Publicado 27/04/2021 16:03
Rio - Familiares e amigos se despediram do menino Kaio Guilherme da Silva Baraúna, de 8 anos, na tarde desta terça-feira, no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, Zona Oeste do Rio. O garoto morreu no sábado (24) após ser vítima de um tiro durante uma festa em Bangu.
Muito emocionada, a avó materna chegou a desmaiar durante o velório. Já o avô, Fabio da Silva, falou sobre o sonho do neto de ser jogador de futebol. "Tiraram a vida do meu neto, cheio de sonhos. O sonho dele era ser jogador de futebol, eu levava ele para os clubes, mas o sonho foi interrompido por causa de uma fatalidade dessa.
Fabio fez um apelo pelo fim da violência nas comunidades. "Peço a todos, nas comunidades, que não mandem tiro pro alto porque tem muita gente do bem, trabalhadores, crianças que gostam de brincar nas praças com os pais e avós, por favor, parem com esta violência. A polícia também, se entrar na comunidade atrás de bandido, não cheguem atirando porque atrás daqueles tijolos existe muita gente de bem. Não vou acusar ninguém porque eu nem sei de onde veio essa bala. Só sei que meu neto foi embora. Estamos sofrendo muito, 50% de mim se foi. O Brasil está precisando de paz".
Além de jogador de futebol, menino tinha vontade de ser médico
"Ele era um filho maravilhoso. Sempre fiz de tudo para dar o melhor pra ele. Fiz o que pude, eu e a mãe dele. Sempre trabalhei pra dar o que ele queria. O sonho dele era ser jogador de futebol ou médico. Ele dizia que se não fosse uma coisa seria a outra, mas infelizmente teve esse acontecido. Só queria ter dado mais um abraço no meu filho, só um abraço", disse Ricardo Baraúna.
O menino ficou desde o último dia 16, quando foi baleado, internado em estado grave no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Municipal Pedro II. Kaio foi atingido na cabeça, durante uma confraternização que ocorria na escola onde ele estudava na Vila Aliança.
O garoto era uma criança querida na comunidade e na escola que estudava. "Vi o Kaio crescer, ele foi meu aluno em 2019. O Kaio sempre foi uma criança educada, obediente, tinha as artes dele como qualquer outra criança, mas eu sempre falava pra mãe dele que ela estava fazendo um excelente trabalho. Não gostaríamos de estar nesta situação, mas a gente tem a certeza que nesse pouco tempo que o Kaio esteve com a gente e com os pais ele cumpriu o propósito de ser filho, neto, aluno, amigo e que esse foi o tempo determinado pra ele. Estamos sofrendo e lamentamos pelo mundo que estamos vivendo hoje", disse a professora Giovana Gomes de Jesus, 49.
"É uma perda muito grande, além de um aluno é como se perdêssemos um filho. Como professora nós preparamos as crianças para o futuro, infelizmente o futuro do Kaio foi interrompido e de muitas outras crianças tem sido interrompido bruscamente. É preciso dar um basta nisso. A violência no Rio está muito grande. A gente pensa que na escola a gente está seguro, mas não estamos. Precisamos que estas crianças cresçam como pessoas de bem para que eles nos substituam, quem sabe até sejam um professor amanhã", desabafou a professora de Educação Física Selma Cândido dos Reis, 52, que contou ainda que o futebol era o esporte prefeito do Kaio.
Doação de órgãos
A família optou pela doação dos órgãos após ser constatada a morte encefálica como uma maneira de manter Kaio vivo em outras pessoas. A cirurgia de captação ocorreu no próprio Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio, onde Kaio ficou internado depois de ter sido transferido do Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, unidade na qual recebeu o primeiro atendimento.
Kaio teve que esperar 30 horas por uma vaga no CTI antes de ser internado de forma definitiva.
Estatísticas da violência
Kaio é a quarta criança morta por arma de fogo neste ano, segundo a ONG Rio de Paz. Desde 2007 já foram 82 crianças mortas no Rio de Janeiro.
Uma placa será colocada na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul, em homenagem ao menino, em memorial feito pela Rio de Paz.
Uma placa será colocada na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul, em homenagem ao menino, em memorial feito pela Rio de Paz.
"Acompanhamos esses casos desde 2007 e desde então não vemos mudanças na política de segurança pública. A autoria do crime não é elucidada. Como armas e munição chegam e se espalham pelo Rio de Janeiro? E por fim, não há nenhum apoio do poder público a essas famílias, que em geral são famílias pobres, moradores de comunidades e famílias negras. Mais uma criança, a quarta criança morta em 2021, uma média de uma por mês e não vemos mudanças", ressalta Lucas Louback, coordenador de projetos da ONG.
De acordo com o aplicativo Fogo Cruzado, 100 crianças atingidas por bala perdida nos últimos 5 anos, no Rio de Janeiro.
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