Por ISTOÉ ECONOMIA

No início do século XX, em 1908, Henry Ford lançou o primeiro automóvel popular da história, o Ford Model T. Dos pneus ao motor, dos amortecedores aos bancos, todas as peças eram fabricadas pela Ford, já que o carro era um produto recém-inventado e não havia ainda sido estruturada uma indústria automotiva para suprir o novo mercado. 

Nesta era, as indústrias assumiam todo ciclo de produção, concentrando todo fornecimento nas mãos de um único fabricante, modelo que se repetiu em grandes corporações de informática, como a IBM, que fabricava de chips a supercomputadores, de copiadoras a máquinas de escrever e calculadoras, e em diversos outros setores da Economia Monolítica, na qual uma empresa manufaturava tudo, de ponta a ponta.

Com o crescimento do mercado consumidor e o aumento da demanda, centralizar a produção de todos os itens deixou de ser viável e surgiu uma Economia Especialista, que deu à luz várias empresas de nicho focadas no desenvolvimento de produtos específicos. As próprias fabricantes de carros se transformaram em montadoras e passaram a comprar as peças de inúmeros fornecedores, que se direcionaram para produzir e vender itens específicos para as grandes marcas. 

Nesta economia especializada surgiram a Microsoft, que dominou a indústria de software, e a Apple, que inaugurou a indústria de hardware. Juntas, elas abriram portas para o nascimento do mercado de microinformática, que foi formado por diversas empresas desenvolvedoras de aplicações e componentes para rodar em seus sistemas operacionais e máquinas. 

Com o avanço da Internet, da computação em nuvem e da conectividade em alta velocidade uma nova economia passou a ser dominante, a Economia de Serviços, em que diversas empresas concorrem com empresas tradicionais prestando serviços digitais, tendência que abordei em meu artigo “Como a Internet das Coisas vai Servicificar os Produtos e Mudar sua Vida”.

Chegamos agora ao final da segunda década do Século XXI inaugurando a “API Economy, ou Economia das Coisas, com serviços baseados em aplicações sendo consumidos através de coisas. 

Vamos colocar de forma mais clara: o novo mercado funciona agora através da interconexão de APIs (application programming interfaces), que resultam na criação de serviços que funcionam como um mosaico de soluções responsáveis, cada uma, por uma pequena parte do sistema desenvolvido para atender uma nova necessidade que, provavelmente, sequer existia antes da invenção da startup.

Quer exemplos de como a “API Economy” já está impactando nossas vidas?

Bate aquela fome e você decide pedir um delivery no Uber Eats pelo celular. O app te localiza pelo Google Maps, encaminha ofertas de restaurantes da sua região e recebe o pedido através de uma plataforma criada por um desenvolvedor especialista em Android ou iOS que montou a solução a partir da integração de outras dezenas de aplicações. O pagamento é processado por uma empresa de meio de pagamento, como por exemplo, Paypal, Stone, Stripe, ou Pagseguro, e a encomenda é encaminhada para o restaurante e para empresa de motoboy, que estão conectadas com a plataforma do serviço de entrega da Loggi. 

O que o Uber Eats faz é basicamente conectar clientes e restaurantes através de APIs. Ele não é proprietário dos restaurantes ou das motos. Não emprega os chefs de cozinha ou os motoboys. Os donos dos restaurantes tampouco são donos da frota de motos e patrões dos entregadores. O mesmo acontece com o Airbnb, que é a maior empresa de hospedagem do mundo sem ser dona de um único sofá, ou o Uber, a maior empresa de transporte urbano do planeta sem possuir um único carro. 

Video – ProgrammableWeb.com

Porque os Negócios Precisam de APIs para Alavancar a Inteligência Artificial

Estas empresas disruptivas, que quebraram modelos enraizados em seus mercados, são apenas a ponta do iceberg da economia baseada em APIs. O principal desafio para sua expansão está, primeiro, na padronização de protocolos para troca segura de informações, que são definidos através da Open API Specification e da Open Connectivity – primeiro padrão para Internet das Coisas – e, segundo, na privacidade de dados. 

Mas o mundo está se movimentando rapidamente para impedir que a inovação seja bloqueada pela falta de regulamentação. Por aqui tivemos a publicação no ano passado da Lei Geral de Proteção de Dados e o Banco Central divulgou recentemente o começo da definição das regras do Open Banking, permitindo que os grandes bancos, até aqui alicerçados por uma alta concentração de mercado, desenvolvam e abram APIs para integração de serviços de outras instituições. A União Europeia já tinha colocado em vigor a PSD2 (Payment Services Revised Directive). O Reino Unido e países asiáticos também já regularam o mercado.

Com a abertura para entrada de novas fintechs, o consumidor poderá ter acesso a serviços que antes não estavam ao seu alcance nas grandes instituições. Graças a “API Economy”, as startups terão os dados e recursos tecnológicos necessários para atender estes novos clientes. Caso tivessem que desenvolver sistemas próprios de transações financeiras, análise de perfis de crédito e de risco e uma enorme parafernália para lançar seus serviços, as fintechs basicamente não existiriam. 

Video Tedx Talks – Henri Arslanian

Como as Fintechs estão Desenhando o Futuro dos Bancos

Esta é a beleza desta nova economia – o empreendedor não precisa investir em toda estrutura técnica e operacional para ativar seu serviço. Como num Lego, basta conectar seu front-end com um back-end formado por inúmeras aplicações de terceiros, que evoluem constantemente e são criadas em alta velocidade na medida em que há várias empresas especialistas focadas especificamente no desenvolvimento de novas tecnologias. E assim, sem perder o “time to market”, a novata está pronta para oferecer a melhor experiência aos seus clientes. 

Com a evolução de novas tecnologias para troca segura de dados, como o blockchain, a tendência é que a “API Economy” ganhe um forte impulso, estimulando que negócios tradicionais abram suas aplicações e se conectem a outras para criação de novos serviços, que poderão ser oferecidos pelo celular, tablet, voicebot, wearable, seu carro, sua geladeira, qualquer coisa.

E todas estas ‘coisas’ serão controladas por ‘cadeias globais’ alicerçadas em softwares que rodam na nuvem. Ou seja, todos os seus dispositivos, do celular ao carro, da geladeira a Smart TV, serão acessados remotamente. Uma TV Sony será monitorada por um software instalado em servidores da empresa no Japão. Seu carro BMW estará conectado com servidores na Alemanha. E assim por diante. 

Está pronto para ter sua vida controlada por empresas globais?

Por este motivo que as leis de proteção de dados são (e serão) muito importantes.

 É justamente por isso que o mercado baseado em APIs é sedutor e irá criar uma avalanche de novos serviços. Um levantamento feito pela McKinsey estima que será possível gerar US$ 1 trilhão em novas receitas globalmente através da redistribuição de receitas de setores para ecossistemas, o que faz da “API Economy” estratégica para interconectar negócios com plataformas. 

Como bem pontua Kristin R. Moyer, vice-presidente e analista do Gartner, a “API Economy” viabiliza transformar um negócio ou organização em uma plataforma. As plataformas multiplicam a criação de valor porque viabilizam ecossistemas de negócios dentro e fora da empresa consumando conexões entre usuários e facilitando a criação e a troca de bens, serviços e moedas sociais para que todos os participantes possam capturar valor”. 

A expectativa é de que na Economia das Coisas um grande número de novos negócios surjam para cuidar de uma pequena parte do ecossistema, desenvolvendo soluções tecnológicas que atendam um conjunto enorme de novas startups que, ao final do dia, nada mais são do que empresas de serviços que conectam produtos e pessoas através de dispositivos (coisas) turbinados com multiaplicações. Basta um toque na tela para transformar desejo de consumo em realidade. E não vai faltar empresa disposta a atender seus desejos, aumentando a pressão sobre os líderes para pensarem em novos modelos de negócios baseados em APIs.

E oferta é o que não falta na nuvem. Há pelo menos 20 mil APIs públicas para todas as finalidades imagináveis e inimagináveis no diretório da Programmableweb, que, como pequenas peças de Lego, permitem a criação de novos negócios. 

O interesse pela “API Economy” vem se refletindo nos investimentos do venture capital em startups de API que, no ano passado, alcançaram US$ 1,06 bilhão em rounds com ticket médio de US$ 12,1 milhões, o dobro de 2017, de acordo com a Crunchbase e dados divulgados pelas empresas. O maior investimento foi na empresa de processamento de pagamentos Stripe, liderado pela Tiger e seguido por Sequoia, Kleiner Perkins e outros VCs. Foram registradas também 25 aquisições, 32% mais do que no ano anterior. A maior foi a da MuleSoft pela Salesforce por US$ 6,5 bilhões.

Empresas de API de capital aberto atingiram resultados impressionantes no ano passado. A Twilio, que desenvolve aplicações de voz e mensagens, alcançou valor de mercado de US$ 9,5 bilhões, um crescimento de 258% em 12 meses. A SendGrid, que oferece APIs para envio e monitoramento de mensagens, bateu um valuation de US$ 2,18 bilhões, um crescimento de 118% no valor das ações.

Aos que ainda acham que a “API Economy” é só mais uma onda tecnológica passageira recomendo prestar atenção nos números do relatório da MuleSoft. 35% dos líderes de TI entrevistados dizem gerar mais de ¼ do faturamento das empresas nas quais trabalham através de serviços montados com APIs. 

O estudo, feito com 560 executivos de TI, revelou que 97% das empresas estão atualmente desenvolvendo ou planejando desenvolver iniciativas de transformação digital; 90% dos executivos acreditam que se não concretizarem estas iniciativas as empresas irão perder receita.

Mas se tudo que iremos será consumir será através de “API companies” o que será das empresas que ainda não acordaram para urgência de embarcar na Transformação Digital?

Bem meus amigos, estas deverão baixar as portas. Não é uma previsão catastrófica, permitam-me dizer. Basta observar o comportamento da nova geração de consumidores, que não concebe pedir uma pizza ou chamar um táxi pelo telefone. Eles também não querem um banco supercomplicado, repleto de serviços que não precisam e um monte de taxas. Eles querem conforto, praticidade e ofertas customizadas, que serão mais e mais o motor da “API Economy”, sustentada por dados integrados provenientes de inúmeras aplicações de inúmeros fornecedores.

Para avaliar em que estágio está seu negócio, responda as questões abaixo publicadas no relatório da IBM “Evolution of the API Economy”:

  • Como a adoção de API está integrada com a estratégia digital da sua organização?
  • De que maneiras, internas e externas, as APIs são atualmente utilizadas por sua organização?
  • Como identifica oportunidades existentes no seu mercado para sua organização acessar através de APIs?
  • Que ativo digital único sua organização possui que poderia ser mais efetivamente explorado através do uso de APIs?
  • Que pessoas na sua organização são responsáveis por identificar potenciais APIs que poderiam adicionar valor aos seus produtos e serviços já existentes?

Se você lidera um negócio, seja qual for o segmento, sugiro avaliar rapidamente se há oportunidades de APIzar sua oferta, criando um novo serviço a partir de alianças que te ajudarão a gerar novos leads e parcerias de negócios, trazendo novas oportunidades de monetização e, finalmente, mais receita. 

Ou você embarca na economia digital ou corre o risco de perder mercado para uma empresa com talentos para transformar dados em startups concorrentes. Não se trata apenas de usar ferramentas tecnológicas, mas de redefinir sua estratégia de negócios e pensar que valor esta transição digital irá agregar ao seu modelo, seja utilizando APIs de parceiros para escalar ou lançando sua própria API para atrair parceiros e criar sua própria plataforma ou as duas alternativas. 

E então? Está pronto para embarcar na “API Economy” ?

 

(*) Omarson Costa atua como Conselheiro de Administração, com formação em Análise de Sistemas
e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira,
registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet

 

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Este artigo representa minhas opiniões pessoais.
Toda crítica é bem-vinda desde que seja feita com o merecido respeito. 

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