Rio - A falta de registros dos casos suspeitos de zika e de clareza nos diagnósticos têm feito com que milhares de brasileiros não consigam confirmar se de fato foram infectados pelo vírus. Como em um iceberg, em que a maior parte não é visível, 90% das ocorrências são encobertas pela desinformação e pela falta de testes rápidos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê 4 milhões de casos nas Américas, incluindo 1,5 milhão só no Brasil. O país não sabe ao certo quantas pessoas tiveram a doença no último ano, pois só agora o Ministério da Saúde tornou obrigatória a notificação. Nesta quinta-feira, o Papa entrou na luta contra a enfermidade, defendendo, pela primeira vez, o uso de contraceptivos por mulheres devido ao risco de microcefalia.
No Brasil, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, disse que o registro passará a ser semanal e em até 24 horas nos casos de gestantes. Para o chefe do serviço de infectologia pediátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edimilson Migowski, a subnotificação do Zika vírus é uma realidade preocupante.
Ele estima que apenas 10% das enfermidades são comunicadas. Para o infectologista, o ideal é que houvesse 100% de adesão por partes dos serviços públicos e privados de saúde. “A subnotificação é algo ruim e atrapalha os investimentos, já que você não sabe o real impacto dessas doenças na economia e na vida de pessoas”, alerta o especialista.Outra dificuldade é que, em média, apenas 20% das pessoas com zika manifestam sintomas.
A jornalista Cristina Sacramento, 33, é uma das que sentiram os efeitos da doença no corpo. Em junho, ela estava grávida de quatro meses, quando viajou para a Bahia. Lá, teve exantemas (manchas vermelhas) pelo corpo. “Achei que era crise de rinite, tomei antialérgico e nada”, conta ela que também teve febre e dores. “Fui ao hospital, o médico medicou e me mandou para casa, disse que não tinha como fazer exames ali”, relembra. Meses depois ela foi surpreendida pela suspeita de que seu filho poderia ter microcefalia. “Ainda bem que foi só um susto, meu filho nasceu saudável”, diz aliviada.
Se já houvesse a notificação compulsória, a família Albuquerque estaria nas estatísticas. O relações públicas Ricardo Albuquerque, 49, ficou apreensivo, com medo de ter pego zika junto com a esposa, Rosa, 36, e o filho Octávio, de 1 ano e três meses. “O pediatra do meu filho o diagnosticou com zika e passou o tratamento para ele. Minha esposa e eu nos cuidamos em casa”, diz. S
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, apenas gestantes fazem exames laboratoriais, e, mesmo assim, somente as que estão na fase aguda da doença. Segundo o infectologista Alberto Chebabo, do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, casos tratados em clínicas particulares geralmente não são notificados. “Realmente temos subnotificação. A pesquisa epidemiológica acaba não tendo dados suficientes para a real incidência da doença no país”, afirma Chebabo.
Cientistas da UFRJ decifram ‘identidade’ do vírus Zika
Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fizeram o mapeamento genético completo do vírus Zika e detectaram que ele é idêntico a outro que circulou na Polinésia Francesa, em 2003, onde foram registrados, pelo menos, 17 casos de microcefalia naquela região. A descoberta reforça as evidências de que o agente infeccioso é o principal responsável pelo aumento dos casos da doença. O estudo foi feito com um vírus encontrado no líquido amniótico de grávidas de Campina Grande, na Paraíba. Esse é o primeiro sequenciamento de DNA (a identidade do vírus). O estudo, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Professor Joaquim Amorim Neto, na Paraíba, associou o vírus a outro que causa a encefalite japonesa, que já tem vacina. O resultado abre novas linhas de pesquisa para combater a doença.
Nesta quinta-feirs, a Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que o Brasil tem cinco casos da síndrome de Guillain-Barré por dia. A síndrome também é transmitida pelo Zika vírus. Um aumento de 19%, entre janeiro e novembro de 2015. Nesse período foram registrados 1.708 casos da doença. O País é o mais afetado pela zika no mundo.
Papa aprova o uso de contraceptivos
Apesar de aceitar o uso de contraceptivo em meio à epidemia de Zika, o Papa Francisco se manteve contrário à interrupção da gravidez, ao afirmar que “o aborto não é um mal menor: é um crime. É eliminar um para salvar o outro. É o que faz a máfia”. O pontífice lembrou que o próprio papa Paulo VI permitiu que as freiras usassem anticoncepcionais, quando foram violentadas, na guerra do Congo belga, na África.O papa acrescentou que em casos extremos “evitar a gravidez não é um mal absoluto”.
Além de fazer sexo de forma segura, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselha a abstinência sexual, por pelo menos quatro semanas, para todos os homens e mulheres _ e não somente grávidas — que estejam em regiões onde há transmissão do Zika vírus. Os cuidados fazem parte do guia, lançado pelo órgão, sobre prevenção da possível transmissão sexual da doença.
A organização acredita que só desta forma será possível enfrentar uma situação, que considera uma emergência de saúde de alcance internacional.
Colaborou a estagiária Julianna Prado