Por DINHEIRO RURAL

O trânsito infernal faz com que o percurso de 3,5 quilômetros seja feito em quase uma hora. Isso é uma coisa corriqueira para quem sai de Foz do Iguaçu (PR), o segundo maior roteiro turístico do Brasil, em direção a Ciudad Del Este, no Paraguai. Pela atual sofisticação da cidade do país vizinho – um chamariz para o comércio de produtos importados, de roupas a eletrônicos de última geração –, nota-se que o Paraguai deixou para trás o estigma de centro comercial de mercadorias de terceira linha. O país virou o jogo, arrumou a casa e deve experimentar, nos próximos anos, um crescimento econômico muito superior ao de seus vizinhos sul-americanos, segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto que a previsão para o crescimento da economia do Brasil para este ano é de cerca de 2% e para a Argentina é em torno de 3%, a economia paraguaia deve registrar uma alta de quase 7% – três vezes e meia a taxa brasileira de crescimento. Os paraguaios sairão de um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 42 bilhões, em 2018, para US$ 58 bilhões em 2023, expressiva alta de quase 40%.

Vamos formar trabalhadores para atuar em áreas como mecânica avançada e agricultura de precisão ” Rafael Miotto,New Holland (Crédito:Divulgação)

O interessante é que boa parte desse resultado vem do trabalho de brasileiros. Gente como Antonio Francisco Galhera, 58 anos, produtor de soja, há 36 anos morando no país e presidente do grupo Hermanos Galhera Agro Valle Del Sol, sediado no município de Los Cedrales, do Estado do Alto Paraná. Ele é um dos muitos brasileiros que ajudaram o Paraguai a alavancar a produção de soja, que hoje responde por 44,3% do volume de tudo o que é exportado pelo país. “Já me considero um cidadão do Paraguai”, diz Galhera. “E vamos continuar avançando cada vez mais na produção”. O otimismo de Galhera faz sentido.
Atualmente, o país conta com uma área agricultável de cerca de 8 milhões de hectares. Desse total, 3,3 milhões de hectares foram semeados com soja na safra 2018/2019, um trabalho que está nas mãos de brasileiros, desde a abertura do governo paraguaio, a partir da década de 1970. Cerca de 70% da área cultivada por soja estão nas mãos de brasileiros. Nesta safra, os produtores deverão colher, ao todo, 9 milhões de toneladas, 12,6% a menos do que na temporada anterior – em decorrência da falta de chuvas –, segundo a Câmara Paraguaia de Exportadores e Comerciantes de Cereais e Oleaginosas (Capeco). Os Estados de Alto Paraná, Itapuã, Canindeyú e Caaguazú concentram 79% da produção. Outros lugares, como San Pedro, Caazapá e Amambay, somam mais 18%. Mas há oportunidades em outras regiões, onde o clima é mais quente, como o Chaco, uma vasta planície de florestas, que ocupa 128 milhões de hectares, tem características muito semelhantes às do Pantanal brasileiro e se estende por Argentina (40%), Bolívia (35%), Paraguai (20%) e Brasil (5%). De acordo com estudos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês), com a viabilidade de produção de agricultura no Chaco, poderiam ser adicionados mais 8 milhões de hectares à agricultura paraguaia.

Com terras fertéis (e baratas), produtividade elevada e excelente logística, o agronegócio paraguaio segue firme e a galope (Crédito:Divulgação)

PRODUTIVIDADE EM ALTA Apesar do revés da safra atual devido à estiagem, o futuro da soja no Paraguai é promissor, mesmo sem contar com a adição das novas áreas. Isso porque o país passa a contar cada vez mais com o crescimento da produtividade. O Usda prevê que, na próxima década, a safra da soja paraguaia chegue a 11,8 milhões de toneladas. A consultoria alemã Statista é ainda mais otimista, com estimativa de uma produção de 12,3 milhões de toneladas até lá. O Paraguai jamais chegaria a tal projeção se não o fosse o trabalho de imigrantes brasileiros, como Galhera, que chegou ao país em 1983. “Naquela época, tínhamos duas opções: desbravar o Cerrado brasileiro ou vir para o Paraguai”, conta Galhera. “Eu resolvi vir para cá.” A decisão mostrou-se acertada.

Hoje, Galhera possui cerca de 4 mil hectares, além de cultivar a soja em mais 18 mil hectares arrendados nos Estados de Caaguazú e Canindeyú. As terras são férteis e o custo de produção é baixo. No Paraguai, para colher um hectare do grão, o produtor terá um custo de até 25 sacas de 60 quilos por hectare. No Brasil, esse custo fica acima de 40 sacas, 60% mais caro. A logística é outro fator que colabora com o trabalho dos brasiguaios no país vizinho. “Estou a 60 quilômetros de três aeroportos internacionais e ainda temos o rio Paraná, que faz o escoamento dos grãos até o porto, no Uruguai”, destaca Galhera. “O Paraguai tem nos garantido uma boa competitividade para os negócios.”

PONTE PARA O PACÍFICO Nesse quesito, Antonio Galhera faz as contas na ponta do lápis e em dólar, desde a semeadura até a venda com as tradings de grãos. “Acompanho os preços nas bolsas no dia. Assim, não sou pego de surpresa”, diz. Só com a safra passada de soja, a empresa dele faturou US$ 27,4 milhões (cerca de R$ 107 milhões).

“Hoje, o agro paraguaio não perde em nada em tecnologia em relação aos mercados do Brasil e dos EUA” Carlos Gomez, Innovar (Crédito:Divulgação)

E essa logística poderá ficar ainda melhor. A construção de uma ponte entre o município de Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta, na porção norte do Paraguai, é uma grande promessa para desafogar o trânsito entre Foz do Iguaçu e Cidaud Del Este, além de permitir o acesso direto ao oceano Pacífico e, de lá, ao cobiçado e gigantesco mercado asiático. O projeto faz parte do corredor rodoviário bioceânico, chamado de Rota da Integração Latino-Americana (RILA), que ainda passa pelos territórios argentino e chileno, permitindo a ligação com os portos dos municípios de Iquique e Antofagasta, no Chile.

Com um custo estimado de R$ 70 milhões, rateado entre os dois países e com previsão de estar concluída em 2023, a ponte é o pontapé inicial para uma nova rota de escoamento da produção de grãos. É pelo corredor bioceânico que os negócios de terras estão aumentando na região do promissor Chaco paraguaio, segundo o corretor de imóveis rurais e consultor agropecuário Newton Cavalcanti, de Campo Grande (MS). “O projeto tem tudo para dar mais competitividade ao grão brasileiro”, diz Cavalcanti. As terras cortadas pelo corredor estão com um custo considerado bastante competitivo pelos especialistas, de cerca de US$ 1,5 mil por hectare. Para se ter uma ideia, em Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai, esse valor gira em torno de US$ 7 mil, quase cinco vezes acima. “Já tem muita gente fechando negócio por lá”, afirma Cavalcanti.

São áreas novas e que deverão demandar incremento tecnológico e trabalhadores mais qualificados. De olho nesse potencial, a americana New Holland, do grupo CNH Industrial, está disposta a investir na capacitação de profissionais, segundo o vice-presidente da companhia na América Latina, Rafael Miotto. Em março, durante o evento Innovar (leia o quadro acima), realizado em Colonia Yguazú, a empresa inaugurou um centro de treinamento para formar trabalhadores que vão atuar em áreas que vão desde a operação básica de tratores e colhedeira de grãos à mecânica avançada e agricultura de precisão. “Fizemos uma pesquisa entre os produtores do país e eles avaliaram que falta qualificação para a mão-de-obra no campo”, diz Miotto. “Esse projeto pode mudar esse cenário”.

O investimento no centro de treinamento foi de US$ 500 mil, dividido entre a New Holland e dois distribuidores paraguaios de máquinas e insumos agrícolas. Por ano, a unidade poderá formar cerca de 2 mil pessoas, entre estudantes, trabalhadores rurais, mecânicos e revendedores de máquinas. É esse tipo de iniciativa que deixa ainda mais otimistas os produtores rurais que atuam no Paraguai, inclusive os brasileiros. “O agronegócio ainda vai crescer muito nesse país”, atesta Galhera. “Estamos no caminho certo”. Tudo indica que ele tem razão.

A feira do agronegócio paraguaio

Divulgação

Criada há 4 anos por um grupo de 50 empresas agrícolas, a Innovar tem se tornado um grande vetor tecnológico do agronegócio no Paraguai. A mostra segue o mesmo modelo da Agrishow, de Ribeirão Preto (SP), e da Expointer, em Esteio (RS). Segundo o coordenador do evento, o publicitário paraguaio Carlos Gomez, que atua no setor há mais de 30 anos, ações como essa farão o Paraguai obter muito mais produtividade, unindo o setor de máquinas brasileiro e argentino, além de trazer equipamentos importados do resto do mundo. “O nosso país precisava de uma feira com força internacional”, destaca Gomez. No primeiro ano da Innovar, foram 95 expositores e um público de cerca de 11 mil pessoas. Este ano, o evento teve 140 expositores (alta de quase 50%) e mais de 17 mil pessoas (quase 60% a mais), em quatro dias. “Atualmente, o produtor rural paraguaio não perde em nada em tecnologia, em comparação com os produtores brasileiros e americanos”, afirma.

 

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