Publicado 27/06/2021 14:00 | Atualizado 07/07/2021 17:13
De extrema importância para o bolso dos brasileiros, a capitalização da Eletrobras está cada vez mais próxima de ser emplacada. Na última segunda-feira, 21, foi aprovada pelo congresso a Medida Provisória (MP) 1031/2021 que, agora, aguarda a sanção presidencial e deve receber uma decisão até o dia 12 de julho – final do prazo estabelecido. Uma pesquisa do grupo de entidades empresariais União pela Energia calcula em R$ 84 bilhões o custo total para o consumidor das alterações promovidas pelo Congresso na proposta. Para esse consumidor, além de uma conta de luz mais salgada, pode ser necessário ter que lidar também com a alta no preço de alimentos como o frango ou itens da cesta básica.
Caso aprovada, essa será a primeira "privatização" conquistada pela gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) que, com Paulo Guedes no comando na Economia, havia apostado em uma política liberal pautada pelas desestatizações. No caso da Eletrobras, o que, de fato, ocorrerá é a chamada capitalização, que consiste na emissão de novas ações e a posterior venda, por meio de uma oferta pública, para a iniciativa privada, diluindo a participação da União. Com isso, a expectativa é a de que o governo reduza a detenção do capital dos atuais 61% para 45%. No entanto, o Estado ainda manterá uma posição de importância dentro do grupo dos acionistas, com a Golden Share. Esse termo é utilizado para designar uma ação de classe especial, que irá garantir à União o poder de vetar decisões estratégicas dentro do conselho de acionistas.
A tramitação dessa proposta aconteceu por meio da chamada Medida Provisória e não por um Projeto de Lei, o que é um dos pontos criticados por especialistas de diversas posições. Devido ao seu caráter emergencial, necessário para dar seguimento ao projeto de forma acelerada, essa medida também permitiu, por exemplo, inúmeras alterações durante sua votação - são os chamados “jabutis”.
“A privatização, em tese, é para você aumentar a concorrência e diminuir custos. A MP faz exatamente o contrário, porque ela diminui a concorrência, cria reservas de mercado, favorece pequenos grupos e aumenta os custos. Só esses ‘jabutis’ já fazem a conta subir”, explica Susana Botár, advogada do Fishgold Benvides Advogados e assessora jurídica da Frente Servir Brasil.
Apesar dessas emendas, a Economia continua com previsões otimistas. Para os cofres públicos, segundo o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, a capitalização pode gerar mais de R$100 bilhões e permitir uma redução de até 7,36% na tarifa aos consumidores. Os dados, no entanto, se chocam com as previsões de especialistas e com o texto aprovado pelo congresso, que escancaram essas diversas alterações temáticas que podem prejudicar o consumidor.
Essas alterações são pontos importantes, que vão além da desestatização da companhia e foram incluídos durante a tramitação da MP na Câmara e no Senado. Os “jabutis” preveem uma série de concessões a serem feitas durante o processo de capitalização, o que pode pesar no bolso do trabalhador.
Para a advogada Lígia Schlittler, sócia da área de Energia do Felsberg Advogados, a partir do momento em que essas emendas aumentam o custo de produção de energia, esse impacto será sentido em diversas frentes da economia. “Havendo aumento de tarifa de energia, o país sofrerá em vários níveis, seja porque a energia elétrica para o consumidor cativo ficará mais cara, seja porque, com o aumento do custo, é natural que ocorra também um aumento do preço de bens e serviços”, disse.
Confira alguns dos “jabutis” incluídos na proposta:
Contratação de termelétrica a gás
Durante a tramitação da MP, parlamentares incluíram a obrigatoriedade de contratação, por parte do governo, de 8 GW (gigawatts) em termelétricas movidas a gás, que deverão atender, principalmente, estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A grande questão a ser levantada é que, nesses locais, não há estrutura para comportar esse tipo de geração de energia. O que deverá ser feito, nesse caso é a viabilização do funcionamento dessas termelétricas, mediante a construção de gasodutos e infraestrutura para o transporte e produção dessa energia.
Durante a tramitação da MP, parlamentares incluíram a obrigatoriedade de contratação, por parte do governo, de 8 GW (gigawatts) em termelétricas movidas a gás, que deverão atender, principalmente, estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A grande questão a ser levantada é que, nesses locais, não há estrutura para comportar esse tipo de geração de energia. O que deverá ser feito, nesse caso é a viabilização do funcionamento dessas termelétricas, mediante a construção de gasodutos e infraestrutura para o transporte e produção dessa energia.
“Vai precisar de toda uma obra, um investimento para construir os gasodutos. Se é preciso construir o transporte do gás, isso vai ser incluído no preço da tarifa, então isso também é um aumento de custo para os consumidores”, explica a advogada Susana Botár.
Outro ponto a ser debatido é a interferência desses “jabutis” em preceitos que deveriam ser seguidos pelo setor de energia elétrica e que, com as novas emendas, acabam sendo deixados de lado e interferindo no valor pago pela energia. De acordo com especialistas, alguns dos princípios que regem o setor elétrico e as contratações pelo governo de uma forma geral são a neutralidade das fontes e a modicidade tarifária. Logo, a obrigatoriedade dessas contratações pode onerar o consumidor na medida em que o governo não só está contratando a fonte mais cara, como também determinando a instalação de usinas afastadas da infraestrutura necessária.
Além disso, há também a questão ambiental por trás dessa emenda. Por ser um combustível fóssil não renovável, a contratação desse tipo de energia acaba comprometendo ainda mais a pauta ambiental tão debatida no país.
"Se está sendo analisado com uma perspectiva de futuro, o ideal seria pensar em um modelo de planejamento energético que envolvesse mais energias verdes e renováveis e pensar menos em termoelétricas. Elas poluem e elas são mais caras, então não são tão interessantes. O ideal é que, para os próximos anos, fosse feito o planejamento de uma energia mais 'verde' ", pontua Susana.
Prorrogação de contratos do Proinfa
Outra medida que está sendo debatida e que pode prejudicar o consumidor é a prorrogação, por mais 20 anos, de prazos de contratos de energia eólica do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa). O Proinfa foi um programa desenvolvido em 2002 para incentivar a diversificação da matriz energética no país, portanto, há uma diferença no preço acordado e no preço dessa energia no mercado atual. Nesse sentido, a prorrogação desses contratos acaba impedindo o governo de ter acesso a preços mais competitivos.
Outra medida que está sendo debatida e que pode prejudicar o consumidor é a prorrogação, por mais 20 anos, de prazos de contratos de energia eólica do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa). O Proinfa foi um programa desenvolvido em 2002 para incentivar a diversificação da matriz energética no país, portanto, há uma diferença no preço acordado e no preço dessa energia no mercado atual. Nesse sentido, a prorrogação desses contratos acaba impedindo o governo de ter acesso a preços mais competitivos.
“O Proinfa era um preço especial, o governo estava pagando um prêmio para incentivar essas fontes. Então o preço pago nos contratos do Proinfa é um preço naturalmente mais alto do que o preço de mercado", explica Lígia Schlittler.
Segundo cálculos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a pedido da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), essa medida, por si só, já representará um acréscimo de R$ 182 milhões ao consumidor de energia.
Contratação de Pequenas Centrais Hidrelétricas
Um outro ponto controverso da medida foi a inclusão da obrigatoriedade de contratação, após a capitalização, de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Essas usinas tratam-se de uma produção energética muito específica, pouco difundida no Brasil e que representam, ao todo, menos de 4% do mercado no país. Por serem de menor porte, elas acabam não sendo vantajosas economicamente para o contratante, gerando um preço mais alto que, consequentemente, será sentido pelo consumidor.
Para a advogada Susana, esse ponto deixa clara a desvirtuação do tema central da MP, culminando no favorecimento de pequenos grupos com a chamada "reserva de mercado".
“Isso quebra a ideia da competitividade, já que é uma lógica de mercado no processo de capitalização. Então, você acaba não comprando aquela energia que seria mais vantajosa, mas novamente para favorecer um grupo de interesses”, explica.
Como a aprovação da MP pode afetar o dia a dia do consumidor?
Para Diogo Lisboa, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura (CERI) da FGV, a capitalização da forma como ocorreu tende a elevar as tarifas, embora isso não seja uma regra. O primeiro impacto dessa medida será sentido nas contas de luz, devido ao custo mais elevado para a geração de energia. Entretanto, esse aumento também pode chegar de uma forma menos visível.
Para Diogo Lisboa, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura (CERI) da FGV, a capitalização da forma como ocorreu tende a elevar as tarifas, embora isso não seja uma regra. O primeiro impacto dessa medida será sentido nas contas de luz, devido ao custo mais elevado para a geração de energia. Entretanto, esse aumento também pode chegar de uma forma menos visível.
Com o aumento das tarifas energéticas, a economia tende a sofrer de diversos lados, já que praticamente tudo depende de energia. No mercado, por exemplo, o preço dos alimentos também será impactado.
“No caso do frango, uma granja precisa de eletricidade o tempo todo para refrigeração, depois para o transporte desse frango congelado. É uma cadeia que tem muito consumo de eletricidade, então vários produtos que compõem a cesta básica do consumidor terão um encarecimento grande”, afirma o pesquisador.
Medida Provisória aprovada no Congresso
Após ser aprovada na Câmara e no Senado, a Medida Provisória aguarda a sanção do presidente Jair Bolsonaro que, ao que tudo indica, deverá ser concedida. Entretanto, a inclusão dos "jabutis" e a aceleração de forma "brusca" do processo de capitalização podem facilitar a judicialização da MP.
O líder da oposição na Câmara, deputado federal Alessandro Molon (PSB), por exemplo, afirmou que irá recorrer ao judiciário "contra a privatização da Eletrobras". Nomes como Cid Gomes (PDT-CE) e Álvaro Dias (Podemos-PR) também cogitam contestar a decisão, embora não haja garantias de mudanças após a sanção presidencial, mesmo com a judicialização desse processo.
*Estagiária sob supervisão de Marina Cardoso
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