Cleidemara, moradora da favela de Manguinhos, perdeu as vendas nas ruas com a pandemia de coronavírusDivulgação

Por MARTHA IMENES
A destinação de R$ 43 bilhões para pagamento do auxílio emergencial para beneficiar 45,6 milhões de pessoas em todo país não chega nem perto das pessoas que foram atendidas pelo programa do ano passado. Naquele período, foram destinados R$ 294,95 bilhões para 68,2 milhões de pessoas, conforme dados enviados ao jornal O DIA pelo Ministério da Cidadania. Ou seja, o valor atual representa apenas 15% do que foi destinado ao pagamento em 2020. Ou seja, 23 milhões de brasileiros foram excluídos do programa. Ao mesmo tempo que o valor do auxílio despenca, o número de óbitos por covid dispara: mais de 285 mil pessoas morreram em decorrência da doença no país.
O "benefício" de R$ 150 a R$ 375, criado para conter os efeitos da pandemia de coronavírus sobre a população mais pobre e trabalhadores informais que perderam a renda, provocaram críticas de diversos segmentos, que ressaltaram sua insuficiência, e apelaram para a volta dos R$ 600, o "seiscentão" do ano passado. O texto da medida provisória já está no Congresso e a expectativa é de que os parlamentares - à exemplo do que fizeram no ano passado - alterem o valor desse "trocadinho".
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"A forma como o governo federal lidou com a crise financeira que se abateu sobre milhões de lares, remetendo famílias inteiras para o estado de insegurança alimentar, foi desumana. O valor estipulado não permite a nenhum desempregado viver com um mínimo de dignidade", critica Antonio Costa, presidente da ONG Rio de Paz, que tem promovido atos e manifestações cobrando o retorno do auxílio de R$ 600.
"Estabelecer um prazo final para o pagamento do auxílio emergencial sem que se tenha um prazo final para as crises sanitária e de desemprego é uma irresponsabilidade. Cancelar o socorro financeiro em dezembro do ano passado para somente renová-lo quase três meses depois, em pleno recrudescimento da pandemia, é sintomático da indiferença da classe governante brasileira para com o drama dos despossuídos", lamenta.
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O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) chamou atenção para o preço do gás de cozinha, que hoje já passa de R$ 100 em algumas regiões. Segundo ele, "o valor é insuficiente para a pandemia paralela da fome que estão vivendo os brasileiros". O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) também faz críticas: "A proposta de auxílio emergencial de R$ 250 de Bolsonaro não paga nem a metade da cesta básica em várias cidades. É uma covardia".
Para mostrar como a população mais pobre se sente desamparada pelo governo federal, O DIA trouxe o drama de Cleidemara de Oliveira Aguiar, de 37 anos, "socorrida" pela ONG Rio de Paz. O caso dela é o mesmo de milhões de brasileiros que estão abaixo da linha da pobreza e desempregados: eles perderam o auxílio encerrado em dezembro de 2020 em plena pandemia e não conseguem trabalho.
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Moradora da comunidade Beira-Rio, em Manguinhos, no Rio, Cleidemara trabalha como ambulante vendendo refrigerante, água e salgado e tem seis filhos. Mas com a pandemia viu sua renda desabar. Ela conta que o marido tem emprego informal sem qualquer garantia trabalhista e salário fixo. "O que eu vou fazer com R$ 200? A gente vai ao mercado e está tudo o olho da cara", desabafa. Segundo ela, os R$ 600 poderiam ajudar a família a sobreviver nesse período. "Só o aluguel aqui na comunidade está R$ 350, R$ 400. Vamos viver como?", questiona.

'Seiscentão' aqueceria a economia
A necessidade de investimento público neste momento crítico da pandemia é destacada pelo professor Mauro Osório, economista e diretor da Assessoria Fiscal da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Ele conta que a justificativa para não dar os R$ 600, o endividamento, poderia ser contornado se o Brasil emitisse moeda (real). Desta forma poderia estender o auxílio enquanto durar a pandemia.
Mas e a inflação? Ele explica que a emissão não impactaria a inflação e nem as contas públicas. "Injetar papel novo na economia não traria impacto inflacionário", conta Osório. E complementa: "O Brasil tem US$ 300 bilhões de reserva, não há risco de endividamento".
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Ele acrescenta que a extensão do auxílio ajudaria, inclusive, a aquecer a economia. "Os impostos no Brasil são indiretos, como IPI e ICMS, por exemplo. Isso quer dizer que essa população que recebe o auxílio quando faz compra 'devolve' dinheiro pro governo", diz.
Dinheiro em mãos erradas
Das 68,2 milhões de pessoas que receberam o auxílio em 2020, 13,7 milhões não deveriam receber o dinheiro, indica avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma ideia de como o dinheiro caiu em mão erradas, o Ministério da Cidadania e a Controladoria-Geral da União (CGU) identificaram casos de funcionários públicos, empresários e pessoas de alta renda que tiveram acesso ao benefício.
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O TCU estima que 13,7 milhões receberam em situação irregular, sendo 7,3 milhões de beneficiários fora do público-alvo previsto pela legislação, o que representa um volume de gastos até o final do ano de R$ 29 bilhões; e 6,4 milhões de famílias monoparentais femininas, com pagamento aproximado de R$ 25,6 bilhões. A soma dos dois valores, dá uma estimativa de R$ 54,7 bilhões de possíveis pagamentos indevidos.
E quem recebeu indevidamente tem que devolver o dinheiro, mas o número de devoluções, até dezembro, ficou muito abaixo do esperado: somente 243,6 mil pessoas devolveram ao governo federal R$ 227,4 milhões do auxílio emergencial.