Rio - Um incêndio dentro do prédio ocupado por famílias no Flamengo, na Zona Sul, iniciou um tumulto com correria e uso da força e de spray de pimenta por parte de PMs durante a reintegração de posse do imóvel que pertence ao Clube de Regatas do Flamengo e ao grupo EBX, de Eike Batista, na manhã desta terça-feira. Dois homens foram detidos na confusão.
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Após negociação, as pessoas deixavam o prédio, quando começou um incêndio na varanda do primeiro andar. O Batalhão de Policiamento em Grandes Eventos (BPGE) forçou a entrada no prédio, de forma truculenta, dando início a confusão. Houve empurra-empurra e foram lançados pelos policiais spray de pimenta para a dispersão das pessoas que se amontoaram ao redor da entrada do prédio. Um dos policiais que comandavam a ação, indignado, cobrava a autoria de quem havia jogado o gás nos ocupantes e um agente acabou preso. Bombeiros combateram as chamas no local.
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Durante a negociação ficou decidido que as pessoas que ocupam o prédio seriam levadas para um abrigo em Santa Cruz, na Zona Oeste, onde foram disponibilizadas 130 vagas pela prefeitura. Mas alguns ainda estudavam a possibilidade de fazer vigília na porta da prefeitura, onde há uma reunião marcada nesta quarta-feira, às 14h, na Secretaria Municipal de Assistência Social.
Indignado, Sandro Souza, o pai da criança que nasceu dentro de um banheiro do prédio, responsabilizou a polícia por causa do nascimento prematuro de seu filho. "A noite, de ontem para hoje, meu filho nasceu com cinco meses de gestação. Está lá entre a vida e a morte. Tem que remover ladrão, traficante, não movimentação de quem quer morar. A gente só quer nosso direito. Meu filho nasceu dentro de um vaso sanitário, por causa de um filho da p... que ameaçou bater na minha mulher grávida", desabafou.
O comandante do 2º BPM (Botafogo), tenente-coronel Gilberto Tenreiro, disse que a PM só agiu porque houve o foco de incêndio. "Não houve atitude enérgica nenhuma, a polícia só liberou a entrada do Corpo de Bombeiros para apagar o incêndio. As pessoas saíram com a Defensoria Pública de forma pacífica, ninguém foi retirado do prédio.
?'Estado deve tratar como questão social e não policial', diz representante da OAB-RJ
?O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), advogado Marcelo Chalreo, criticou a postura do estado diante do caso das famílias que ocuparam o prédio que pertence ao Clube de Regatas do Flamengo e ao grupo EBX, de Eike Batista. A reintegração de posse começou na manhã desta terça-feira e o representante da OAB atua junto com a Defensoria Pública do Rio para tentar suspender a decisão da Justiça.
"Estamos juntos para tentar alternativas para a suspensão da reintegração. Não estamos encontrando apoio do estado do Rio que devia tratar esse problema como questão social e não policial", disse.
Segundo Chalreo, muitos ocupantes do prédio são pessoas que foram prejudicadas por interdições da prefeitura e, sem amparo do estado, estão sem moradia. "Muitas pessoas são de locais, inclusive, que foram interditados pela prefeitura por conta das chuvas que aconteceram nos últimos anos. Os programas habitacionais não estão contemplando essas pessoas."
O representante da OAB ressaltou que retirá-los do imóvel não vai resolver a questão de moradia na cidade. "Devolver o imóvel ao proprietário retirar essas pessoas só vai transferir o problema. As condições de habitabilidade do prédio não precárias. Ninguém está aqui porque quer, mas porque precisam", disse.
Nesta manhã, se juntaram ao 2º BPM (Botafogo) o Batalhão de Policiamento em Grandes Eventos (BPGE), que estão equipados e enfileirados em frente ao prédio. Agentes da Guarda Municipal também estão no local e a Avenida Rui Barbosa foi fechada. Nesta manhã, um homem foi atendido pelo Corpo de Bombeiros após cortar o pé e precisou ser carregado.
Mulher dá à luz a bebê em banheiro do prédio
Na noite de ontem, houve tumulto no local durante o cerco e uma grávida deu à luz a um bebê prematuro dentro de um banheiro do prédio. Outras duas pessoas foram encaminhadas para a UPA de Botafogo.
O princípio de tumulto começou após mais policiais chegarem para ocupar os arredores do prédio. A grávida, que estava com seis meses de gestação, passou mal e entrou em trabalho de parto. Segundo testemunhas, o bebê chegou a cair dentro do vaso sanitário. Da UPA, Fernanda Aldeir da Silva Pessoa, de 34 anos, e a criança foram levadas para o Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea. Este é o quinto filho de Fernanda.
Outras duas pessoas foram levadas para a Unidade de Pronto Atendimento: uma delas teve um ataque epilético e uma mulher caiu e bateu com a testa no chão.
Defensoria Pública corre contra o tempo
A efetiva reintegração de posse começou após a chegada ao local de um oficial de Justiça com o documento que solicitava a ação. Com isso, a Defensoria Pública do Rio corre contra o tempo para tentar impedir que as famílias deixem o local. Eles negociam com os oficiais de Justiça que estão no local para que a ordem de reintegração de posse só seja cumprida após o pedido de agravo seja apreciado pela Justiça. Entre os pedidos estão para que as famílias fiquem mais tempo no prédio para que a prefeitura consiga realocar as pessoas em outro lugar ou pelo menos realizem o cadastro delas.
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"Não justifica transformar o problema de moradia em caso de Justiça. Queremos criar o ambiente para que a saída seja digna e sadia", disse o defensor João Helvécio.
O recurso que a Defensoria Pública entrou contra a reintegração de posse ainda não foi apreciado. O órgão recorreu a uma medida cautelar para agilizar a apreciação do agravo, mas a mesma não foi aceita pelo plantão judiciário durante a madrugada. O Tribunal de Justiça só começa a funcionar às 11h, quando a Defensoria vai tentar que o recurso seja examinado.
Das cerca de 300 pessoas que ocupam o prédio do Clube de Regatas do Flamengo e do grupo de Eike Batista, há três bebês e de 15 a 20 crianças.