Publicado 26/07/2021 14:33
Rio - Após auxiliar o ex-ministro da Justiça Sergio Moro em Brasília, o general Guilherme Theophilo assumiu o comando do Instituto Combustível Legal (ICL) há três meses. Desde então, tem se notabilizado por cobrar a moralização do segmento. Já lançou uma campanha cujo mote é “Diga não à sonegação” e escreveu um artigo em que pede a aprovação de um projeto de lei no Congresso Nacional para tipificar a figura do “devedor contumaz”. O general estaria cumprindo seu papel exemplarmente, não fosse por um motivo: empresas que sustentam o ICL praticam irregularidades que, ao menos publicamente, condenam.
Investigadores descobriram que algumas dessas distribuidoras burlam a fiscalização para vender combustíveis mais baratos no estado do Rio de Janeiro, prejudicando os cofres estaduais. Funciona assim: as distribuidoras vendem oficialmente o produto a postos de combustíveis localizados nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, cujas alíquotas de ICMS são inferiores à alíquota fluminense. Só que, na verdade, o combustível não é comercializado nesses postos, a maioria pequena e sem capacidade de armazenamento. O produto é, de fato, comercializado em postos da cidade do Rio de Janeiro e região.
Segundo fontes do mercado, funcionários de grandes distribuidoras são os encarregados de manter o esquema fraudulento. O trabalho de dois desses funcionários já foi mapeado e está sendo investigado. Um deles chama-se Cláudio, que atua na região de Friburgo. O outro é Eleomar, responsável pela operação em Campos dos Goytacazes. Ambos abordam donos de postos de combustíveis para explicar a economia que farão ao aderir ao esquema. Ato contínuo, Cláudio e Eleomar indicam uma pessoa de nome Júnior para intermediar o contato dos empresários fluminenses com os donos dos postos de Minas Gerais e Espírito Santo, que serão utilizados para adquirir os combustíveis com alíquotas de ICMS menores. Após o acerto e a aquisição dos combustíveis pelos postos mineiros e capixabas, os combustíveis são transportados, sem notas fiscais, para os postos onde realmente serão comercializados: no estado do Rio de Janeiro.
Segundo uma fonte do mercado que não quis se identificar, a prática ilícita pode ser comprovada de diversas formas. “É só pegar os números da ANP, os volumes comercializados por essas empresas para os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo aumentaram cerca de 120% em apenas um único mês. Outro ponto que chama a atenção é a comercialização de combustíveis abaixo do preço praticado pela própria refinaria. O que só seria possível através de fraude. O mesmo está acontecendo com o etanol, o preço do etanol na bomba desses postos está abaixo do preço de custo nas usinas paulistas”, revela.
O esquema é antigo. No distante ano de 2006, uma operação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Polícia Federal e Ministério Público Federal, denominada Mineirinha, já havia flagrado o crime de sonegação de impostos. Ao analisar mais de 8 mil notas fiscais, a equipe de investigação concluiu que o esquema provocou prejuízo superior a R$ 1 bilhão. E quem participava do esquema apurado? As maiores distribuidoras do país, associadas numa entidade que antecedeu o ICL, a Plural.
Ainda segundo a fonte do mercado, os autos de infração gerados à época poderiam ter levado a cassação do registro de distribuidor dessas companhias. “Até hoje não se tem notícia do desfecho desses autos de infração. Na época, sob a gestão do PCdoB, a ANP tratou esse assunto de forma reservada, não permitido que fossem divulgados o desfecho final desses autos de infração”, revela.
As fraudes envolvendo algumas dessas distribuidoras não pararam ali. Em 2016, o Ministério Público do Rio de Janeiro realizou uma apreensão de 19 milhões de litros de etanol adulterado com metanol, produto tóxico usado na fabricação de tintas em biocombustíveis. O caso fez com que a Polícia do Rio de Janeiro indiciasse executivos das três maiores distribuidoras de combustíveis do país: BR, Shell e Ipiranga.
O Instituto Combustível Legal, no entanto, varre as irregularidades para debaixo do tapete e pressiona parlamentares a fim de que aprovem uma agenda favorável às empresas associadas: um dos pontos é a aplicação de alíquota única do ICMS – uniformizando o tributo nas 27 unidades da federação – e a equiparação do PIS/COFINS. Esse ímpeto do ICL ocorre justamente num momento em que o governo Bolsonaro deu sinal verde para a ANP abrir o mercado para que os donos dos postos, mesmo com contratos com grandes distribuidoras, possam comprar combustíveis de outras bandeiras que praticam preços mais baixos. Essa mudança, caso implementada, pode acabar com o oligopólio do setor e reduzir os preços dos combustíveis para quem importa: o consumidor. O general Theophilo, que já foi braço-direito do ex-ministro Sérgio Moro, terá que escrever muitos artigos ainda para provar que atua em favor de empresas que buscam ética em seus negócios.
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