Pedro Mesquita entrou em campo com o goleiro Júlio César no 7 a 1Odd Andersen / AFP
Publicado 08/07/2024 07:00
Rio - Onde você estava no dia do 7 a 1? A pergunta se tornou clássica entre os brasileiros apaixonados por futebol desde a histórica goleada sofrida pela Seleção para a Alemanha, na semifinal da Copa do Mundo de 2014, em Belo Horizonte, que completa 10 anos nesta segunda-feira (8). Após uma década, a maior derrota da história do futebol brasileiro ainda está bem viva na memória de quem foi ao Mineirão naquele 8 de julho.
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"Perplexidade", "choque", "silêncio absoluto", "espanto", "trauma", "clima de velório" e "tragédia futebolística". Essas foram algumas das muitas expressões usadas por duas pessoas que assistiram de perto, mas de maneiras diferentes, ao fatídico atropelo dos alemães sobre o Brasil. Eles tentaram descrever ao DIA tudo o que viveram naquela tarde.

Do êxtase ao desejo de ir embora no intervalo

Entre tantas crianças que foram tomadas pela tristeza da goleada, estava Pedro Mesquita, na época com 10 anos e hoje com 20. O mineiro não só marcou presença na partida como entrou em campo com o goleiro Júlio César, que minutos mais tarde buscaria no fundo das redes as sete bolas colocadas pelos alemães para dentro do gol. Segundo o jovem, o clima era de concentração entre os jogadores brasileiros antes da partida.
"Antes de entrar, ali no túnel, me lembro que os jogadores do Brasil estavam muito concentrados. Poucos brincaram. O que mais lembro é do Marcelo, que chegou sorrindo e tocando a mão de todas as crianças, e do Bernard, que jogava no Galo. Foram os dois mais descontraídos. Os outros estavam muito sérios e concentrados, inclusive o próprio Júlio César. Ele só me deu a mão, não falou praticamente nada", relembrou.
Pedro Mesquita entrou em campo com Júlio César no 7 a 1. Anos depois, ele voltou ao gramado do Mineirão - Reprodução
Pedro Mesquita entrou em campo com Júlio César no 7 a 1. Anos depois, ele voltou ao gramado do MineirãoReprodução
Depois do protocolo, Pedro seguiu para a arquibancada, de onde acompanhou tudo ao lado da família, sem entender a dimensão do que estava acontecendo. O baque foi tão grande que o desejo de seu pai foi deixar o Mineirão no intervalo do jogo, quando o Brasil já perdia por 5 a 0.
"Como eu tinha só 10 anos, não lembro muito do jogo em si. Minhas recordações são mais da torcida, que estava muito empolgada antes da bola rolar. Quando os gols começaram a sair, todo mundo ficou em choque e o Mineirão se calou. Clima de velório. Meu pai queria ir embora no intervalo, mas tivemos que ficar até o fim porque meu documento ficou com o pessoal da organização", contou.

Paixão pelo futebol segue viva

Mesmo com a traumática experiência, o amor pelo futebol não ficou de lado. Torcedor fanático do Atlético-MG, Pedro manteve o costume de ir aos estádios, mas admite que sua relação com a Seleção ficou mais distante após o episódio.
"Como nasci em 2003 e não vi o Brasil ser campeão do mundo, meu sentimento é diferente de pessoas mais velhas. Meu amor pelo meu time é muito maior do que pela Seleção. Quando eu estive mais próximo da Seleção, ela tomou de 7 a 1. É claro que ainda torço para o Brasil, mas minha relação com o Atlético é muito maior", admitiu o atleticano.
"Inclusive, durante os gols da Alemanha, meu pai tentava me consolar falando que 'nossa Seleção é o Galo'. O 7 a 1 tornou ele muito desacreditado e acho que isso impactou em mim também. Saí de uma experiência incrível, com o Galo campeão da Libertadores em 2013, para uma muito traumática. Mesmo assim, continuei frequentando estádios, inclusive o Mineirão."
Mesmo após o trauma, Pedro seguiu apaixonado por futebol, principalmente pelo Atlético-MGReprodução
Chamado de "pé frio" e alvo de brincadeiras em 2014, o garoto levou a situação com bom humor. Segundo ele, 10 anos depois, a reação das pessoas ainda é de surpresa com sua presença no 7 a 1.
"Na época, fui muito zoado pelos meus amigos. No dia seguinte, falaram na escola que eu era pé frio, que o Júlio César tomou sete gols porque eu encostei na mão dele... os atleticanos queriam me pagar para ir aos jogos do Cruzeiro, e os cruzeirenses para eu ir aos do Galo. Hoje em dia, as pessoas ficam bem surpresas quando descobrem que eu estava lá", afirmou o jovem.

A narração mais "estranha" de João Guilherme

"Eu estava lá. Que desagradável!". Foi assim, com seu bordão mais tradicional, que o narrador João Guilherme deu início à conversa com a reportagem do DIA para contar tudo que viu diante de seus olhos em 8 de julho de 2014. Diferente de Pedro, ele estava no Mineirão profissionalmente e foi o responsável por transmitir aquela semifinal pelo antigo canal Fox Sports. O locutor tentou encontrar palavras para descrever o sentimento de ter narrado a maior vexame da história da seleção brasileira.
"Foi a sensação mais estranha da minha carreira. Da euforia à depressão, foram poucos minutos. Para mim, o primeiro tempo ficou marcado pelo silêncio. O Mineirão ficou em completo silêncio. Nem os alemães acreditaram naquilo. A torcida deles só começou a comemorar no segundo tempo. Ninguém estava entendo nada. Foi a pior sensação da minha vida narrando uma partida. E ainda tive que continuar dando o melhor na transmissão, mesmo diante daquela tragédia futebolística", relembrou.

Previsão de Luxemburgo e espanto de Wenger

Entre as mais diferentes reações no estádio, duas chamaram a atenção de João Guilherme. A primeira delas aconteceu ainda antes da bola rolar, quando Vanderlei Luxemburgo, comentarista convidado da Fox Sports naquela Copa do Mundo, soube da escalação do Brasil.
"Antes da partida, me lembro de um clima de euforia muito grande no Mineirão. Quando chega a escalação, eu já estava na cabine e o Vanderlei Luxemburgo disse que achava errada a escalação do Bernard pois seria um movimento para agradar a torcida mineira, já que ele tinha ido muito bem no Atlético-MG. O Luxemburgo achou que abriria muito o meio-campo e que o Brasil teria problemas, como realmente teve", disse o narrador.
João Guilherme e a equipe do Fox Sports no Mineirão antes do Brasil ser atropelado pela AlemanhaReprodução
Enquanto a bola rolava e o Brasil era humilhado em campo pela Alemanha, Arsène Wenger, técnico francês que dirigiu o Arsenal por 22 anos, tentou entender junto à equipe de João o que acontecia com os brasileiros dentro de campo.
"Tenho uma lembrança muito forte do Wenger, que estava lá comentando a partida para uma TV da França. Ele olhava para a gente e fazia uma cara de espanto, com os olhos arregalados, e fazia um gesto com a mão perguntando o que estava acontecendo. Respondíamos que não tínhamos como explicar."

Mas afinal, o que aconteceu com o Brasil?

Na opinião de João, as ausências de Neymar e Thiago Silva, somadas ao duro golpe mental sofrido pelos jogadores com tantos gols em poucos minutos, foram decisivas para o resultado.
"Não podemos esquecer das ausências de Neymar e Thiago Silva. Acho que com eles, a chance de um 7 a 1 seria muito menor. O que acredito que aconteceu foi uma questão tática, como o Vanderlei levantou, já que a Alemanha era um time de muito toque de bola. Os caras brincaram. Estavam no quintal da casa deles. Quando eles fizeram 3 a 0 por conta dos espaços que o Brasil abriu, deu uma pane mental. A chave do jogo foi o meio-campo todo aberto", disse.
"O resultado foi tão absurdo que o clima depois do jogo foi de perplexidade. Inclusive, dos alemães. Foi algo que eu nunca vi em um estádio de futebol. As pessoas estavam 'viajando'. A ficha não tinha caído naquele momento. Acho que demorou um bom tempo para cair, tanto para nós quanto para eles. Ninguém entendeu nada", concluiu o narrador.
 
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