Publicado 28/03/2021 08:00
As mulheres brasileiras têm pouco a comemorar quando o assunto é acesso aos direitos previdenciários. A pandemia de coronavírus, as novas flexibilizações das leis trabalhistas e a Reforma da Previdência, aprovada em novembro de 2019, dificultaram o caminho das trabalhadoras para alcançar o direito de se aposentar e demais benefícios do INSS.
Estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), organismo das Nações Unidas, aponta um retrocesso de 10 anos na participação das mulheres no mercado de trabalho. O documento aborda os efeitos da pandemia sobre o emprego e a renda das mulheres: em 2020, 118 milhões de mulheres estavam em situação de pobreza, 23 milhões a mais que em 2019.
Na opinião da advogada Lariane Del Vecchio, a pandemia deixou mais clara a desigualdade de gênero e a vulnerabilidade das mulheres. "Com o agravamento da pandemia vem a obrigação do distanciamento social afetando a economia, a vida social e principalmente as relações de trabalho e previdenciárias", avalia.
Falta de emprego e demora na recolocação, a contribuição não e feita. "Isso afeta diretamente a obtenção de qualquer benefício do INSS, até mesmo a aposentadoria", frisa Lariane.
O advogado Leandro Madureira chama atenção para os requisitos de elegibilidade de tempo de contribuição e de idade serem menores que dos homens. "Contudo, isso não é um privilégio, mas apenas um ajuste social relativo à proteção social, tendo em vista que historicamente as mulheres têm maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, além de receberem menores salários. Invariavelmente, seus benefícios tendem a ser menores que os concedidos aos homens".
Para melhorar o sistema previdenciário, diz Madureira, é preciso que se contemple as mulheres trans e travestis: "Em uma população que tem expectativa de sobrevida de 35 anos, não é crível impor uma idade mínima de 60 anos para que elas possam se aposentar. Quanto às mulheres e homens cis, é importante que inadequações previstas na reforma possam ser corrigidas, permitindo que haja diferenciação justa".
Reforma dificultou o acesso à aposentadoria
Além dos obstáculos impostos neste primeiro ano de pandemia, a Reforma da Previdência endureceu o caminho para as mulheres terem acesso à aposentadoria. "Sem dúvida alguma as mulheres foram mais penalizadas com a Reforma da Previdência. Com as novas regras, o governo jogou por terra as medidas de redução de desigualdade de gênero que existiam. Por exemplo, a reforma desconsiderou que as mulheres trabalham mais que os homens durante a vida, pois geralmente cumprem jornada dupla, ou seja, trabalham no emprego e em casa", pontua o advogado Celso Joaquim Jorgetti.
A principal mudança para as mulheres foi na regra para a aposentadoria. Antes, era possível aposentar por dois caminhos: tempo de contribuição e ou por idade. Por tempo de contribuição eram necessários 30 anos, independente da idade. Exemplo: Uma mulher que começou a trabalhar com 18 anos e passou três décadas trabalhando com carteira assinada, poderia se aposentar com 48 anos. Já por idade a mulher podia se aposentar aos 60 anos e com 15 anos de contribuição. "Após a Reforma da Previdência, ficou determinado que para se aposentar a mulher deve ter contribuído por no mínimo 15 anos, e a idade mínima subiu para 62 anos", informa Jorgetti.
Outra modificação da reforma que prejudicou muito as mulheres foi no benefício da pensão por morte. As viúvas, mães, filhas, ex-cônjuges e irmãs representam 83% dos que recebem esse tipo de pensão do INSS. "Os dependentes (principalmente mulheres) não vão mais receber o mesmo valor da aposentadoria que o segurado que faleceu tinha direito. No caso da viúva o benefício será de 60% do valor original se não tiver filhos. Se tiver filhos, a pensão terá um acréscimo de 10% por dependente até o teto de 100%. Mães, filhas e irmãs, se for o caso, o benefício será de apenas 60%", alerta. Atualmente mulheres e homens têm direito à pensão por morte. "Em regra os benefícios previdenciários são criados para ambos os gêneros", complementa o advogado Marco Aurélio Serau Junior.
Salário-maternidade na adoção
Entre os principais benefícios previdenciários das mulheres está o salário-maternidade, que é o benefício concedido à segurada da Previdência Social, durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste. "Ao segurado ou à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança também é devido salário-maternidade pelo período de 120 dias", diz o advogado João Badari.
Os demais benefícios previdenciários devidos aos segurados e dependentes da Previdência Social também são concedidos às mulheres. São eles: aposentadorias (por idade, por tempo de contribuição, por invalidez, especial); auxílio-doença; auxílio-acidente; salário-família; pensão por morte e auxílio-reclusão. Há ainda os serviços da Previdência Social, como a reabilitação profissional e o serviço social.
INSS dificulta concessão de auxílio por incapacidade
O caso de Jozilaine Bezerra da Silva, de 57 anos, que O DIA noticiou em 25 de novembro de 2018, já se arrasta no INSS por longos anos. Há quase 3 o jornal tem mostrado o seu drama. Jozi, como é chamada por familiares e amigos, teve o auxílio-doença suspenso mesmo com laudos médicos que comprovam a doença incapacitante (gonartrose bilateral crônica) e exames em dia. Na época, a segurada foi orientada pelo próprio INSS, a dar entrada em novo auxílio-doença, mas teve o benefício negado. Desamparada pelo Estado, Jozi questionou na época: "Como vou fazer para sobreviver?". Jozi, assim como tantas outras mulheres, terá dificuldade para se aposentar.
A saída foi entrar na Justiça para tentar receber o benefício. E conseguiu, só que com a alta programada, o auxílio-doença foi suspenso novamente. Mesmo com os laudos médicos em dia, o perito emitiu um parecer contrário ao que foi apresentado e o benefício foi suspenso. "Um ano sem receber nada e impossibilitada de trabalhar porque as cartilagens dos joelhos se foram", lamenta Jozi.
A advogada Monique Maia, do escritório Félix e Sousa, explica que, como postos ficaram fechados por conta da pandemia, a alternativa era enviar os laudos e documentos pelo aplicativo Meu INSS informando a data de alta programada - quando o médico avalia que o tempo que o segurado pode voltar ao trabalho - para o instituto liberar o auxílio.
"Essa exigência acabou impossibilitando a segurada de ter o benefício, pois o Hospital Marcílio Dias, onde Jozi é tratada, não dá esse tipo de laudo com data fixa para suspensão porque não é possível afirmar com antecedência se o paciente estará apto naquela data", conta Monique.
A advogada informa ainda que quando as perícias médicas foram retomadas ela realizou o atendimento, mas o INSS negou o auxílio-doença administrativamente. "Na Justiça fizemos o requerimento para passar por perícia judicial. Também pedimos auxílio-doença e aposentadoria na tentativa de que a história não se repita", finaliza Monique. O juízo marcou a perícia da Jozilane para o dia 5 de abril.
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