Publicado 27/06/2024 10:51 | Atualizado 27/06/2024 11:25
Cerca de quatro mulheres acusam o astrólogo e empresário Tales de Carvalho, filho do escritor Olavo de Carvalho, de cometer crimes como estupros, tortura física e psicológica. Entre as denunciantes estão Calinka Padilha de Moura, ex-mulher de Tales, e suas duas filhas, Julia Moura de Carvalho e Ana Clara Moura de Carvalho.
PublicidadeA informação foi divulgada nesta quinta-feira, 27, pela coluna de Guilherme Amado, do portal 'Metrópoles'. O jornalista também conversou com outras três ex-mulheres do empresário, sob a condição de anonimato.
Às vítimas, segundo informações do site, relatam episódios de crueldade ao longo de mais de duas décadas, com abusos, incluindo a formação de um ambiente controlador, além da formação de uma seita em torno do Instituto Cultural Lux et Sapientia (ICLS).
As práticas descritas pelas vítimas incluem agressões físicas e métodos de tortura, supostamente justificados por preceitos religiosos distorcidos, apesar de não terem base no islamismo verdadeiro, segundo especialistas consultados.
Calinka de Moura, primeira mulher do empresário, de 46 anos, relata um período de dois anos e meio de agressões sistemáticas e tortura, frequentemente acompanhadas por sua filha mais velha e outras esposas de Tales. Ela descreveu momentos de intenso sofrimento físico e emocional, incluindo o uso de vídeos de abuso infantil para atormentá-la antes de ser agredida.
Calinka de Moura, primeira mulher do empresário, de 46 anos, relata um período de dois anos e meio de agressões sistemáticas e tortura, frequentemente acompanhadas por sua filha mais velha e outras esposas de Tales. Ela descreveu momentos de intenso sofrimento físico e emocional, incluindo o uso de vídeos de abuso infantil para atormentá-la antes de ser agredida.
De acordo com elas, o ICLS não serviria apenas como um centro educacional, mas também como um espaço para captação de novas esposas, exploração financeira e sexual por parte de Tales de Carvalho.
O caso de Tales ganhou destaque em março deste ano, quando uma decisão judicial envolvendo uma estudante de Goiás expôs suas práticas controversas. A jovem foi localizada na fronteira com o Paraguai, sob a guarda de outro filho de Olavo de Carvalho, após uma mobilização policial internacional promovida pela família.
Além das denúncias de abuso, as mulheres descreveram um ambiente de culto ao redor de Tales e seu irmão Luiz Gonzaga de Carvalho, conhecido como Gugu, figura influente no ICLS. O instituto oferece cursos que abrangem desde temas esotéricos como astrologia até leituras de autores clássicos. Gugu é visto como "guru" do instituto que chega a faturar até R$ 100 mil mensais com assinaturas e vendas de cursos respaldados pelo mentor Olavo de Carvalho.
À coluna, as vítimas afirmam que o local era usado por Tales para atrair "benfeitores" que contribuem financeiramente, além de potenciais companheiras, algumas das quais teriam sido coagidas a se casar com ele.
O astrólogo teve quatro mulheres ao mesmo tempo sobre o teto. Ele e Calinka eram budistas, mas o empresário converteu-se ao islamismo em 1998 e convenceu a mulher a fazer o mesmo. Naquele tempo, os dois moravam em São Paulo.
Com cerca de quatro anos de casamento, de acordo com Calinka, Tales comunicou que pretendia ter uma segunda esposa, uma criança de 12 anos. A menina era enteada da mãe de Tales, Eugênia. Hoje ela tem 35 anos e ainda é casada com Tales.
O astrólogo enviou nota ao Metrópoles alegando que ela tinha 14 anos, idade a partir da qual uma relação sexual não caracterizaria estupro de vulnerável.
A união de Tales de Carvalho com quem em algumas famílias seria considerada uma irmã, segundo Calinka, envolvia um contrato, que previa a consumação do casamento apenas quando ela completasse 16 anos. A ex-mulher do empresário afirma, no entanto, que isso aconteceu quando a jovem tinha 15 anos.
Em 2003, Tales enviou um e-mail a Calinka em que Tales menciona "algo muito forte" que sentia pela garota, pedia "compreensão" e citava visões sobre um "destino glorioso". Veja um trecho do texto obtido pela coluna:
"[…] Embora você saiba que eu te amo mais que tudo eu não posso negar que eu sinto algo forte por ela, eu sei que é difícil para uma mulher compreender isto, por isso eu não espero que você me perdoe e me compreenda. Eu tive várias visões e sonhos aqui sobre este assunto", escreveu.
"Nestas visões várias pessoas apareciam tendo um destino glorioso inclusive você, eu, [a moça com 14 anos na época, cujo nome a coluna, por entender que ela até hoje é uma potencial vítima, decidiu não informar], [pai da moça com 14 anos na época], e pasme, minha mãe. Portanto, não tenha maus sentimentos com relação à [moça com 14 anos na época] e minha mãe, você sempre será superior a elas para Allah e para mim", enviou Tales a Calinka.
Em 2006, o empresário pediu para levar a menina, então com 16 anos, para casa, o que fez com que Calinka optasse por uma separação amigável. Ela saiu de casa e voltou com as duas filhas, Julia e Ana Clara, para perto de sua família, em Curitiba. Cerca de um mês depois, no começo de 2007, Tales pediu o divórcio por telefone — mas teria que ser sob os preceitos islâmicos, ou seja, Calinka deveria ficar quatro meses sem ter relações com ele ou outros homens.
Após se separar de Tales, Calinka começou a trabalhar em um salão de beleza, frequentar festas e namorar. Segundo ela, ao saber que a ex-mulher estava seguindo em frente, ele viajou a Curitiba, disse ter tomado conhecimento de que a ex-mulher havia virado "uma vagabunda" desde a separação e pediu que reatassem o casamento.
No mesmo ano, em julho, as filhas do casal foram passar férias com o pai em São Paulo, ocasião em que ele deu a Calinka um ultimato: ou ela reatava o casamento, ou as meninas não voltariam a Curitiba. Após um mês de resistência, Calinka cedeu, eles se casaram novamente em agosto de 2007 e começaram a viver juntos com as filhas e uma nova esposa de Tales.
'Inferno'
Após reatar o relacionamento, Calinka conta ter sido o início do seu "inferno": dois anos e meio de agressões e torturas constantes. As torturas começaram em agosto de 2007 e terminaram no fim de 2009. Segundo ela, Tales ficou inconformado com a sua vida de solteira e que queria saber todos os detalhes do período.
Ela contou que as agressões começaram com um cinto, mas, para evitar deixar marcas, o empresário passou a urinar ou molhar o corpo de Calinka com água e chicoteá-la com um fio de telefone. Principalmente, lembra ela, na vagina.
"Ardia que nem fogo. Ele disse que havia pesquisado que o fio de telefone no corpo molhado era bom porque doía mais e não deixava marca", relembra, citando ainda atos como ameaçar arrancar seu clitóris com uma lâmina ou quebrar com um martelo os ossos de sua perna. Ao mesmo tempo, ele a estuprava sequencialmente.
A outra mulher, na época já maior de idade, também era agredida com fio de telefone, em retaliação por uma suposta traição cometida quando ela tinha 17 anos e descoberta por Tales de Carvalho. As duas mulheres chegaram a ser torturadas juntas.
Tales justificava as atitudes na religião islâmica para "purificá-las" e "limpá-las" de pecados. Segundo Calinka, ele teria marcado mãos e pés das duas esposas com uma faca.
"Muitas pessoas têm práticas erradas, mas as associam e misturam ao nome da religião. O profeta Mohammed disse que 'o melhor entre vós é aquele que é melhor para a sua esposa'. Ele deixa bem claro que a bondade da pessoa é representada, principalmente, com a esposa", disse o Sheikh Mohamad Al Bukai, líder da Mesquita Brasil, maior templo islâmico de São Paulo. O religioso falou ao portal sem ser informado sobre o caso concreto envolvendo Tales.
Em 2021, Calinka saiu de casa e disse que as demais esposas também tinham marcas de tortura. "Aquilo virou uma seita", disse a ex-nora de Olavo de Carvalho sobre o ICLS. Em seu caso, ela lembra, as marcas mais profundas não são aparentes fisicamente.
As agressões costumavam ser alternadas, hora com uma mulher, hora com outra, no entanto, elas descobriram que ao engravidar o homem interrompia as violências físicas. O próprio foi quem disse que pararia de agredi-las sistematicamente caso engravidassem. Esse seria um sinal de que Deus as havia "perdoado". Calinka propositalmente, então, engravidou.
Mesmo assim, no início da gestação, ainda sem que tivesse contado a Tales sobre a gravidez, Calinka afirmou ter sido estuprada com uma garrafa de vodca. Nesse momento, durante as sevícias, ela teria revelado a ele que estava grávida da terceira filha, hoje com 14 anos.
Pornografia infantil
Calinka relatou que durante as sessões de tortura, Tales as obrigava a assistir a vídeos de crianças com menos de dois anos sendo estupradas. O empresário, excitado com as cenas, teria o hábito de, na sequência, estuprar e sodomizar Calinka. Essa, porém, não seria a única conexão do empresário com o universo da pornografia infantil.
As duas filhas de Tales entrevistadas pelo portal, Julia e Ana Clara, hoje com 26 e 24 anos, respectivamente, relataram ter encontrado no computador do pai, ainda crianças, vídeos de estupros de meninos e meninas.
Calinka conta que, no período em que foi torturada, Tales revezava as noites entre ela e a segunda mulher. Havia ocasiões em que ele agredia as duas ao mesmo tempo, mas o mais comum era fazer uma alternância.
A ex-mulher do empresário ainda relatou que era chamada e tratada como "escrava sexual" por Tales e classificou a sua situação durante o período como "sub-humana".
"Ele dizia que eu era a escrava sexual dele. E eu durante boa parte disso tudo acreditava que merecia passar por aquilo. Eu tinha passado por uma lavagem cerebral", lamentou.
Calinka revelou que tentou fugir, mas foi alcançada por Tales, que a arrastou pelos cabelos de volta para dentro de casa. A mulher lembra que nessa ocasião ele quebrou duas costelas dela.
Separação
Em abril de 2021, após tomar coragem para romper com um estado de infelicidade, Calink tentou uma nova fuga e saiu da casa de Tales, com a filha mais nova, a filha mais velha Julia e seu genro - um ex-aluno do ICLS com quem Julia foi prometida aos 16 anos. Ana Clara, outra filha do casal, já estava casada com um muçulmano paraguaio em Foz do Iguaçu (PR) naquele ano.
Calinka manteve em segredo o histórico de violência até mesmo das filhas, embora elas tenham vivenciado os episódios de violência doméstica. Julia diz lembrar das noites de medo, descrevendo Tales como uma figura "assustadora" que frequentemente agredia Calinka e a outra mulher. Ela também relembrou de um incidente em que ele arrombou a porta do quarto e arrancou a mãe pelos cabelos.
Atualmente, a filha mais nova vive com Tales por escolha própria, conforme acordo judicial assinado em maio de 2022. O acordo estabelece guarda unilateral para o empresário, visitas de Calinka nos finais de semana alternados e o astrólogo renunciou à pensão alimentícia.
O acordo também encerrou processos judiciais mútuos e incluiu uma indenização acordada de R$ 60 mil para Calinka, embora ela afirme ter recebido apenas R$ 5 mil.
Segundo ex-mulher de Tales e as filhas, ele ainda se casou com uma terceira mulher, marroquina, que ele teria conhecido remotamente. Ela veio para o Brasil 2011 e, de acordo com Calink, a sua chegada reduziu por alguns meses o ambiente de violência na casa.
Mesmo assim, Calink afirma que Tales maltratava a terceira mulher, reclamava que ela era "feia" e "mais velha que o esperado". Ela acabou sendo mandada de volta ao Marrocos em junho do mesmo ano, três meses após sua chegada.
O empresário não parou por aí, ele ainda casou-se com outras duas brasileiras, uma delas com apenas 17 anos, que ele conheceu em um site de relacionamentos e com quem ficaria por cerca de três anos. A jovem era aluna do ICLS.
Em resposta às acusações, por meio do seu advogado, Tales nega as alegações e diz que elas "foram usadas para tentar privá-lo da guarda da filha menor".
"A Justiça não deu crédito a essas mentiras, a guarda foi decidida em favor de Tales, e Calinka se comprometeu com não repeti-las em troca da extinção de duas queixas-crime (vã promessa, como se vê)", disse.
Sobre o casamento com uma menor de idade, a nota disse ser "fato público que Tales e ela se enamoraram quando ela tinha 14 anos, passando a morar juntos quando ela já contava com 18 anos, depois do casamento segundo a religião islâmica".
Luiz Gonzaga de Carvalho, o Gugu, o filho de Olavo apontado como "guru da seita do ICLS", também foi procurado pela coluna por meio de um telefonema. Ao ser informado do teor da reportagem, desligou o telefone. Antes, disse: "Não confio em jornalista. Jornalista é tudo filho da puta". O espaço está aberto.
Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho apoiava ativamente os cursos ministrados por seus filhos no Instituto Cultural Lux et Sapientia (ICLS) e destacava sua importância cultural. Na primeira transmissão ao vivo do instituto no YouTube, em junho de 2014, poucos meses após a entidade ser criada, Olavo, ao lado de Gugu, situou a si mesmo e ao filho entre nomes que vêm "renovando a alta cultura no Brasil" por meio de seus cursos on-line. "Nas universidades não há nada que se compare", afirmou na época.
Em 2016, por alguma razão, o escritor chegou a expressar discordância pública quando seus filhos tentaram influenciar alunos a aderirem a práticas islâmicas. Olavo publicou no Facebook que, se algum de seus filhos se aproximasse de seus alunos convidando-os para aderir a alguma "tariqa" islâmica, ele não tinha "nada a ver" com isso.
Tales se diz integrante de uma "tariqa", confrarias esotéricas islâmicas que são regidas também sob o Alcorão, mas contam cada uma com líder religioso próprio e práticas distintas entre si. Toda a tortura que teria sido impingida à Calinka e a mulher com quem Tales até hoje vive tinha como base as regras da "tariqa".
"A pessoa que não tem conhecimento religioso, quando vai à Tariqa, fica extremista, porque não tem base. Vai a uma área que não domina e acaba desviando, praticando coisas erradas. Por isso não se pode seguir Tariqa sem conhecimento da religião", disse o Sheikh Mohamad Al Bukai, sem se referir ao caso concreto do astrólogo.
"Não dirijo nem fiscalizo o trabalho dos meus filhos Luiz e Tales. (...) Se algum dos meus próprios filhos se aproximar de alunos meus, convidando-os a entrar em alguma Tariqa, faz isso por sua conta própria e risco com a minha total desaprovação", escreveu Olavo no facebook.
Em novembro de 2014, o perfil do instituto no Facebook escreveu que a atuação de Olavo e Gugu estava "criando as condições necessárias para que surjam pessoas com um grau de autoconsciência muito maior do que nossa terra já presenciou".
Em 2018, após a vitória de Jair Bolsonaro (PL) nas eleição como presidente do Brasil, o ICLS apoiou a ideia, aprovada pelo próprio Olavo, de que ele fosse nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Dois anos depois, em 2022, o escritor, guru do bolsonarismo, morreu, aos 74 anos, em um hospital na região de Richmond, na Virgínia, Estados Unidos. A causa da morte não foi revelada, mas ele havia anunciado ter sido infectado com covid-19 dias antes do falecimento.
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