Representante brasileiro da empresa Davati Medical Supply, Cristiano Alberto Carvalho, na CPI da Covid, 15Pedro França/Agência Senado
Publicado 15/07/2021 18:40 | Atualizado 15/07/2021 19:04
Brasília - Na sessão da CPI desta quinta-feira, 15, o representante da Davati Medical Supply no Brasil, Cristiano Carvalho, citou uma série de nomes que estiveram presentes em tratativas para a negociação de compra das vacinas da Astrazeneca e da Janssen. Dentre esses nomes estão ao menos oito autoridades, dentre elas, seis militares do Ministério da Saúde, além de uma ONG bolsonarista comandada por um coronel sem cargo no governo federal.
A empresa americana ofereceu ao ministério lotes com milhões de vacinas da Astrazeneca e da Janssen. Mesmo sem a Davati ter apresentado comprovações de que esses lotes realmente existiam, as negociações seguiram adiante. É importante salientar que os dois laboratórios já negaram que trabalhem com intermediários para a compra de vacinas.
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Na sessão desta quinta-feira, Carvalho confirmou as reuniões e cobranças feitas por oito autoridades ligadas à pasta, como o ex-número dois da pasta, Elcio Franco, no cargo de secretário-executivo do Ministério da Saúde e coronel da reserva do Exército.
Carvalho, afirmou que, no dia 12 de março, ele e o policial militar Luiz Paulo Dominguetti participaram de reunião no Ministério da Saúde, que foi intermediada pelo reverendo Amilton Gomes, da Secretaria de Assuntos Humanitários (Senah), uma instituição privada, e pelo coronel Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil. Ambos não possuem cargo público.
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Segundo ele, a reunião no ministério teve os nomes também de Cleverson Boechat, coronel da reserva do Exército e coordenador-geral de Planejamento do Ministério da Saúde, Marcelo Pires, coronel da reserva do Exército e ex-coordenador do Plano Nacional de Operacionalização das Vacinas contra a Covid-19, além de Elcio. 
De acordo com Carvalho, alguns dias depois, o dono da Davati, Herman Cárdenas, teria enviado uma comunicação oficial para Élcio para oferecer doses de vacina da Janssen no lugar da vacina da Astrazeneca, pois ele afirmou que o produto era mais barato e poderia ser administrado em dose única.
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Carvalho também citou o tenente-coronel da reserva e ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Marcelo Blanco. De acordo com ele, Blanco e Helcio Bruno (do Instituto Força Brasil) eram os principais interessados no avanço das negociações.
"Percebi que eles não conheciam de comércio exterior, o que surpreendeu, inclusive. Fiquei pensando como estavam negociando vacinas com os fabricantes se não tinham as informações básicas", afirmou.
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No início deste mês, o policial militar Dominghetti, que também se apresenta como representante da Davati, afirmou que recebeu uma cobrança de propina, de US$ 1 por dose, com Roberto Ferreira Dias, sargento reformado da Aeronáutica e ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, para a compra de 400 milhões de vacinas da Astrazeneca.
ONG bolsonarista investigada na CPMI das Fake News
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Citado por Carvalho como organizador do seu contato com o Ministério da Saúde, o Instituto Força Brasil (IFB) já era investigado pela CPI Mista das Fake News, que está suspensa no Congresso Nacional.
O IFB é descrito como "uma ONG" por Carvalho. Mas em sua página oficial, o instituto se apresenta como uma organização "que se propõe a fazer frente à hegemonia da esquerda" e "fortalecer os movimentos ativistas conservadores". Carvalho se reuniu na sede do instituto com o seu presidente, o tenente-coronel Hélcio Bruno de Almeida, que pertenceu às Forças Especiais do Exército e atualmente está na reserva.
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Elcio Franco aparece em uma série de denúncias
Senadores destacaram o nome do ex-secretário-executivo Elcio Franco como ponto em comum nas denúncias de corrupção dentro do Ministério da Saúde e salientaram o fato de que hoje ele trabalha dentro do Palácio do Planalto, como assessor especial da Casa Civil.
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As observações foram feitas depois que o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo do Senado, disse que os diálogos entre servidores do ministério e vendedores da Davati causam "desconforto", mas não apontam para corrupção generalizada dentro do governo federal.
O presidente, Omar Aziz (PSD-MA), e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), falaram do papel de Franco no atraso das negociações com a Pfizer e o Instituto Butantan. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lembrou que Franco "ainda fala pelo governo" e foi escalado para rebater as denúncias de prevaricação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) feitas pelos irmãos Miranda.

"Não podemos generalizar, mas também não podemos fazer de conta que não esta acontecendo nada. O general Elcio Franco ainda está dentro do gabinete do presidente", disse Omar Aziz.
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Entretanto, o Cristiano Carvalho relatou à CPI que, no dia 12 de março, quando esteve no Ministério da Saúde, comunicou ao então secretário-executivo Elcio Franco que já vinha negociando as vacinas com o então diretor do Departamento de Logística, Roberto Dias. Porém, Franco, que era a maior autoridade da pasta depois do ministro Eduardo Pazuello, desconhecia tal fato, disse Carvalho.
Reverendo Amilton como intermediário
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Cristiano Carvalho informou que o reverendo Amilton Gomes de Paula, intermediário das negociações da Davati com o Ministério da Saúde, também mantinha negócios com governos de outros países, como Paraguai e Arábia Saudita.
As tratativas se davam através da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), organização fundada e dirigida pelo reverendo. Carvalho disse acreditar que Amilton usou os contatos internacionais para "impressionar" a Davati. Ele mostrou à CPI um documento do consulado-geral do Paraguai no Rio de Janeiro, endereçado ao reverendo Amilton, que mostra interesse daquele país na compra de vacinas por meio da Senah.
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O relator, Renan Calheiros, insistiu em saber o papel do reverendo Amilton Gomes na negociação para a compra dos imunizantes.
O religioso é presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah). Cristiano Carvalho esclareceu que foi apresentado ao reverendo pelo cabo da PM e vendedor Dominguetti e que a reunião da Davati com o Ministério da Saúde, em 22 de fevereiro, foi marcada por Amilton Gomes. Para Eduardo Braga (MDB-AM), as informações do depoente indicam que o reverendo era o “intermediário” dessa questão junto ao Ministério.
Para depoente, Blanco era 'assessor oficioso' de Roberto Dias
Cristiano Carvalho apontou o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-diretor-substituto de Logística do Ministério da Saúde, como elo importante entre a Davati e a pasta. Ele disse que Blanco teria continuado a exercer influência sobre o diretor de Logística, Roberto Dias, mesmo depois de deixar o cargo, como um "assessor oficioso".
Segundo Carvalho, Blanco chegou a ele no dia 1º de março e se apresentou como um funcionário "recentemente exonerado" da Saúde que teria passado a trabalhar como representante de vendas de insumos hospitalares, com negócios no Ministério.
Carvalho disse que não chegou a acertar com Blanco nenhum valor de comissionamento pela venda de vacinas à Saúde, mas informou ao tenente-coronel que a empresa ficaria com 20 centavos de dólar por dose de vacina. Munido dessa informação, Blanco teria respondido que levaria o assunto a Roberto Dias.
Outro representante teria atuado em nome da Davati, diz Carvalho
Após questionamentos de Humberto Costa (PT-PE), Cristiano Carvalho informou que outra oferta de compra de vacinas por meio da Davati foi registrada em 9 de março diretamente ao então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. De acordo com o vendedor, o processo foi registrado no ministério por um representante chamado Júlio Adriano Caron, coincidindo com o mesmo período em que Cristiano e Dominguetti tentavam vender 400 milhões de doses da AstraZeneca à pasta.
Em seguida, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) apresentou requerimentos para convocação do representante citado, assim como de Silvio Bianchi e Rafael Martins Lopes. De acordo com a senadora, os três são citados pela imprensa como intermediários autorizados pela Davati a vender produtos médicos e imunizantes em nome da empresa.
Senah usou Força Brasil para chegar a Élcio Franco, diz Carvalho
Cristiano Carvalho disse que a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), ONG presidida pelo reverendo Amilton Gomes, utilizou o Instituto Força Brasil como “intermediário” para chegar ao alto escalão do Ministério da Saúde.
'O Instituto Força Brasil foi o braço que a Senah utilizou para chegar frente a frente com Élcio Franco", disse.
O coronel da reserva do Exército Antônio Elcio Franco foi secretário-executivo da pasta na gestão do general Eduardo Pazuello. Segundo Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o Instituto Força Brasil patrocina redes que divulgam fake news sobre o enfrentamento à pandemia.
Glaucio Octaviano Guerra e Guilhermo Odilon
O coronel reformado da Aeronáutica e, segundo Randolfe Rodrigues, assessor do adido militar da embaixada do Brasil nos Estados Unidos, Glaucio Octaviano Guerra, teria atuado apenas como porta-voz nos Estados Unidos. "Ele não teve influência alguma na negociação. Só transmitia as informações que a ele eram passadas", afirmou Carvalho.
Já Guilherme Filho Odilon, seria um intermediador da negociação, segundo Carvalho. De acordo com o vice-presidente da CPI ele também é coronel, mas Randolfe não declarou a qual das Forças Armadas ele seria ligado.

Em outro momento, o representante da Davati relacionou o nome "Odilon" ao suposto pedido de propina (o que chamou de "comissionamento") para negociar as doses da Astrazeneca.

"A informação que veio a mim, vale ressaltar isso, não foi o nome propina, tá? Ele usou comissionamento. Ele se referiu a esse comissionamento sendo do grupo do tenente-coronel Blanco e da pessoa que o tinha apresentado ao Blanco, que é de nome Odilon", afirmou Cristiano.

As mensagens obtidas pela CPI no celular de Luiz Paulo Dominghetti também mostram um contato identificado como Guilherme Filho Odilon. Dominghetti envia a ele a seguinte mensagem:

"Estamos negociando algumas vacinas em números superior a 3 milhões de doses. Neste caso a comissão fica em 0,25 centavos de dólar por dose".
O único civil das acusações
Única autoridade do Ministério da Saúde sem patente militar, na lista citada por Carvalho, Laurício Monteiro Cruz, é um médico veterinário e ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde.
"O Laurício foi quem apoiou a compra, através da Senah. Agendou reuniões e, inclusive, indicou que fosse copiado o Élcio Franco nos e-mails. Deu todas as credenciais necessárias para que pudéssemos avalizar que a Senah poderia concluir o negócio", declarou Cristiano Carvalho.

*Com informações da Agência Senado
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