Por gabriela.mattos

Brasília - Se você está se preparando para o lançamento no Brasil do Pokémon GO — especula-se que seja no próximo domingo —, saiba que o jogo exige muito mais que um aparelho robusto, baterias reservas e sola de sapato. Está no Termo de Serviço do aplicativo — aquele textão que ninguém lê e diz que aceita: a mais nova febre mundo afora pode mandar tudo o que você digita, capta e fotografa, incluindo sua casa, para a CIA e a NSA — aquela do escândalo da arapongagem.

No contrato, a empresa afirma que coopera com agências governamentais e com companhias privadas, e que as informações coletadas no jogo podem ser fornecidas. “Os pais de crianças com menos de 13 anos entendem e concordam que podemos prover informações coletadas pelos serviços”, diz o regulamento.

Contudo, isso não é novidade. Aplicativos, apesar de serem oferecidos gratuitamente aos usuários, têm custos com os quais precisam arcar. “Eles vivem de anúncios ou da venda de dados para agências e empresas”, explica o especialista em segurança da informação Reinaldo de Medeiros, da Contacta.

Quem conseguiu instalar o app no Brasil%2C via fontes secundárias%2C nada vê no mapa a não ser seu avatarDivulgação

A diferença, no caso do Pokémon GO, envolve dois lados da mesma moeda — o acesso à câmera do celular dentro do apartamento do usuário. O fundador do jogo, John Hanke, também criou a Keyhole, comprada pelo Google e responsável pelo mapeamento de superfícies que deu origem a Google Maps, Google Earth e Street View. E a Keyhole foi patrocinada por empresa criada pela CIA, o serviço de inteligência dos Estados Unidos. Nos últimos dias, a suposta teoria da conspiração envolvendo o fornecimento de dados gerou milhares de compartilhamentos.

Tudo está acessível

Isso porque, ao permitir a instalação do jogo, a pessoa libera o acesso do app à localização via GPS, à câmera, ao microfone e até o USB do aparelho, e, quando a diversão começa, os três primeiros bichinhos aparecem logo de cara em locais próximos. Com isso, o jogador aponta a câmera na própria casa — informação que, cruzada com o GPS e outros dados, levaria as empresas do “topo da conspiração” a ter um mapeamento não só de ruas, como também de dentro de residências.

O jogo usa os conceitos de realidade aumentada para fazer com que o usuário saia por aí atrás de pokémons. A Niantic estabelece pontos, ou ‘spots’ — uma banca de jornal, uma estátua, um grafite num muro — onde há monstrinhos ou acessórios, como as pokébolas necessárias para capturá-los. A brincadeira não se resume à caça. O ‘treinador’ é obrigado a aderir a um dos três times disponíveis e, em ‘ginásios’ (também spots’) travam batalhas para pegar o pokémon alheio.

Jogador tem de avaliar os riscos

Advogado especialista em Direito Digital, Márcio Mello Chaves, do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados, comenta que, em 1995, a União Europeia já estava discutindo a importância da liberdade na rede e da privacidade de dados. Ele vê o Pokémon GO e a exposição de práticas aplicadas por outros apps como um avanço no debate. “As pessoas têm que se preocupar porque seus dados são expostos e vendidos”, aponta Chaves, que defende melhora no texto dos termos contratuais. “Precisam deixar mais claros os termos. Cabe ao usuário avaliar condições e saber riscos.”

A única possibilidade de o Pokémon GO sofrer restrições no país, explica Chaves, seria caso não houvesse exposição explícita do contrato. Se a Justiça brasileira solicitar informação e a empresa se recusar a fornecê-la, o jogo pode ser bloqueado, como foi com o WhatsApp.

Projeto de lei está parado no Congresso Nacional

No Brasil, o debate acerca do tratamento de dados pessoais ainda é escasso, opinam especialistas. O Marco Civil da Internet, defendem, é grande avanço em relação à proteção da privacidade, mas não há lei que trate especificamente do uso que as empresas podem fazer dos dados.

No Congresso, existe projeto de lei de autoria do poder executivo quando Dilma ainda exercia seu mandato, que “possui artigos muito mais específicos e abrangentes no que se diz da proteção dos dados pessoais em geral”, comenta a pesquisadora Bruna Castanheira, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. O texto, que estava em estado de urgência e deveria ser votado até o fim deste mês, não está mais — e não tem previsão de votação.

Reportagem de Eduardo Pierre e do estagiário Caio Sartori

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