O movimento de compra das vacinas tem como um dos coordenadores o advogado Fábio Spina, diretor jurídico da Gerdau, que tem trabalhado nas negociações dos imunizantes como voluntário. Spina confirmou que as conversas continuam. "A intenção (da coalizão) é gerar volumes adicionais de vacinas que, de outra forma, não estariam disponíveis para o Brasil", disse. "As empresas estão preocupadas com a questão humanitária e com o pleno retorno da atividade econômica."
Outro líder do movimento Coalizão Indústria, o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Lopes, reafirmou que as negociações estão em curso. Ele destacou que a operação ocorre com o aval do governo federal. "Desde o início da pandemia, a indústria está ajudando a salvar vidas. E estamos num esforço para trazer essas 33 milhões de doses", diz. Lopes ressaltou ainda que o investimento para comprar o lote seria de cerca de R$ 4,4 bilhões.
Para o presidente do Secovi-SP, Basílio Jafet, a iniciativa, caso obtenha sucesso, é válida e poderá ajudar a "preencher lacunas" deixadas pelo governo federal tanto na compra quanto na distribuição das vacinas. Ele acredita que, caso a coalizão tenha acesso aos imunizantes, as empresas do setor da construção civil deverão adquirir doses para seus colaboradores.
Em nota, porém, a AstraZeneca afirmou: "Todas as doses da vacina estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, (...) não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado". No mesmo comunicado, a companhia disse: "Como parte do nosso acordo com a Fiocruz, mais de 100 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca (AZD1222) estarão disponíveis no Brasil, em parceria com o governo federal."
Após a negativa da AstraZeneca, o grupo de empresários esclareceu negociação de vacinas seria, na realidade, com fundos de investimento, como o Blackrock, que deteriam uma cota de imunizantes por serem acionistas do laboratório. Procurado, o Blackrock negou a informação.
Entraves
Uma fonte do setor jurídico especializada em ciências da saúde diz que há vários entraves à importação de imunizantes pelo setor privado. Além de questões regulatórias - como o fato de o preço de produtos farmacêuticos ser monitorado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) -, há a questão do volume disponível de imunizantes. "Outros governos se comprometeram a comprar as vacinas antes ainda dos testes, dividindo o risco com as farmacêuticas. Não foi o que aconteceu no Brasil, que, de concreto, tem a Coronavac, do Butantan", disse.
O movimento das empresas, iniciado na semana passada, visa a agilizar a vacinação contra a covid-19 no País. A proposta que circulou em grupos de WhatsApp de empresários desde sexta-feira previa a compra de um mínimo de 11 milhões de doses (de um total de até 33 milhões), por US$ 23,79 a unidade. O valor está muito acima do pago pelo governo, no primeiro lote recebido da Índia, de pouco mais de US$ 5 a unidade. Uma fonte próxima à negociação diz que o valor da vacina pode baixar um pouco, para cerca de US$ 20 por dose.
Nem todo o setor produtivo embarcou na ideia da Coalizão Indústria, que prevê o uso de 50% dos imunizantes para vacinar funcionários das empresas, com a doação da outra metade ao Sistema Único de Saúde (SUS). Grandes empresas acreditavam, porém, que todo o lote deveria ser destinado ao sistema público
Apoio do Planalto
Nesta terça, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a possibilidade de empresas comprarem vacinas contra covid-19 para vacinarem seus funcionários e repassarem parte das doses ao sistema público. "O governo é favorável a esse grupo de empresários trazer vacina a custo zero pro governo", afirmou Bolsonaro, durante evento virtual organizado pelo banco Credit Suisse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também elogiou a movimentação dos empresários.
A posição do presidente significa uma mudança de postura do governo em relação ao tema. Em reunião realizada há menos de duas semanas com os ministérios da Saúde, da Casa Civil e das Comunicações, empresas foram informadas de que o governo realizaria toda a imunização e de que não haveria necessidade de ajuda de empresários. À época, o governo disse que teria doses suficientes para vacinar a população e que a compra por empresas seria proibida.
A compra das vacinas pela iniciativa privada, e não pelo governo, levantou questionamentos entre parte do empresariado se a medida não representaria "furar a fila" de vacinação no País. Por enquanto, apenas grupos prioritários, como idosos e profissionais da saúde receberam doses do imunizante. Foi justamente esse ponto da proposta de compra de vacina por empresas que fez grandes empresas "saltarem do barco" no que se refere ao assunto.