Fique atento! Recriação da CPMF pode pesar mais no bolso do contribuinte
Tributo incidiria (também) sobre transações pela internet
Por MARTHA IMENES
A volta da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que pode até ganhar um nome chique vindo lá "das gringas", vai contra o que o então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, prometeu na campanha de 2018.
Já eleito, o presidente garantia: "De forma alguma isso daí vai voltar, talkey?". O "isso daí" seria o imposto nos mesmos moldes da CPMF, que era de 0,38%. Mas, desde o ano passado, o ministro da Economia Paulo Guedes vem insistindo na volta de um tributo para cobrir as despesas do governo.
Publicidade
No domingo passado, inclusive, o próprio Bolsonaro deu aval ao ministro para "testar" esse imposto, que vai incidir sobre operações financeiras feitas no ambiente físico e pela internet, entre elas pagamentos e compras. Essa "velhidade" - afinal esse imposto não tem nada de novidade -, foi duramente criticada por economistas e parlamentares.
"Todo mundo sabe que CPMF, não importa o nome que se dê a este imposto, é péssimo. É regressivo", adverte a economista Elena Landau, ex-assessora da presidência do BNDES e ex-diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. E acrescenta: "(A CPMF) É um imposto de quem tem preguiça de fazer uma reforma. Imposto de quem não quer ceder ao fato de que no Congresso já existe uma avançada discussão sobre reforma".
Publicidade
Só para explicar: O governo Bolsonaro está enviando a Reforma Tributária ao Congresso de forma fatiada. A primeira parte da proposta sugere unificar dois tributos sobre o consumo, PIS e Cofins e criar o CBS, que deve ficar 12%. Uma outra parte da reforma deve ser apresentada no dia 15 de agosto. Nela estariam mudanças no Imposto de Renda e desoneração para o setor de serviços.
Questionada pelo jornal O DIA se esse teste - a que se referiu Bolsonaro no domingo - seria um "balão de ensaio" a economista foi firme: "Não é balão de ensaio. É um desejo real de Guedes e ele vai fazer tudo para passar e colocar a ajuda do Centrão à prova".
Já para o economista Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, a aprovação do imposto deve ser barrada no Congresso. "É muito difícil aprovar a CPMF sob quaisquer condições. Veja que o Rodrigo Maia (presidente da Câmara) já saiu batendo". Segundo ele, o caminho (para equacionar as contas) não é esse. "Enquanto a economia estiver no chão, o recomendável é deixar os tributos em paz e tentar outros caminhos", avalia.
E quais seriam? "Eu venho propondo o equacionamento do passivo atuarial da previdência dos servidores via destinação de ativos aos fundos que forem criados. Assim seria possível abrir espaço nos orçamentos para aumentar investimentos para reativar a economia", conta Velloso.
Publicidade
'Setor de serviços está sendo asfixiado', adverte senador do PSL
E o setor de serviços, como fica? A cobrança parte do senador Major Olímpio (PSL-SP), que avalia que o governo deveria fazer uma Reforma Tributária que contemplasse já neste momento o setor. Segundo ele, o Ministério da Economia aumenta a tributação com o fim do PIS e Cofins e cria a CBS de 12%, mas ao mesmo tempo diz ao setor de serviços: "Eu estou te matando asfixiado mas vou te garantir o céu com a desoneração", que deve vir em outro momento, conforme garantido pelo ministro Paulo Guedes.
Publicidade
Mas, segundo o senador, "ninguém acredita de fato nas próximas fases (da Reforma Tributária) que o governo diz que encaminhará, principalmente a alíquota sobre transações eletrônicas", o imposto "tipo CPMF" deve incidir, sobre todo tipo de movimentação financeira, inclusive as digitais.
Até porque, diz Major Olímpio, o presidente será cobrado por conta da volta do imposto que foi garantido, na época da campanha presidencial que não voltaria. "Eu garanto que cobrarei, mas quem está no 'toma lá, dá cá' normalmente não cobra nada além do aumento do número de cargos e grana", afirmou o senador, se referindo aos partidos políticos que cobraram cargos e liberação de recursos para apoiar o presidente em seus projetos na Câmara e no Senado e barrar um possível impeachment.
Publicidade
Perguntado pelo jornal O DIA se não seria o caso de o governo enxugar as despesas da máquina pública para equilibrar as contas, o senador foi enfático: "(O governo) não fará. Ampliou os cargos com o toma lá, dá cá" (com o Centrão).
Ainda segundo Major Olímpio, é necessário encontrar uma fonte de custeio para a seguridade, por isso a Reforma Tributária precisa ir adiante, e descarta, novamente, a volta da CPMF. "Pode cravar o que estou dizendo: ele (Bolsonaro) vai esperar as redes sociais e ver o que os seus pensam", garantiu Olímpio.
Publicidade
Para o pesselista, o Guedes está barganhando com Bolsonaro: "Me dá a CPMF que e eu te dou o Renda Brasil", programa que vai criar uma renda mínima para todos os brasileiros que estão em situação de vulnerabilidade social. Olímpio adverte que "os bolsonarianos não aceitariam CPMF, mesmo Guedes dizendo 'tem boca de jacaré, bafo de jacaré, couro de jacaré, mas não é jacaré'".
Economista alerta: imposto vai penalizar mais população
Publicidade
O retorno da CPMF, com quer o ministro Paulo Guedes, traz à luz um outro problema fiscal: hoje em dia o brasileiro já paga duas vezes o Imposto sobre Operação Financeira (IOF) nos empréstimos e financiamentos. Com a "velhidade" que o ministro Paulo Guedes quer trazer de volta, será mais um tributo em cima de transações financeiras. O alerta é da economista e professora convidada dos MBAs da Fundação Getulio Vargas, Myrian Lund.
"É bom lembrar que quando a CPMF acabou ficou um rastro em todos os empréstimos bancários. Já existia um IOF, hoje em 3% ao ano, e quando a contribuição provisória perdeu a validade foi criado um IOF de 0,38% (o mesmo percentual da CPMF) sobre o valor do empréstimo. Isso ninguém comenta. Quem principalmente paga por isso é a classe média", alerta a professora.
Publicidade
Ela adverte que neste momento, por conta da pandemia de coronavírus, o IOF dos empréstimos foi liberado, mas essa suspensão vai somente até setembro. Segundo Myrian, "o governo está estimulando o consumo para a economia crescer e ainda vai obrigar as pessoas a pagar 0,2% sobre os produtos". Esse estímulo a que se refere a professora é a liberação de saques emergenciais do FGTS e o auxílio emergencial. "Parece pouco (o 0,20%), mas não é", alerta Myrian Lund.
"Repare que a taxa básica da economia (a Selic) está em 2% ao ano. Ao aplicar o dinheiro na poupança, o poupador vai ganhar 1,4% ao ano, o que equivale a 0,11% ao mês", pontua a economista. "São quase dois meses de rendimento da poupança que ele (o governo) está tirando do poupador", adverte a professora.
Publicidade
Ou seja, segundo Myrian, o brasileiro além de estar gastando dinheiro nas compras online pagará também o equivalente a dois meses do rendimento da caderneta de poupança de imposto. "Em dois meses na poupança o consumidor ganharia 0,22%, o governo estará levando 0,20%", acrescenta a economista.
"É extremamente negativo para o consumidor. A inclusão bancária das pessoas físicas seria justamente para estimular o acesso ao banco e principalmente aos meios digitais de pagamentos, que são mais baratos", lamenta a economista.
Publicidade
Maia diz que 'nova CPMF' não passa na Câmara
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a criticar a eventual proposta do governo Bolsonaro de criar mais um imposto mas, mesmo assim, demonstrou otimismo sobre a aprovação da Reforma Tributária até o final do ano. Maia foi além e cobrou o envio da Reforma Administrativa ao Congresso.
Publicidade
"Se a gente achar que vamos dar um jeitinho, criando mais um imposto, vamos taxar mais a sociedade e teremos que discutir a despesa pública. Não há espaço para aumentar a despesa pública", disse Maia durante evento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo jornal Folha de S.Paulo na semana passada.
"O presidente Jair Bolsonaro vai enviar a proposta? Encaminhe a proposta (do imposto 'tipo CPMF'). A minha opinião é que não vai passar. Eu jogo muito transparente na política, não jogo pelas costas. Eu afirmo que sou contrário e que trabalharei contra", completou.
Publicidade
Mas, segundo o ministro Paulo Guedes, nem Maia, nem Bolsonaro podem "interditar" o debate sobre a criação do imposto. A afirmação foi feita pelo ministro ao defender a proposta de Reforma Tributária do governo a deputados e senadores na quarta-feira.
A velha prática da "barganha", citada pelo senador Major Olímpio, também foi citada pelo presidente da Câmara.
Publicidade
Segundo Maia, não teria cabimento o governo Bolsonaro fazer uma proposta que condicione a desoneração da folha de pagamento de todos os setores à aprovação de um novo tributo. "Se queremos desonerar a folha, vamos olhar as despesas públicas. Onde cortar para desonerar? Não adianta aumentar a carga tributária", disse Maia.
Para ele, a criação do imposto seria "incoerente" e afirmou que é "radicalmente contra" o aumento da carga tributária. "Minha opinião não é se é CPMF ou imposto sobre transações digitais. Daqui a pouco vão inventar um nome em inglês para ficar mais bonito e a sociedade aceitar. Um alerta: se isso acontecer, vamos cometer o mesmo erro do passado", advertiu Maia.
Publicidade
E por falar em passado... O senador Major Olímpio (PSL-SP) lembrou que a volta da CPMF foi descartada por Bolsonaro na época da campanha presidencial. E sobre seu possível retorno, como quer Guedes, disparou: "Será um estelionato eleitoral".
Tributo foi cobrado por 11 anos
Publicidade
Guadalupe Miranda Carvalho, de 50 anos, reclama da falta de informações sobre a movimentação para recriar o imposto. Ela avalia que o governo não informa justamente para a população ficar perdida e ser pega de surpresa. "A CPMF já está sendo cobrada há muito tempo, ela está embutida em outras transações financeiras", diz.
A afirmação de Guadalupe encontra respaldo no que informou ao O DIA a economista Myrian Lund. No mesmo período que foi extinta a CPMF, o governo criou um IOF com os exatos 0,38%. "É injusto e desumano criar mais um imposto", lamenta.
Publicidade
A CPMF foi criada em 1996 para assumir o lugar do Imposto sobre Movimentação Financeira (IPMF) de 0,25%, mas só passou a vigorar em 23 de janeiro de 1997. Essa primeira contribuição provisória foi extinta em janeiro de 1999. Para garantir uma fonte de recursos, o governo criou um outro tributo para o seu lugar. Nasceu então o Imposto sobre Operação Financeira (IOF). Quando a contribuição provisória voltou a ser cobrada o IOF continuou ali "escondidinho".
A alíquota subiu e desceu e ficou no maior patamar. A primeira CPMF, que era 0,25%, subiu para 0,38%. Em 17 de junho de 2000 caiu para 0,30% e em 19 de março de 2001 voltou para 0,38% e foi assim até dezembro de 2007. Agora pode chegar a 0,60%.
Publicidade
População reclama de tanto imposto
As conversas sobre volta da contribuição, o imposto "tipo CPMF" pegaram Maria Isabel Almeida dos Santos, de 64 anos, de surpresa. Ela estava internada com covid-19 e não tinha contato com ninguém. E quando teve alta hospitalar, evitou ver o noticiário. Ela conta que o marido morreu vítima da doença e ver o sofrimento de outras famílias pela TV a deixa abalada.
Maria Isabel reclama da quantidade de impostos que a população brasileira é obrigada a pagar. "Mais um imposto. A gente já paga tanto imposto na vida, e em cima de qualquer mercadoria", diz Maria Isabel, que afirma ser contra o tributo e lamenta a alta carga tributária.
E, ao que tudo indica, haverá aumento de carga tributária. De acordo com a primeira parte da reforma haverá um novo modelo de tributações sobre o consumo. vale lembrar que a CBS (substituta de PIS/Cofins) será de 12%. Mas a cobrança de PIS e Cofins, que serão extintos, é menor. No regime cumulativo os tributos estão em 0,65% (PIS) e 3% (Cofins). Já no regime não cumulativo a alíquota é maior: sendo 1,65% para o PIS e 7,6% para o Cofins.
Para se ter uma ideia, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo - que mede quanto o brasileiro gasta em impostos -, em um ano a população precisou trabalhar 151 dias só para pagar tributos.