes, a SuperVia contou que trabalha em parceria com apenas quatro empresas para vendas de produtos nos trens e estações. E que todas contam com vendedores cadastrados.
Em cumprimento ao artigo 40 do Regulamento de Transporte Ferroviário, que determina ser ‘proibida a negociação ou comercialização de produtos e serviços no interior dos trens, nas estações e instalações, exceto aqueles devidamente autorizados pela Administração Ferroviária’, a concessionária diz apoiar ações realizadas pela Polícia Militar para coibir a venda irregular de produtos.
Desde o início deste ano, foram retirados do sistema 9.077 camelôs e recolhidas 8.424 mercadorias irregulares. Os ambulantes que trabalham clandestinamente cometem crimes de sonegação fiscal e concorrência desleal.
‘Uma questão de educação’
A Lei 2.718, de 24 de abril de 1997, prevê que que 10% dos assentos dos trens sejam destinados a deficientes físicos, idosos, gestantes e mulheres acompanhadas de crianças até cinco anos de idade. A SuperVia diz cumprir esta exigência. Porém, reforça que ‘esta é uma questão de educação e cidadania, uma vez que os passageiros que não se enquadram ao uso dos assentos preferenciais não estão impedidos de usá-los’.
Para auxiliar na mudança de comportamento, a empresa afirma que ‘vem apostando em campanhas de comunicação que incentivam bons hábitos nas viagens e o respeito aos direitos do próximo’.