Publicado 25/02/2021 15:47 | Atualizado 25/02/2021 21:34
Rio - O Centro Acadêmico Carlos Chagas (CACC), do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicou, nesta quarta-feira, uma nota de repúdio à falta de posicionamento e planejamento da Reitoria e do Conselho de Ensino e Graduação (CEG) da instituição sobre a retomada de atividades práticas e presenciais para os cursos de saúde. O ciclo clínico, que acontece entre o 4º e o 8º semestre, está sem práticas há onze meses e sem previsão de volta ou reposição do que foi perdido.
O estudante do 6º período do curso de Medicina da UFRJ e coordenador financeiro e de infraestrutura do CACC, Guilherme Guerra, explicou que as aulas práticas no ciclo clínico são fundamentais para o curso e que a demanda de retorno seria com o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPIs), em forma de rodízio e opcional para os alunos.
"Aprender a fazer exame físico em um paciente, por exemplo, é essencial para a formação de um médico. O que estamos tendo como tentativa de 'suprir' esse ponto é assistir vídeos online de exames físicos, o que chega a ser uma piada. Entendemos que estamos numa pandemia e aulas teóricas podem muito bem ser substituídas pela forma remota, mas as práticas não. Estamos há um ano sem elas, e sem a menor comunicação sobre o retorno, ou até mesmo a reposição das aulas perdidas. A maioria dos alunos teme, inclusive, que essas aulas nunca sejam repostas", disse.
No ciclo clínico, os graduandos aprendem a parte básica da Medicina, como funciona um corpo saudável e a fazer um exame físico no paciente. Já no período de internato, do 9º ao 12º semestre, eles atuam como médicos supervisionados. As práticas do internato na UFRJ voltaram no ano passado.
Segundo a aluna do 5º período de Medicina da instituição, Luiza Fellows, algumas faculdades particulares já voltaram com as aulas práticas e a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) têm um planejamento de retorno, mas a UFRJ ainda não apresentou um plano de volta ou previsão de reposição das práticas que não foram realizadas.
"O que vai acontecer é que, nós do ciclo clínico, entraremos para atendimento nos hospitais, como internos e depois como formados, sem nunca ter tido a principal parte da nossa formação. E isso reflete diretamente no cuidado com a população, já que nós atuaremos nas clínicas da família e hospitais. É uma negligência absurda da UFRJ e de outras universidades que não tem calendário de prática, tanto com a população, quanto com a qualidade de ensino", afirmou.
"Essa questão da prática é totalmente inviável (de forma remota). Os alunos ficam vendo vídeos no Youtube dos sons do coração, as anomalias que podem ter. Sendo que assim não é a mesma coisa de você auscultar um paciente e escutar um vídeo no Youtube. A gente conversa com pessoas que já estão se formando, eles falam que isso é um absurdo, não tem como aprender dessa forma", contou Guilherme Guerra.
O CACC disse que a pauta já foi encaminhada para instâncias superiores para discussão, mas não chegou a ser votado. Os estudantes reivindicam desde o ano passado a volta das aulas práticas, mas a Direção do Curso de Medicina da UFRJ informa que não pode deliberar sobre o caso e depende da Reitoria da instituição.
O Centro Acadêmico chegou a fazer um formulário sobre o retorno das práticas presenciais e encaminhou ao corpo estudantil para votação. De acordo com o resultado do questionário, 91,3% dos estudantes consideram as atividades práticas muito importantes para a formação acadêmica e 46,7% votaram a favor da volta das aulas, independente das condições. Apenas 10 alunos votaram que não retornariam em hipótese alguma.
"A gente tem um órgão dentro da faculdade de Medicina que faz reuniões para decidir questões internas, inclusive a gente levou pra lá o resultado desse questionário. Eles colocaram uma votação não deliberativa, só para ver a posição dos professores e conselheiros. Inclusive, o Roberto Medronho, infectologista e ex-diretor da faculdade de Medicina da UFRJ, se mostrou favorável a volta às aulas de uma forma opcional para os alunos que se sentirem confortáveis. Mas a faculdade de Medicina não tem o menor interesse de levar isso pra frente e a Reitoria também, zero interesse", pontuou Guerra.
Apesar da maioria dos alunos pedir o retorno das práticas, alguns ainda estão apreensivos com a possibilidade de volta das aulas presenciais. A estudante do 8º período, Ana Clara Campanelli, faz parte do grupo de 22,3% de alunos que preferem voltar somente se já tiver sido vacinado contra a covid-19.
"Eu, Ana Clara, não quero voltar sem vacina, me sentiria muito exposta. Eu tenho pais que são do grupo de risco, são idosos, teria que pegar transporte público para ir à UFRJ. Eu acho que só me sentiria confortável voltando com a vacina. Eu super entendo quem quer voltar logo. Às vezes é muito frustrante ficar sem prática, mas, se isso for feito sem vacina, tem que ser pensado de modo a não prejudicar ninguém, porque a Universidade tem que seguir o princípio de isonomia".
Em nota, a Reitoria da UFRJ informou que "desconhece a existência de 'falta de discussões com alunos', haja vista que os colegiados superiores da Universidade têm participação de estudantes, os quais têm espaço de fala e voto".
Segundo a Reitoria, o Grupo de Trabalho Pós-Pandemia da UFRJ vem reunindo um conjunto de informações para que a Universidade tenha elementos suficientes a fim de elaborar um planejamento de retorno gradual seguro, tais como mapeamento de espaços, EPIs necessários, transportes internos, metodologia de classificação de risco e, principalmente, requisitos epidemiológicos, fornecidos pelo Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento da covid-19 da UFRJ.
"Informamos que os profissionais acima de 60 anos foram vacinados somente em fevereiro. Além disso, há propostas de retorno de aulas práticas e presenciais para os estudantes de Medicina que estão sendo avaliadas pelo Conselho de Ensino de Graduação (CEG) para continuidade curricular, considerando a necessidade de medidas rígidas de biossegurança e a qualidade do ensino, participe do ethos da UFRJ", concluiu a instituição.
*Estagiária sob supervisão de Thiago Antunes
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