Publicado 05/07/2021 03:00
A caçada a Lázaro Barbosa, morto pela polícia na última segunda-feira, após 20 dias de captura que se tornaram uma espécie de novela, com capítulos televisionados servindo de entretenimento à família brasileira, evidenciam não o sucesso, mas a total ineficiência de nossas forças de segurança pública.
O chamado serial killer do Distrito Federal foi alvejado com 125 tiros, segundo declarações dos próprios policiais em boletim de ocorrência. E ao menos 38 desses disparos o atingiram, conforme informou a Secretaria de Saúde de Águas Lindas, município onde ele foi encontrado.
Ao que tudo indica, se tratava de uma pessoa que havia cometido delitos extremamente graves, um criminoso de certa periculosidade, e é legítimo que o policial reaja quando atacado. No entanto, tudo leva a crer, inclusive pela forma como foi conduzida a captura – uma caçada espetacularizada, e não uma operação ordinária –, que houve excesso na atuação policial.
É preciso que se apure se a resposta policial foi proporcional ao ataque – se houve – e à suposta resistência do criminoso em se entregar, e se tudo ocorreu de acordo com os limites jurídicos.
Antes que se torça o nariz sob a alegação de que estou aqui fazendo a defesa de “direitos humanos de bandido”, gostaria de recorrer ao pensamento de Robert Peel, um velho político inglês que ajudou a formular os princípios que regem o conceito moderno da força policial do Reino Unido.
Como se sabe, nos domínios britânicos, os policiais não usam armas, situação que virou até atração turística e que apenas países como Noruega e Nova Zelândia conseguiram reproduzir. Isso se deve muito às ideias de Peel, que se fiou na convicção de que a força policial deve ser ética e de que os oficiais de polícia nada mais são do que cidadãos uniformizados, que exercem seus poderes para policiar seus concidadãos com o consentimento implícito destes.
Para o político inglês, frise-se, um conservador do século XIX, e não um progressista ou ativista de direitos humanos, a comprovação da eficiência policial é a ausência de crimes e desordem, e não mostras visíveis de ação policial no trato com eles. Isso, na prática, significa que, ao ter a necessidade de prender alguém, a polícia já falhou em sua função de proteger a comunidade, prevenindo a ocorrência do crime.
O fato de haver crimes a serem solucionados evidencia uma falha não só na segurança, mas também na estrutura social. E por essa simples razão a prisão de alguém que cometeu um crime não é jamais motivo de comemoração. Muito menos a sua morte.
Assim, quando ligamos a televisão e assistimos aos nossos policiais festejando a captura de Lázaro Barbosa, estamos a quilômetros de distância do pensamento de Peel e muito próximos de um filme de faroeste no qual o bandido era “procurado vivo ou morto”.
Outro princípio de Peel diz que a força policial deve guardar estrita aderência às funções executivas da polícia, abstendo-se de sequer parecer usurpar os poderes do judiciário, de vingar indivíduos ou o Estado e de autoritariamente julgar a culpa e punir os culpados.
A morte de Lázaro Barbosa, independentemente de a ação policial ter sido desproporcional e equivocada, é um sinal inequívoco de mau funcionamento do nosso sistema de segurança pública, que tem, antes, de evitar o cometimento de crimes. Caso seja comprovadamente abusiva a ação policial que culminou na morte dele, mais do que um sinal de ineficiência, é um grito de alerta, pois a função do Estado é promover a Justiça, e não a vingança.
*É Bacharel, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris Nanterre; Professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito na graduação , mestrado e doutorado da PUC/SP, sócio do escritório "Serrano, Hideo e Medeiros Advogados
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