Publicado 30/08/2020 17:36
Rio - Um triste retrato do descaso com moradores de comunidades aconteceu na última sexta-feira na Camarista Méier, no Engenho de Dentro, na Zona Norte do Rio. E durou mais de trinta horas. Foi o tempo aproximado que o corpo de Edevar Machado Santos, de 60 anos, esperou para ser removido do local onde morreu, após cair de uma escada da favela. Somente após um vídeo do presidente da Associação de Moradores da região ao lado do corpo, implorando para a retirada de Seu Vavá, como era conhecido há mais de 30 anos na comunidade, é que ele pôde começar a descansar em paz.
De acordo com o presidente da Associação de Moradores da Camarista Méier, Rafael Amorim, o acidente aconteceu ainda na manhã de sexta-feira, e os pedidos de socorro ao Samu feito por vizinhos de Vavá não surtiram efeito. Quando soube do ocorrido, no período da tarde, ele começou a se movimentar para ajudar na remoção.
"Ele não tem família, e por volta das 16h me avisaram. Eu fui ao local para fazer a verificação e já estava em óbito. Ligamos para Samu para constatar o óbito e iniciar os processos burocrático e fazer a remoção. Só que ela não veio", relatou.
Sem respostas, procuraram a 26ª DP (Todos os Santos) e fizeram o registro ainda no início da madrugada de sábado. A luta continuou ao longo do dia, ligando para Samu, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e Polícia Civil. Mas ainda não surtiu efeito. Foi quando Rafael tomou uma atitude radical.
Vídeo ao lado do corpo
Rafael publicou um vídeo em suas redes sociais, em que aparece ao lado do corpo de Seu Vavá, que está coberto por um lençol. Isso já eram quase 14h de sábado. A partir daí, segundo o presidente, é que começou uma movimentação para acabar o sofrimento dos moradores.
"Resolvi fazer esse vídeo para chamar a atenção das autoridades e de pessoas que pudessem ajudar. Na verdade, nem foi um pedido de ajuda, foi de socorro mesmo", explicou.
Atenção: IMAGENS FORTES!
Depois disso, a PM foi ao local com duas viaturas do 3º BPM, além dos Bombeiros, que foram até a delegacia de Todos os Santos e conseguiram a Guia de Remoção do corpo. Às 19h, a remoção enfim aconteceu.
"Levou mais de 32 horas com o corpo exposto, as crianças olhando, idosos passando. Uma situação constrangedora, inclusive para o senhor falecido", lamentou. O presidente tenta localizar familiares de Seu Vavá para que ele possa ser enterrado. Com paz e dignidade.
O que dizem as autoridades
Procurada, a Polícia Civil disse que a 26ª DP (Todos os Santos) foi comunicada do fato pela família e "imediatamente, foi feita a Guia de Remoção e contato com o Samu, a Prefeitura e o Corpo de Bombeiros, para que fosse atestada a morte e o corpo fosse retirado", contrariando o relatado à reportagem e sem precisar em que horário isso aconteceu. A secretaria disse que não faz perícia e nem remoção em casos de mortes não violentas.
O Corpo de Bombeiros falou em nota que a equipe médica da corporação foi acionada na madrugada de sábado para constatar o óbito da vítima, também em desacordo com o apurado com a Associação de Moradores.
"O acionamento do serviço de remoção de cadáveres é feito, exclusivamente, pela Polícia Civil (delegacia da área), que emite um documento chamado GRC (Guia de Recolhimento de Cadáver). A retirada de um corpo pela equipe de militares depende da emissão da documentação citada, que, podemos dizer, funciona como uma autorização legal para o recolhimento. Inclusive, a GRC é imprescindível para a entrada no IML", explica o texto, sem também informar os horários de acionamento e de remoção do corpo, que eles alegam ter ocorrido no fim da tarde de sábado.
A PM diz que só foi acionada através do 3ºBPM (Méier) na tarde de sábado, também contrariando informações passadas ao DIA. "No local, o fato foi constatado. Ocorrência encaminhada para a 26ªDP", diz.
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) disse que a remoção de corpos não é competência do Samu. "Sobre a ocorrência em questão, o Samu verificou que se tratava de morte suspeita, portanto, seria necessária a presença da Polícia Militar. A PMERJ esteve no local na tarde de sábado e constatou o fato. Subsequentemente, o Corpo de Bombeiros esteve no local para constatar a morte e liberar a remoção do corpo. O Samu ressalta que agilizou a interlocução com o Corpo de Bombeiros a fim de agilizar a resolução do caso", diz a nota, mais uma vez diferente do relatado à reportagem.
Samu com problemas
O serviço do Samu é administrado pela organização social OZZ Saúde, que parou de receber repasses do governo estadual após um bloqueio judicial por conta de supostas irregularidades no contrato. A Justiça do Trabalho determinou no fim de julho que fosse repassado R$ 10 milhões relativos à folha salarial. Também foi definida uma multa em caso de não cumprimento da ordem.
O contrato total, firmado emergencialmente de março até dezembro, sem licitação, foi de R$ 166.553.101,02, e é apurado se houve sobrepreço de até três vezes no valor do serviço. Com o bloqueios, os salários atrasaram e houve redução no número de ambulâncias. Os profissionais reclamaram de veículos velhos e sucateados, inclusive da falta de equipamentos de proteção individual, fundamentais em plena pandemia.
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