Publicado 02/10/2023 05:00
Rio - Uma decisão da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo determina que a Uber, desde o dia 14, assine a carteira de trabalho de todos os seus motoristas ativos. Com abrangência nacional, o veredicto assinado pelo juiz Mauricio Pereira Simões voltou a esquentar o ainda inconclusivo debate sobre a regulação do vínculo empregatício de motoristas, motoboys e entregadores de aplicativos.
Diogo Silva, de 26 anos, integra o universo de mais de 380 mil entregadores ativos no país, segundo dados da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec). Portanto, acompanha os desdobramentos do caso. Há pouco mais de três meses, ele presta serviços de entrega para IFood e Rappi na Zona Norte carioca. De bicicleta, encara uma rotina de até 12 horas de trabalho. Apesar do desafio diário, se opõem a obrigatoriedade de ser registrado como CLT, mas anseia por melhores condições.
"Eu não concordo com a obrigação de assinar a carteira de entregadores. Gosto opção de poder decidir aumentar ou diminuir minha carga horária de acordo com a minha meta. O que acho que deve melhorar é o aumento do valor das taxas de entregas e por tempo logado no app. O pagamento de alimentação e plano de saúde ajudaria muito também. Mas, em resumo, prefiro autônomia, claro", disse.
O governo federal tenta contornar o impasse entre trabalhadores e empresas. Na segunda-feira, 25. o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que não é a intenção do governo obrigar as empresas de aplicativo a registrarem os trabalhadores. Após se manifestar a favor da regulamentação da atividade, em outras ocasiões, Lula reitera que a categoria tem o direito de tratamento digno e "com seguridade social".
"Essa gente tem que ser tratada com respeito. Não é que nós queremos obrigá-lo a trabalhar com carteira assinada. Não. Ele tem o direito de ser empreendedor individual. Mas ele tem o direito de ser tratado de forma decente, com respeito, com seguridade social", disse o Lula.
Na sentença da 4.ª Turma do TST, fruto de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP), a Uber foi condenada ainda a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos. A recente decisão cria insegurança jurídica e aumenta o risco de afastar investimentos, alegam as empresas do setor. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou contra a tese do TST, o advogado João Saraiva Júnior, da Saraiva & Veras Consultoria Jurídica, esclarece o hipotético embate.
"A rigor não há desobediência à decisão do STF, que é o guardião da constituição federal. A matéria posta em discussão é de direito do trabalho, cuja competência para julgamento é dos TRT's e TST... Dessa forma, percebe-se que o julgamento realizado pelo STF não encerra matéria trabalhista, que não é de sua competência", explica Saraiva Júnior.
Na prática, o STF fixou a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1054110, que, resumidamente, propõe as seguintes teses:
- Proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência;
- No exercício de sua competência para a regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal (Constituição Federal, artigo 22, inciso XI).
"A questão do registro de motoristas por aplicativos e entregadores no Brasil é motivo de discussão e litígio nos tribunais, pois envolve a classificação desses trabalhadores como autônomos ou empregados. A classificação é importante, pois determina se eles têm direito a benefícios trabalhistas e proteções previstas na legislação brasileira", completa o advogado.
Pelo governo, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, é quem lidera as negociações com as principais companhias, sindicatos e representantes dos trabalhadores que prestam serviços para as plataformas. A expectativa no Planalto é de concluir nos próximos dias o projeto para regulamentar a situação dos trabalhadores por aplicativo antes do envio para análise do Congresso. No entanto, o valor do pagamento de por hora trabalhada para motoristas (R$ 30) e entregadores (de R$ 17) ainda é um entrave, assim como a alíquota de contribuição da categoria para a Previdência Social.
Elton Silva Santos trabalha como motorista de aplicativo há sete anos. Ele cumpre uma jornada de 11 horas diárias de trabalho, com folga apenas uma vez por semana. Os gastos com o veículo e o cansaço são elementos que tornam a rotina "estressante e cansativa", nas palavras de Santos. O profissional vê com satisfação a possibilidade de voltar a ser celetista.
"Fui demitido da empresa onde trabalhava em 2016 e entrei nessa vida de motorista de aplicativo por necessidade. Quem diz que isso é bom está louco. No início, até dava para ter um lucro razoável. Mas, com o passar dos anos, a nossa margem foi ficando cada vez menor. Em 2016, trabalhava no máximo sete horas e descansava dois dias. Hoje, saio de casa às 6h e retorno às 17h para bater a meta do dia. Só descanso na segunda-feira, e mesmo assim é para cuidar do carro", conta Santos.
Para o motorista, o registro do contrato de trabalho, além da garantia de direitos, dará maior segurança aos profissionais e às empresas. Segundo Santos, com uma relação formal, as plataformas também poderão exigir mais dos motoristas e entregadores.
"É uma via de mão dupla. Se temos direitos, automaticamente teremos nossas obrigações. As plataformas ganham muito dinheiro e não têm responsabilidade nenhuma. Já o motorista que leva o trabalho a sério só vê dificuldade. Acho que, com a carteira assinada, todo mundo vai se comprometer em trabalhar corretamente. Vai ser bom para os dois lados", avalia.
Mas a visão de Santos não é unânime entre a categoria. Há aqueles que veem o registro em carteira como um retrocesso. O principal argumento usado nesses casos é a autonomia para definir dias e horários de trabalho.
"Já trabalhei muito tempo como CLT, mas depois que fiquei desempregado, redescobri o mercado como motorista de aplicativo. É uma atividade que tem altos e baixos e que todo o custo é do prestador de serviço. Gosto da minha autonomia e liberdade, mas acho que a classe merece mais valorização, pois assumimos muitos custos com manutenção, seguro e combustível, entre outros", disse Rômulo Oliveira, que tem uma renda variável entre R$ 3 e R$ 5 mil.
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