Rio - As mulheres vão trabalhar mais, receber benefício menor e ter pensão reduzida caso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6, enviada pelo governo Bolsonaro, seja aprovada pelo Congresso Nacional. O alerta consta de uma análise do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese). Conforme mostra o levantamento, as mulheres já são prejudicadas no que diz respeito aos benefícios. Para cada uma que se aposentou por tempo de contribuição em julho de 2018, mês utilizado como base para a avaliação atuarial de 2019, praticamente dois homens conseguiram o mesmo benefício previdenciário.
Enquanto mulheres ganham R$ 2.046, em média, homens recebem R$ 2.339 por mês, conforme o estudo do Dieese. Considerando o 13º salário, em um ano, essa diferença chega a R$ 3.809. O motivo pode ser explicado pelas dificuldades que as mulheres encontram no mercado de trabalho.
Trabalhadoras ganham 20% menos que os homens, segundo dados do IBGE, com base nos salários de 2018. Além disso, ficam fora do mercado para cuidar dos filhos e deixam de pagar o INSS, o que prejudica não só a média do benefício, mas também a capacidade de pedir aposentadoria por tempo de contribuição. Hoje são exigidos 30 anos de recolhimento previdenciário para elas pedirem o benefício.
Idade mínima
De acordo com o levantamento feito do Dieese, a principal alteração prevista na reforma exigirá mais sacrifício das mulheres que é a idade mínima. A reforma prevê que ela subirá de 60 para 62 anos (trabalhadoras urbanas) e de 55 para 60 anos (rurais). Para os homens, serão mantidas as idades mínimas atuais: 65 anos (urbano) e 60 (rural).
"As mulheres terão que trabalhar dois anos a mais, se forem do setor urbano, e cinco anos a mais, se forem do setor rural. (...) Serão, portanto, afetadas tanto pela elevação da idade mínima quanto pelo aumento do tempo mínimo de contribuição e, mais ainda, pela combinação desses requisitos", disse a entidade.
Vale lembrar que hoje em dia mulheres e homens podem se aposentar por idade mínima, por tempo de contribuição ou pela Fórmula de cálculo 86/96, que soma idade e tempo de contribuição e garante pagamento integral do benefício.
Além de atender o critério de idade, a reforma prevê tempo mínimo de contribuição ao INSS de 20 anos para todos (mulheres e homens, tanto na área urbana quanto na rural). Para ter direito a 100% da aposentadoria será preciso contribuir por pelo menos 40 anos, período que pode ser ainda maior.
'Gatilho' faz tempo de contribuição passar de 40 anos
Os 40 anos de contribuição previstos na Reforma da Previdência podem ser ainda maiores e, consequentemente, mais penosos para as mulheres. Isso ocorrerá porque as mudanças propostas pelo governo Bolsonaro trouxe de herança da PEC 287 de Temer, empacada no Congresso, o "gatilho da idade mínima". Ou seja, toda vez que o IBGE elevar a expectativa de sobrevida da população brasileira, essa idade vai subir seguindo a tabela.
"Um homem que tenha hoje 40 anos, por exemplo, terá que trabalhar mais 25 para ter direito ao benefício de acordo com a idade mínima. Mas como a cada quatro ou cinco anos esse período sobe um ponto, quando esse trabalhador atingir os 65 anos, essa idade mínima terá ido a 69 anos", explicou Guilherme Portanova, especialista em Direito Previdenciário e advogado da Federação das Associações dos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio (Faaperj).
"É uma falácia que o governo diga que haverá idade mínima. O correto seria afirmar que a idade mínima é a partir de 62 e 65 anos", critica. "E isso pode até ocorrer no próximo ano, depende da expectativa de sobrevida que o IBGE vai divulgar em dezembro", acrescenta. "O gatilho, na prática, impossibilita o trabalhador de conseguir se aposentar na próxima década", alerta.
De acordo com o governo, o aumento na idade mínima será 75% do incremento nessa expectativa de sobrevida em relação a média apurada no ano da promulgação da emenda, desprezadas as frações mensais.
"O gatilho está previsto, ele sobe a partir de 1º de janeiro de 2024, subindo a cada quatro anos", chegou a afirmar o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco.
Regra diminui pensão e dificulta acumular valores
Outro ponto que afeta mais as mulheres, de acordo com o Dieese, é a mudança nas regras sobre pensões por morte. A PEC 6 vai diminuir valores e dificultar o acesso a esse benefício, além de restringir o acúmulo de pagamentos. Ela também endurece também as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda. "A maioria das pessoas que recebem esses benefícios são mulheres", diz o Dieese.
"Ao propor esse conjunto de medidas restritivas, a PEC 06/2019 ignora - e tende a agravar - as desigualdades de gênero que ainda caracterizam o mercado de trabalho e as relações familiares no Brasil, intensificando ainda mais as dificuldades que as mulheres enfrentam para adquirir os pré-requisitos necessários a uma proteção adequada no final da vida laboral", diz o Dieese.
Conforme a nota técnica, as trabalhadoras recebem aposentadorias mais baixas porque contribuem por menos tempo e com valores mais baixos. Isso acontece devido a fatores como a dupla jornada, que ainda deixa a cargo das mulheres a responsabilidade pelos afazeres domésticos e cuidados com a família.
Mulheres que trabalhavam fora em 2017 dedicavam, em média, 17,3 horas semanais às tarefas do lar, segundo o IBGE. Já os homens gastavam menos da metade desse tempo (8,5 horas por semana) em tarefas domésticas.
A dupla jornada, conclui o Dieese, acaba atrapalhando a carreira profissional das mulheres, e a reforma reforçará a desigualdade.
Inserção das mulheres no mercado de trabalho e cobertura previdenciária
O envolvimento das mulheres na atividade produtiva, mesmo tendo apresentado crescimento nos últimos anos, é menor do que o dos homens. A taxa de participação dos homens no mercado de trabalho era de 71,5%; e, das mulheres, de 52,7%.
As mulheres estão em ocupações menos valorizadas socialmente do que os homens, concentrando-se nas áreas de educação, saúde e serviços sociais (21%), comércio e reparação (19%) e serviços domésticos (14%) - atividades que se caracterizam como extensão do trabalho doméstico não remunerado (limpeza, educação e cuidados).
Com relação aos rendimentos oriundos de trabalhos formais ou informais, a remuneração média dos homens era 28,8% superior à das mulheres.
Em algumas áreas onde as mulheres são maioria - como educação, saúde e serviços sociais - essa diferença é ainda mais acentuada: a remuneração masculina era 67,2% maior do que a feminina.
Mesmo entre as mulheres, há grandes desigualdades em torno dos rendimentos recebidos, em razão da dupla discriminação no mercado de trabalho sofrida pelas mulheres negras. O rendimento médio das mulheres brancas era 70,5% maior do que o das mulheres negras, e 67,3% maior do que o recebido pelas mulheres pardas.
As taxas de desocupação femininas também permanecem bastante superiores às masculinas, chegando ao patamar de 13,5%, em 2018, contra 10,1%, para os homens. Na faixa de 19 a 24 anos, marcada por altas taxas de desemprego, quase um terço (27,2%) das mulheres estava desocupada
Do total de mulheres ocupadas, 23,3% trabalhavam sem carteira de trabalho e 23,9% estavam em atividades por conta própria ou auxiliares da família, ou seja: quase metade (47%) das mulheres inseridas no mercado de trabalho não possuía registro em carteira, o que dificulta a contribuição previdenciária.
Das 40,8 milhões de mulheres ocupadas, mais de um terço (35,5% ou 14,5 milhões) declararam não estar contribuindo para a Previdência naquele momento. Esse percentual é de 62% entre as trabalhadoras domésticas e de 68% entre as "por conta própria". O rendimento médio recebido pelas mulheres era de R$ 1.875,3, enquanto o dos homens era de R$ 2.415,5. No grupamento de atividade "educação, saúde e serviços sociais", a remuneração média era de R$ 2.590,1, para as mulheres; e de R$ 4.331,4 para os homens. Vale ressaltar que, na comparação entre o rendimento médio recebido por mulheres brancas e por homens brancos, os homens ganhavam 35,6% a mais do que as mulheres. A taxa de desocupação para os homens dessa faixa etária era de 20,4%. Nesse período da vida, é comum a necessidade de conciliação entre trabalho, estudos e - em especial para as mulheres - afazeres domésticos, o que leva muitas a deixar de trabalhar.
Cerca de 1/3 (35%) das mulheres inseridas no mercado de trabalho ganhava até um salário mínimo. Dessas, 64% não estavam contribuindo para a Previdência naquele momento.
Fonte: Dieese, levantamento baseado em dados da Pnad Contínua, no 4º trimestre de 2018.