O desembargador Paulo Afonso Brum Vaz atendeu pedido da AGU, considerando que, em um momento de crise sanitária generalizada, atender prioritariamente os pacientes catarinenses provocaria desequilíbrio entre os estadosSilvio Avila/Divulgação HCPA
Por Fernando Faria
Publicado 07/03/2021 09:00
O Brasil mergulha na fase mais dramática da pandemia. A covid-19, que já devastou Manaus e levou a rede de saúde a entrar em colapso, até com falta de oxigênio, intensifica-se em várias regiões, algumas já de forma avassaladora, com novas variantes. Não há dúvida de que os próximos meses serão duros, de dor e sofrimento. O número de mortos em 24 horas se aproxima da casa dos 2 mil, e a tendência é que siga nessa dramática progressão. Médicos fazem alerta, imploram para que as pessoas evitem aglomerações, usem máscaras e só saiam de casa quando absolutamente necessário.
Infectologista e diretor da Divisão Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, Alberto Chebabo traça um quadro preocupante: "A epidemia está em expansão em vários estados ao mesmo tempo, alguns já com lotações máximas das UTIs e isso deve aumentar nas próximas semanas". Em relação ao Rio, ele vê um um momento um pouco diferente: "Houve um segundo aumento de casos antecipado em relação ao resto do país, com exceção do Amazonas, e agora a gente tem mais tranquilidade. Obviamente, que a gente está cercado de estados que sofrem com esse impacto. Precisamos ficar atentos em relação às variantes e pode até haver uma piora. É preciso ficar muito atento. Os estados em volta têm casos em expansão". Além disso, lembra que os meses de abril, maio e junho já costumam registrar um aumento de problemas respiratórios.
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Professor de doenças infecciosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Edimilson Migowski avalia que o trabalho das secretarias de Saúde do município e do estado vem sendo conduzido de forma correta: "O Rio de Janeiro, dependendo do alinhamento que venha a ser dado, está no caminho mais apropriado do que anteriormente. Acho que os secretários estão mais alinhados e engajados em reduzir realmente o impacto da covid-19". O surgimento de novas cepas é uma preocupação: "Essa probabilidade é tanto maior quanto maior for a circulação do vírus da cepa original. Então, conforme esse vírus vai se replicando em centenas, milhares, milhões de pessoas, a tendência realmente é surgir uma cepa mutante, que pode ser mais virulenta ou mais agressiva. Em geral, perde em agressividade e ganha em transmissibilidade", acrescenta Migowski.
Chebabo afirma que a explosão do número de casos é provocada por uma série de fatores: "As variantes têm um papel muito importante pelo poder de transmissão maior. Mas não são responsáveis pelo caos em Manaus e em outras cidades. Não é resultado de uma única situação. Aglomerações, falta de máscaras e distanciamento, festas e reuniões, inclusive familiares, tudo contribuiu. As variantes entram como um fator facilitador porque aumentam a disseminação de forma muito rápida. E ainda há o risco de reinfecção. Há casos que são mais graves, como se fosse uma nova doença".
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Em relação a novo lockdown, Chebabo avalia: "É uma medida extrema, de urgência, que deve ser aplicada em momentos de risco de colapso na rede de saúde. É para achatar a curva, dando fôlego à rede. Mas não pode ser utilizada como medida única. O fundamental mesmo é ter a população vacinada". Já Migowski acha que o lockdown não traz resultados tão significativos: "Uma vez que os estabelecimentos regularizados, como restaurantes e bares, fiscalizados pelo poder público, são fechados, a tendência é que a população migre para lugares não fiscalizados. Então, você vai ver os bares da comunidade enchendo, as ruas da comunidade enchendo e, na verdade, ninguém vai fechar um bar lá dentro".
Na opinião de Chebabo, se o Rio mantiver a vigilância e esses níveis da doença até abril e maio, é possível vencer esse período de tanta incerteza: "Até lá,já deveremos ter avançado na vacinação da população de maior risco (idosos, pessoas com comorbidades). Aí teremos uma grande chance de ter um período de mais tranquilidade".
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Colapso no Rio Grande do Sul
Cenário de guerra em Salvador
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'A situação é incerta e dramática'
Salvador encarou a pandemia inicialmente com muito rigor. Desde 18 de março de 2020, quando foi decretado o primeiro plano de restrições, até o início de julho, as pessoas obedeceram o isolamento social e o fechamento rigoroso do comércio, com restrições de horário inclusive para mercados. Vendo as notícias na TV, ficava preocupado com familiares no Rio, mas me sentia em completa segurança na capital baiana.
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A Bahia tinha uma das menores taxas de infecção e de mortes registradas no país. Mas, aos poucos, as medidas foram sendo afrouxadas. Quando a cidade foi abaixo dos 60% na ocupação das UTIs, a vida praticamente voltou ao normal, o que foi um erro grosseiro, pois ainda não havia um plano de vacinação. Durante o período eleitoral, os políticos cederam às pressões de comerciantes. De outubro para cá, bares lotados, praias apinhadas de banhistas e com as pessoas desrespeitando as regras básicas. Máscaras eram raras de serem vistas durante um passeio no calçadão da Barra, um dos pontos mais movimentados da cidade.
Nos bairros mais afastados da região central, os bailes de paredão, chamados assim por causa da muralha formada pelas gigantescas caixas de som, rolavam soltos no meio da rua. Não raramente a festa acabava em conflito após a chegada da polícia. O que acontece em Salvador é o mesmo que ocorre em praticamente todo o país. Estamos pagando pelas festas, aglomerações e desrespeito absoluto à vida que ocorreram entre o fim de 2020 e o início de 2021. A situação é incerta e dramática.
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*Depoimento de Flávio Almeida, jornalista, morador de Salvador
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