Por tamyres.matos

Rio - Principal nome na luta pela inclusão de jovens negros e carentes na sociedade brasileira, Frei David chorou de emoção quando o argentino Jorge Bergoglio escolheu se chamar Papa Francisco.

“É um nome que demonstra o compromisso dele com os pobres”, diz o frade franciscano, que nos últimos 20 anos, ajudou a colocar 40 mil estudantes no Ensino Superior, através da Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes). Defensor do sistema de cotas, ele tem esperança de que a vinda do Pontífice ao Brasil renove a Igreja, para que fique ao lado dos necessitados. “A Igreja tem que parar de servir em função do dinheiro que volta”, critica.

Frei David é defensor do sistema de cotasAndré Mourão / Agência O Dia

ODIA: Na sua avaliação, a passagem do Papa Francisco pelo Brasil terá impacto nos rumos do catolicismo?

FREI DAVID: – Sim. Esperamos que a Igreja reencontre seu caminho de servir ao povo. A Igreja tem sido omissa. Antes da chegada do Papa Francisco, as pastorais sociais (dos Pescadores, dos Negros, da Terra, das Crianças, dos Indígenas, dos Sem Terra, Operária, Carcerária etc) estavam na UTI. Nossa esperança é que a Igreja acorde e tire as pastorais da emergência. Estão quase todas desmontadas. Eram as grandes veias do Evangelho na América Latina, por onde circulava o sangue da Justiça, da solidariedade e da partilha.

O Pontífice pediu que os padres saiam das sacristias. A Igreja está muito acomodada?

Infelizmente sim. A realidade da Igreja no Brasil estava próxima do abismo. Sei que vários religiosos discordam da minha afirmação. No entanto, o despertar trazido pelo Papa é o sopro da nova energia de Deus na Igreja da América Latina. Para muitos, ser católico é ir à missa, fazer suas orações e distribuir cestas básicas. Sabemos que o fundamental é a solidariedade e o trabalho por um mundo melhor.

Por que a Igreja Católica vem perdendo tantos fiéis nas últimas décadas?

A perda de fiéis é causada por uma Igreja que parou no tempo. Não valorizou a inculturação na missa e demais sacramentos. Em uma sociedade onde 51,7% são afro-brasileiros, não faz sentido as paróquias não introduzirem elementos da cultura afro, como incentivo à evangelização. Cardeais, arcebispos, bispos, padres, freis, freiras e leigos em geral estavam cumprindo apenas o básico para o funcionamento das igrejas, sem entusiasmo de ir às ruas para motivar a alegria do ser cristão. Os padres querem paróquias que deem dinheiro, carro do ano, equipamentos eletrônicos e sonham chegar a cardeais. Os bispos insistem em se classificar como príncipes da Igreja, uma postura da Idade Média. Hoje ser bispo é ser servidor do servidor.

A presença do primeiro Papa latino-americano deve aumentar o rebanho católico?

Sim. Temos certeza de que vai aumentar por um fator muito simples. O povo latino é um povo afetivo, solidário. São valores afro-indígenas que contagiaram os imigrantes europeus, que chegaram à América Latina. Daí o sucesso do Papa, por ser latino-americano, viver a afetividade com o povo e destacar a solidariedade como caminho mais eficaz para se pregar o Evangelho.

O senhor acredita que Sua Santidade, com sua simplicidade, enfrentará resistência de religiosos acostumados à riqueza e ao conforto da Igreja?

Sim. Infelizmente cardeais, arcebispos, bispos, padres, freis e freiras estavam vivendo na cegueira da Idade Média, que era a Igreja do luxo e da ostentação. Tenho certeza de que ofendeu o coração do Papa o uso do livro luxuoso da palavra de Deus na missa de encerramento. Um resquício de uma Igreja que deve ser sepultada para nascer a verdadeira Igreja de Cristo. Religiosos que ostentarem casas e carros de luxo serão vistos como pessoas afastadas do Evangelho. Infelizmente, religiosos antigos e novos ainda estão na Idade Média.

O Papa ordenou que os religiosos partam para as periferias. Essa postura pode ser vista como uma tentativa de diminuir a presença dos evangélicos nas favelas?

Não vejo desta forma. O Papa vê os bons evangélicos como uma maneira alternativa e positiva de levar Jesus às periferias. Os maus evangélicos confundem suas igrejas com agências bancárias, caça-níquel, cujo objetivo número um é captar recursos dos pobres vendendo milagres. Portanto, o Papa Francisco não está preocupado com o ‘fazer’ dos bons evangélicos, está preocupado com o ‘não fazer’ dos católicos. Em São Paulo, há imigrantes bolivianos pobres, para quem a presença da Igreja é tímida, quase ausente. Já os japoneses, que têm dinheiro, são bem assistidos pela Igreja Católica. A Igreja tem que parar de servir em função do dinheiro que volta. Quanto mais pobre, melhor deve ser o serviço. O Papa pediu que os bispos coloquem seus melhores padres nas periferias, nas favelas, e não o contrário.

O senhor sempre defendeu cotas para negros nas universidades. Na Igreja também não vemos muitos padres ou sacerdotes negros. As cotas seriam uma solução nesse caso?

Não. A solução é rediscutir a dedicação da pastoral vocacional. Os padres gastam 90% do tempo nas paróquias dos bairros de classe média, de maioria branca. Seminaristas negros saem de suas casas, sozinhos, para bater na porta dos seminários. Alguns são rejeitados. Pedimos à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que assuma, em 2018, como tema da Campanha da Fraternidade “a questão do negro”, celebrando os 30 anos da Campanha de 1988.

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