Publicado 22/07/2021 03:00
Com o isolamento social, diversas iniciativas culturais e manifestações artísticas se reinventaram a partir do uso dos recursos digitais - especialmente com a produção de vídeos, difundidos ao vivo ou gravados. A tradução compulsória de diversas abordagens artísticas para a linguagem audiovisual vem promovendo questionamentos no trabalho da maioria dos artistas contemporâneos - aportando, além de desafios e limitações, algumas novas possibilidades. No caso do Programa Imagens em Movimento, que atua na fronteira entre a arte e a educação pública, este processo de transformação provoca reflexões sobre a premissa original do projeto: a experiência do gesto criativo e o desenvolvimento do olhar crítico para a linguagem audiovisual.
No último ano, o tempo de contato das crianças e adolescentes com as telas aumentou exponencialmente, e o contato com o mundo ficou quase integralmente mediado por computadores, televisões e/ou celulares. A educação passou a ser feita pelas telas. Professores de diversas disciplinas escolares e universitárias, de uma hora para outra, se confrontaram com a necessidade de aprender a produzir vídeos para transmitir conteúdos didáticos para seus alunos. Embora este processo de digitalização da educação não tenha surgido com a pandemia, ele foi radicalmente acelerado neste cenário, tornando ainda mais urgente a aprendizagem crítica e criativa dessa linguagem tão potente que é o audiovisual.
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Este ano, o Programa Imagens em Movimento completa 10 anos de trabalho em escolas municipais e estaduais do Rio de Janeiro. Neste período, cerca de 1.230 estudantes com idade entre 9 e 18 anos participaram de 75 oficinas de Cinema e 85 professores frequentaram 4 cursos de formação em Pedagogia do Cinema promovidos pelo projeto. Mais de 100 curtas-metragens foram produzidos nestas oficinas e integraram a programação de festivais de filmes estudantis nacionais e internacionais.
Esta experiência nos permitiu entrar em contato com realidades muito diversas, de comunidades em área urbana a contextos rurais. Tivemos a oportunidade de conhecer a sensibilidade e o olhar de crianças e adolescentes de cada um desses lugares; seus questionamentos e encantamentos. Pudemos orientar e acompanhar o processo de construção de filmes criados e realizados por estes estudantes, que buscaram, cada um à sua maneira, traduzir em forma de cinema suas experiências e formas de sentir o mundo - o que não poderia acontecer sem incluir as cores, a luz, a temperatura e o jeito de falar de cada lugar, assim como as relações afetivas ali presentes, que influenciam de forma determinante o tipo de história que se deseja contar.
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O aniversário de 10 anos de nossa aventura pedagógica coincide com este momento de transformação mundial e com o imenso desafio de reinventar nossas práticas em um formato de trabalho a distância. Neste contexto, estamos desenvolvendo uma plataforma virtual que oferece, além do cinema, oficinas de consciência corporal e de sensibilização musical. Estas três linguagens estão sendo trabalhadas de forma integrada, associando a escuta dos sons e a escuta do próprio corpo ao olhar atento para as imagens vistas nas telas e no mundo. A partir deste trabalho sobre a escuta, que passa por vários sentidos, pretendemos convidar nossos jovens alunos a experimentarem novas possibilidades de expressão através das imagens, do corpo e dos sons.
O objetivo é que cada criança possa olhar para imagens ou vídeos observando a sua poesia, mas também os procedimentos técnicos necessários para a sua produção. Entender o poder de um corte. O poder da edição. A liberdade criativa que surge ao descobrirmos todos os movimentos possíveis que se pode fazer com uma câmera, ou como uma variação sutil na luz pode gerar emoções totalmente diferentes a partir de uma mesma imagem. É nesse passeio entre a construção do olhar crítico e o incentivo ao gesto criativo que vamos costurando a nossa prática. Convidando estudantes e educadores a entrarem nessa aventura conosco, de forma que possamos passar a olhar as telas com a consciência de que cada imagem que vemos é o reflexo do olhar de alguém sobre o mundo, e é apenas um olhar entre milhares de outros olhares possíveis.
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Se o encontro físico tem um potencial de mobilização de afetos e relações que nunca poderá ser substituído pela dinâmica virtual, a virtualidade sempre esteve presente em nosso trabalho como um objeto de experiências e reflexões. Agora, ela se tornou também uma forma de nos encontrarmos com as crianças, com o objetivo paradoxal de buscar acessar aquilo que elas guardam de mais humano - seus afetos, sensações e emoções. Enquanto precisarmos nos isolar para preservar vidas, seguiremos inventando formas de utilizar as ferramentas virtuais para promover a expressão da energia e da criatividade acumuladas em tantos corpos confinados dentro de casa. Mas é fundamental não perder de vista que o que mais buscamos, através do cinema, é a capacidade de traduzir em imagens experiências vividas. Um bom filme, assim como uma boa experiência educativa, só se constrói com base no encontro com o mundo.
*Ana Dillon é fundadora da associação RAIAR, diretora e professora do Programa Imagens em Movimento, que oferece oficinas de artes integradas para estudantes da rede pública - www.img-mov.com.br.
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