Marcos Cintra deixou claro que não há possibilidade de uma reforma que preveja queda de arrecadação - Wilson Dias/Agência Brasil
Marcos Cintra deixou claro que não há possibilidade de uma reforma que preveja queda de arrecadaçãoWilson Dias/Agência Brasil
Por MARTHA IMENES

Rio - O governo Bolsonaro se envolveu em mais uma polêmica. Desta vez em relação à proposta de Reforma Tributária que adotaria imposto universal sobre todas as transações financeiras, bancárias ou não, com alíquota de 0,9% ou 1%. A informação foi divulgada pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em entrevista à "Folha de S.Paulo". Cintra afirmou que a ideia é acabar com a atual contribuição sobre a folha de pagamento e que seriam, inclusive, extintas imunidades tributárias de instituições religiosas e filantrópicas.

Segundo o secretário, o novo imposto, chamado de Contribuição Previdenciária (CP), deve incidir, sobre o dízimo cobrado por igrejas. A medida, no entanto, foi desautorizada pelo presidente Bolsonaro, que se disse surpreendido com a proposta apresentado por Cintra.

"Todo o mundo vai pagar, igreja, a economia informal, até o contrabando. Como qualquer pagamento tem um pagador e um recebedor, vamos dividir em dois. Será 0,45% para o débito (pagador) e 0,45% para o crédito (recebedor)", afirmou Cintra.

O secretário negou que a contribuição seja uma CPMF disfarçada. "CPMF era sobre débito bancário. Esse é sobre pagamentos", informa. E acrescenta que, além disso, o antigo imposto era transitório e a CP será permanente.

Na Reforma Tributária que estaria sendo elaborada, esse novo imposto substituiria a contribuição sobre os salários, que arrecada R$ 350 bilhões por ano de empresas e trabalhadores. "A alíquota necessária para gerar essa mesma arrecadação será de 0,9%", disse.

Mas, segundo Cintra, essa alíquota ainda pode subir um pouco mais. Isso porque o governo estuda se a CSLL integrará a base de cálculo da CP, algo que elevaria a alíquota do novo imposto para pouco mais de 1%. "Nesse caso, dividindo por dois, daria 0,50% para cada um", afirma o secretário.

Com a proposta, o secretário acredita que conseguirá convencer o setor de serviços a aceitar a criação do Imposto Único Federal, que unificará quatro tributos, com alíquota de cerca de 14%: PIS, Cofins, uma parte do IOF e o IPI.

Bolsonaro nega imposto para igrejas

Em um vídeo na internet, Bolsonaro afirmou que nenhum imposto será criado para igrejas: "Quero me dirigir a todos vocês, dizendo que a declaração não procede. Quero dizer que em nosso governo nenhum novo imposto será criado, em especial contra as igrejas, que, além de terem excelente trabalho social prestado a toda a comunidade, reclamam eles, em parte com razão ao meu entendimento, que há bitributação nessa área. Então, bem claro: não haverá novo imposto para as igrejas".

As declarações do secretário também repercutiram na Câmara. Em uma rede social, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) garantiu que a Reforma Tributária não será debatida neste momento. O foco, segundo ele, é a da Previdência. "Não vamos tratar de aumento de impostos, não passa. O foco agora é a Previdência para fazer o país crescer, gerar empregos. Os deputados devem debater a Reforma Tributária para cortar impostos, não para aumentar".

Na avaliação de Nelson Naibert, advogado tributarista, o governo Bolsonaro terá dificuldades de aprovar uma proposta em um Congresso com perfil tão corporativista. "Ainda mais com medidas que mexem com filantropia, principalmente no quesito Saúde. Isso nos levará a um caos inimaginável no setor. Hoje, os hospitais filantrópicos já não se sustentam imagina tendo que pagar", afirmou.

O advogado lembra da experiência ruim no passado com a CPMF que tinha mesma base e inicialmente os recursos eram destinados à Saúde, com uma contribuição de 0,38% e que não teve êxito na prorrogação. Para Naibert, a proposta apresentada pelo secretário da Receita demonstra uma guerra de poderes, em que o Executivo quer fazer uma Reforma Tributária nos tributos e contribuições federais de sua alçada, não prevendo a hipótese de redução da carga tributária.

 

Desoneração sobre a folha

A desoneração da folha de pagamentos começou a ser aplicada em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT). O argumento à época era o de que, diante de um cenário de crise econômica mundial, essa seria a forma de o governo ajudar as empresas a manter os funcionários empregados. Com o passar do tempo, o número de setores beneficiados pela medida aumentou.

De acordo com a Receita, a tributação sobre a folha de salários somou R$ 555 bilhões em 2017, o equivalente a 26,12% de toda a carga tributária brasileira naquele ano. Segundo explicou Marcos Cintra, a desoneração estudada pelo governo Bolsonaro deve abranger a contribuição previdenciária do empregador e do trabalhador, o Imposto de Renda e rendimentos do trabalho.

Na avaliação de Cintra, a "incidência muito pesada" de tributos sobre a folha de pagamentos das empresas contribui para o país ter atualmente cerca de 13 milhões de desempregados.

"Temos hoje 13 milhões de desempregados e 20 milhões de pessoas entre desempregados e subempregados na economia informal, de modo que a incidência muito pesada de tributos sobre a folha de salários é uma primeira preocupação", afirmou.

Mas, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao reduzir uma tributação, o governo tem de compensar a perda de receita por meio de corte de subsídios, aumento de tributos ou elevação de base de cálculo de impostos. E é aí que entra a Contribuição Previdenciária.

Comissão na Câmara avalia reforma desde 2015

Para relembrar, uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados discute desde 2015 um projeto de reforma tributária. A última reunião ocorreu em agosto de 2017. Uma minuta da iniciativa foi apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), mas o relatório não foi votado.

A ideia inicial era de que fosse apresentada uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), mas a intervenção federal no Rio, que acabou no final do ano passado, frustrou expectativas. A Constituição proíbe mudanças por meio de emendas enquanto uma intervenção estiver em vigor. Agora, avalia-se a possibilidade de formulação de projetos de leis.

A minuta propõe o fim de impostos como PIS, ICMS, ISS, IOF e Cide. No lugar, seriam criados o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e o Imposto Seletivo, que incidiriam sobre combustíveis, energia, transporte, entre outros.

Governo Temer: duas reformas e nenhuma

No governo passado, o presidente Michel Temer também enveredou pelo mesmo caminho: quis enviar uma proposta de simplificação tributária ao Congresso em paralelo à Reforma da Previdência, empacada até hoje na Câmara.  Em março de 2017, em discurso no Palácio do Planalto, o presidente havia dito que até junho editaria medidas provisórias para mudar regras tanto do PIS quanto da Cofins, sem alterar a carga tributária para preservar a arrecadação. Em 2016, o PIS representou cerca de 4% da arrecadação federal; a Cofins, 16%.

Temer ressaltou, na época, que, no segundo semestre daquele ano, seria a vez de “lidar com o ICMS”. O objetivo era tentar pôr fim à guerra fiscal, reduzindo para 4% a alíquota interestadual. A ideia inicial do Palácio do Planalto era promover uma Reforma Tributária em paralelo com a Reforma da Previdência, na tentativa de imprimir a marca de um “presidente reformista”. O resultado dessa dupla empreitada foi: duas reformas e nenhuma. A da Previdência (PEC 287) sequer foi votada e a tributária não saiu do papel.

 

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