Rio - A decisão da Assembleia Legislativa (Alerj) de derrubar o veto do governador Luiz Fernando Pezão ao projeto de lei que dá liberdade de um cidadão recusar prestar serviços e atendimentos por questões religiosas e éticas abriu discussão sobre quais são os limites dessa prática. Para feministas ouvidas por O DIA, a proposta pode dificultar a realização de abortos — respaldados pela lei, como no caso das vítimas de estupro —, já que um médico pode se negar a fazer o procedimento por convicção moral, por exemplo.
A derrubada do veto, por 48 votos a favor contra cinco, foi publicada na coluna Informe do Dia, nesta quarta-feira. O projeto fala do direito à objeção de consciência — recusa em obedecer a uma norma sob alegação de ferir posicionamentos éticos e morais.
“Fico abalada, porque, nos casos previstos na lei (risco de vida da mãe, estupro e feto anencéfalo), não compreendo como alguém que pratique a Medicina e, se dedique a salvar vidas, possa considerar isso errado e queira sujeitar mulheres a uma gravidez nessas condições”, defendeu a escritora e jornalista Nana Queiroz, 29 anos, fundadora do Movimento ‘Não Mereço Ser Estuprada’.
Para a professora de Sociologia, Heloísa Santos, 31 anos, a lei é um retrocesso e preocupa porque reflete o pensamento conservador das ruas. “A gente está num contexto que não avança na ampliação de direitos. Pelo contrário, retrocede. Fora a questão do Estado laico, que, na verdade, não se mostra como tal”, afirmou a feminista.
O presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), Pablo Vazquez, afirmou que, apesar da instituição não ter relato de caso concreto de médico que teve conflito religioso durante o exercício da profissão, o assunto é cada vez mais discutido nas reuniões. “Essa questão tem ganhado mais espaço porque temos colegas que se sentem impedidos do ponto de vista religioso em realizar alguns procedimentos”, afirmou ele, que citou o Código de Ética Médica, que garante ao profissional exercer a “ Medicina sem ser discriminado por questões de religião (...)”.
Nos EUA, a aprovação de uma lei, em Indiana, tem provocado reações de militantes de Direitos Humanos. A legislação permite que comerciantes e prestadores de serviços se recusem a atender clientes gays, por exemplo, por uma questão de seguir os preceitos religiosos.
Em nome de Deus: deputado defende cláusula de consciência
Um dos ‘pais’ do projeto de lei, o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) nega a possibilidade de a legislação, se em vigor, abrir brechas para práticas discriminatórias.
Isso porque, segundo o parlamentar, o artigo 2º da proposta garante que a recusa da prestação de serviço ou atendimento não pode violar os direitos individuais e coletivos das pessoas. “Se uma mulher entra com sangramento em uma emergência e só tem um médico, não tem conversa (sobre posicionamento religioso). Ele tem que fazer o procedimento de curetagem. Mas, se existem outros, eles podem assumir o atendimento”, explicou Luiz Paulo, que assina o projeto com o ex-deputado Ricardo Abrão ( PDT)
O deputado tucano afirmou que a lei tem o objetivo de respeitar as convicções ideológicas e religiosas. “Imagina um umbandista, gari da Comlurb, receber uma ordem para pegar todas as oferendas (de um local) e jogar num aterro sanitário? Não precisa disso. Essa pessoa pode ser remanejada para outra atividade”, disse Luiz Paulo, que alega que o projeto não surgiu de pedido de grupo religioso.
Pezão avalia como vai agir
O governo do estado informou ontem que ainda não decidiu se vai tentar derrubar a lei que permite que servidores se neguem a cumprir a legislação por opções religiosas.
“Motivos filosóficos, étnicos, morais e religiosos, apesar de merecedores de respeito (...), não podem levar a uma extensão tão significativa da garantia individual de recusa à autoadequação aos comandos estatais”, afirmou o governador Luiz Fernando Pezão, no despacho de janeiro em que vetou o projeto, alegando que cabe à Constituição estabelece os direitos civil e comercial.