Publicado 16/03/2021 17:58
Rio - Exercer o mandato de presidente da República pressupõe estar sujeito a críticas. Para os especialistas em Direito ouvidos pelo DIA, Felipe Neto não cometeu crime ao chamar Bolsonaro de genocida no contexto do enfrentamento à covid-19 no Brasil. A Lei de Segurança Nacional não se aplicaria a este caso e a Polícia Civil não teria competência para apurar o eventual crime, avaliam.
Para o conselheiro da OAB-RJ, Ítalo Pires, a fala de Felipe Neto precisa ser contextualizada. "Ele verbalizou uma crítica dura, mas não criminosa contra alguém que exerce cargo suscetível ao escrutínio público. A fala do Felipe Neto não me parece nada além do que liberdade de expressão exercida, no contexto de controle social sobre os atos políticos, algo que passa longe de um ato criminoso, em especial relacionado à Lei de Segurança Nacional", analisa.
O professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio Wallace Corbo destaca dois pontos problemáticos da medida. O primeiro é que os eventuais crimes praticados com base na Lei de Segurança Nacional são de competência da Polícia Federal, e não da Polícia Civil. O segundo problema é que o contexto da fala, avalia o professor, é de crítica ao presidente, como ocupante de cargo público.
"A crítica não é em nenhuma medida criminalizável. Os fatos parecem ser um exercício do direito de crítica. A pessoa pública está sujeita ao controle mais restrito. Cidadãos tem mais liberdade de expressão quando se dirigem a representantes do poder do que em relações privadas", comenta Corbo. O professor de Direito da FGV acrescenta que Felipe Neto poderia acionar o Ministério Público para apurar um eventual crime de abuso de autoridade.
"A Lei de Abuso de Autoridade prevê alguns crimes, por exemplo, dar início a persecução penal sem justa causa. O artigo 27 dispõe sobre instaurar um procedimento investigatório sem indício de crime", afirma o professor.
O consultor legislativo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) junto ao Congresso Nacional e ex-deputado federal Miro Teixeira defende que a Lei de Segurança Nacional seja extinta. Ele avalia que a legislação vem sendo usada para intimidar jornalistas e comunicadores. "Todas as garantias constitucionais acabam ficando fragilizadas por esse uso da Lei de Segurança Nacional. Autoridades, que escolhem essa vida estão expostas à opinião pública. Seus atos interessam", ressalta Miro Teixeira.
Os especialistas ouvidos pelo DIA também diferenciam a ação contra Felipe Neto da instauração de inquérito pelo STF, conhecido como Inquérito das Fake News, que usa a Lei de Segurança Nacional.
"O STF tratou de uma hipótese que envolveu um deputado federal, recentemente, que diferentemente do Felipe Neto, proferiu não apenas críticas duras, mas críticas descontextualizadas e ameaça à integridade física de integrantes do STF. É preciso afastar uma crítica a ocupante de cargo público de ofensa e ameaça à integridade da sociedade", diz o membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB-RJ, Ítalo Pires.
O professor de Direito da FGV Rio Wallace Corbo considera que o objetivo da Lei de Segurança Nacional é importante: proteger o Estado contra ameaças à sua estabilidade: crimes como criação de grupos paramilitares para subverter o estado de direito ou organização de complôs e golpes contra o estado. Mas, o professor observa que a legislação carrega um resquício autoritário.
"Essa lei foi elaborada no fim da ditadura. Não considerava que cinco anos depois teríamos uma constituição que consagrou a liberdade de expressão. A lei vai além da segurança nacional e criminaliza a difamação e calúnia contra autoridades. Esses crimes têm que ser interpretados com extrema restrição se é que eles ainda são compatíveis. É preocupante o uso de Lei de Segurança Nacional com intuito intimidatório, com ares de autoritarismo grave. A Lei de Segurança Nacional contra oposição parece ser incompatível com estado democrático de direito", afirma.
O representante do IAB questiona ainda o fato de a queixa-crime ter sido feita pelo filho do presidente da República Carlos Bolsonaro. "A honra de uma pessoa que se considera ofendida é defendida pela própria pessoa. O caso do filho defender é admissível quando a pessoa morreu. Quando se trata do presidente da República, você tem pela Lei de Segurança Nacional algumas possibilidades de iniciar uma investigação, quando existe uma ameaça por exemplo. Mas a ação é iniciada pelo Ministério da Justiça e apurada pela Polícia Federal", considera Miro Teixeira.
Felipe Neto é intimado para depor na quinta-feira
A Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) marcou o depoimento do youtuber Felipe Neto para a próxima quinta-feira. O delegado responsável pelo caso, Pablo Sartori, disse que não foi marcada hora. Sartori acrescentou que se desejar, Neto poderá se apresentar por meio de uma petição entregue na delegacia com esclarecimentos por meio de seu advogado, sem precisar comparecer presencialmente à unidade policial.
Felipe Neto foi intimado na segunda-feira (15) suspeito de calúnia com base na Lei de Segurança Nacional, editada durante a ditadura militar. O processo investigativo foi iniciado após uma queixa-crime aberta contra ele por Carlos Bolsonaro. O vereador teria denunciado o humorista por ter chamado o presidente da República Jair Bolsonaro de genocida, por conta da condução do presidente no enfrentamento à pandemia de covid-19.
Por meio de sua assessoria, Felipe Neto disse que não vai se posicionar sobre o caso.
Em entrevista ao portal de notícias G1 o delegado Pablo Sartori confirmou que a denúncia foi feita pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). "Foi uma petição pedindo a instalação do procedimento porque parece que o Felipe Neto teria chamado o presidente de genocida, e aí se enquadraria nessa Lei de Segurança Nacional, conforme o entendimento mais recente no STF. A petição, quem fez o pedido da investigação, foi o Carlos Bolsonaro, mas a vítima é o pai dele, o presidente ", declarou Sartori ao portal.
Em entrevista ao portal de notícias G1 o delegado Pablo Sartori confirmou que a denúncia foi feita pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). "Foi uma petição pedindo a instalação do procedimento porque parece que o Felipe Neto teria chamado o presidente de genocida, e aí se enquadraria nessa Lei de Segurança Nacional, conforme o entendimento mais recente no STF. A petição, quem fez o pedido da investigação, foi o Carlos Bolsonaro, mas a vítima é o pai dele, o presidente ", declarou Sartori ao portal.
O delegado mencionou um procedimento no Supremo Tribunal Federal (STF) que caracterizaria como crime ofender o presidente da República. "E está lá, especificamente: ofender o presidente da República. Então, tem o enquadramento na Lei de Segurança Nacional esse crime, quando você ofende o presidente da República, que é o caso que foi investigado", afirmou.
Sartori acrescenta que o caso será remetido à Justiça que segundo ele, decidirá se trata-se de crime contra a segurança nacional ou 'crime contra honra comum'. "No caso, nós fazemos o registro, colocamos a capitulação e a Justiça é que vai ver se há esse crime de ofensa ao presidente, como um ataque à segurança nacional, ou se entende que não há isso e ficaria num crime contra a honra comum, do Código Penal. Essa avaliação só o juiz que vai poder dizer", disse o delegado da DRCI.
Em nota, a Polícia Civil do Rio disse que o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) recebeu a notícia-crime e registrou. "O depoimento do Felipe Neto é que vai esclarecer se foi crime contra a segurança nacional ou se é uma injúria do Código Penal", diz o texto. A Polícia diz que o delegado intima para entender se Felipe Neto queria atingir o Bolsonaro como presidente ou como pessoa física. Ou seja, apesar do registro, não é certo que a tipificação anunciada será a tipificação final. O delegado, entendendo que houve crime de segurança nacional, encaminha para a esfera competente, que neste caso é a Justiça Federal, afirma a secretaria.
'Não sobrava outra palavra', diz Felipe Neto
Em vídeo publicado em sua conta no Twitter, o youtuber cita as razões pelas quais usou o termo genocida para classificar Bolsonaro.
"Eu não sei como que ele [Carlos Bolsonaro] queria que eu me referisse a um presidente que chamou a pandemia de gripezinha, que provocou aglomerações em todos os momentos, que sabotou medidas dos governadores para enfrentar a pandemia, que condenou uso de máscaras, que demitiu dois ministros da Saúde que tentaram agir com o mínimo de decência, que gastou milhões de reais em cloroquina, droga ineficaz no combate à doença, que se recusou a comprar a vacina quando foi oferecida pela Pfizer, que sempre se recusou a vacinar, que outra palavra eu deveria usar para me referir a esse presidente? Colegão? amigo do povo? Não sobrava outra palavra", afirmou.
Felipe Neto disse ainda que a ação visa a amedrontar a população. "Vou continuar sem medo. O objetivo deles é a imposição do medo. Eles sabem que eu tenho como me defender. Sabem que não vai dar em nada essa acusação descabida, mas querem impor o medo. Um povo não deve jamais ter medo do governo. O governo que deve temer o o povo. Nós vamos vencer", declarou.
Indiciado pelo mesmo delegado
O youtuber já havia sido indiciado pelo delegado Pablo Sartori em novembro do ano passado pelo crime de corrupção de menores. Felipe Neto foi intimado à época por não colocar classificação indicativa em vídeos antigos de seu canal, onde aparece falando palavrão. "Baseado em denúncias caluniosas feitas pela articulação do ódio bolsonarista, um delegado decidiu me indiciar sem apurar nada ou fazer qualquer investigação. Confiamos inteiramente na justiça. Já esperávamos isso e estamos 100% tranquilos", escreveu à época.
Nesta terça-feira o delegado confirmou que o inquérito foi concluído e remetido ao Ministério Público e à Justiça. O Tribunal de Justiça do Rio, no entanto, informou que não encontrou a ação no sistema.
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