Por DINHEIRO RURAL

Primeiro, ele virou moda entre os adeptos da malhação. Depois, se tornou estrela entre os que curtem alimentação saudável. Em pouco tempo, já era mania em sorveterias, padarias e supermercados, seja na forma de sorvete, cremes e vitaminas. E agora, o açaí rompe fronteiras e expande horizontes. A fruta amazônica já é utilizada pela indústria de cosméticos – como componente de cremes e óleos -, dá origem a um delicioso palmito e vira até biomassa utilizada na fabricação de cimento. Outra boa e importante notícia: o caroço também já começa a ser aproveitado. Ocorre que a poupa corresponde a, no máximo, 17% da fruta. Os outros 83% são caroço, que está sendo utilizado com destinos sustentáveis – para a alegria dos produtores que trabalham com a planta.

O Pará é o maior produtor do Brasil, com 1,3 milhão de toneladas, o que corresponde a impressionantes 95,5% da produção nacional. A capital paraense, Belém, e cidades vizinhas – Ananindeua, Marituba e Benevides – são responsáveis por 280 quilos de caroços de açaí diários, segundo a Associação dos Vendedores Artesanal de Açaí de Belém e Região Metropolitana (Avabel). E isso era um problema. Com a ajuda da iniciativa privada, não é mais. Com experiências no reaproveitamento de casca de arroz, grão de soja e serragem para o coprocessamento de biomassa, a Votorantim investiu R$ 18 milhões na sua fábrica de Primavera, no Pará, para dar novo destino ao caroço.

Em abril do ano passado, um projeto piloto passou a funcionar na unidade industrial, fazendo com que 1,5 mil toneladas de coque de enxofre – combustível fóssil e importado – fossem substituídas por 3 mil toneladas de caroço de açaí para a fabricação de cimento. O objetivo é consumir até 5 mil toneladas por mês, a partir de maio, quando o sistema passa a operar na sua capacidade máxima. “Quando temos alguma fábrica, buscamos entender um pouco da região e o que existe de oportunidades ou problemas que possam ter sinergias com o nosso negócio”, diz Eduardo Porciúncula, gerente-geral de Coprocessamento da Votorantim. Para ter o material no estágio adequado, a empresa precisou dialogar com os demais elos da cadeia e preparar os fornecedores com os equipamentos necessários. Secadores foram instalados nas unidades produtoras, onde é feito o cultivo e a extração da fruta, para atingir o ponto ideal da semente como matéria-prima. “Hoje, temos uma redução de custo da matriz energética por volta de 20%”, destaca Porciúncula.

No Pará, R$ 596 milhões foram distribuídos, em 2017, aos cerca de 13 mil produtores, apenas com o fruto do açaí , segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Por outro lado, a cadeia já movimenta cifras que superam a casa dos R$ 3 bilhões. Isso inclui, por exemplo, a indústria de palmito, na qual o caule da palmeira do açaizal é usado no processamento do alimento. Outro destino é a indústria de cosméticos. A Natura, gigante do segmento, utiliza o fruto para fabricar esfoliante, hidratante corporal, sabonetes e colônia, na sua linha Ekos. Para isso, a empresa usa o óleo, extraído do fruto ainda nas cooperativas, e a própria poupa.

MEIO AMBIENTE O problema do caroço do açaí como passivo ambiental não se reduz somente ao Pará. Em Macapá, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) começou a estudar, em meados de 2008, a reutilização da semente no processo de compostagem. “Podemos utilizar o caroço como adubo orgânico. Adubos tradicionais custam mais, por virem de outras regiões”, afirma Wardsson Lustrino Borges, doutor em Ciência do Solo e pesquisador da Embrapa Amapá. Uma das soluções para a utilização do caroço é um projeto em discussão entre a Embrapa e a prefeitura de Macapá, para a construção de uma usina de compostagem. Após a extração da poupa por comerciantes, a prefeitura faria a coleta dos resíduos a ser utilizados como adubo para a produção de hortaliças.

BIOMASSA A polpa não é o único derivado da fruta com apelo comercial. Empresas como a Votorantim utilizam o caroço (abaixo) na fabricação de cimento (Crédito:Leonardo Rodrigues)

O sucesso do açaí é tamanho, que a fruta já conquistou fãs em vários países. A Native Barries, por exemplo, nasceu em 2016, com o foco da venda do sorvete da poupa para o exterior.

A operação teve início com a exportação para os Estados Unidos. A proposta de Rafael Vaz e seus sócios – Marcelo Vaz e Isaac Benchimol – foi levar o produto para fora do País, sem corantes, adição de xaropes ou aromas artificiais e também com produção orgânica. “Hoje, você não consegue entrar no mercado americano se não tiver um diferencial”, afirma Rafael Vaz, administrador de empresas. “Muita gente não sabe o que é o açaí de verdade, que é uma fruta 100% brasileira.” Em toda a região Norte, detentora do grosso da produção, o açaí é bastante consumido nas refeições, e não apenas como sobremesa – é muito comum o creme da fruta acompanhar pratos salgados.

Edson Grandisoli

Com investimento de R$ 25 milhões em uma unidade industrial de 55 mil metros quadrados, no município de Visconde do Rio Branco (MG), a empresa hoje fatura R$ 4 milhões ao ano, com vendas para países como Austrália, Canadá, Chile e, mais recentemente, Alemanha e Emirados Árabes. Desde a sua criação até o final do ano passado, o portfólio da Native Barries saltou de 7 para 25 produtos. Este ano, a empresa pretende lançar dez produtos, apenas no primeiro semestre. Algumas apostas serão em sucos e uma linha light – como um sorbet e uma barra de cereal adoçados com xilitol. “A percepção é de que o açaí é uma coisa doce, principalmente no Sul e Sudeste. Mas, na verdade, é uma fruta bem neutra e saudável”, diz Vaz.

 

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