Carga de cigarros ilegais apreendidos no RioFoto: Policia Civil da 71ª DP
Publicado 09/08/2021 23:17 | Atualizado 09/08/2021 23:18
Rio - Um levantamento realizado pelo Instituto Ipec, e Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), apontou que, em 2020, ano marcado pelo enfrentamento da pandemia de covid-19, a ilegalidade respondeu por 31% de todos os cigarros consumidos no estado do Rio – destes, 14% foram contrabandeados principalmente do Paraguai e 17% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como devedores contumazes, que fazem do não pagamento de impostos o seu negócio. Em 2019, o mercado ilegal de cigarros respondia por 41% de participação no estado.
A redução inédita é atribuída, especialmente, ao cenário da pandemia mundial, que provocou uma alta na moeda norte-americana, ultrapassando a marca de R$ 5. Com isso, o custo médio do cigarro do crime no estado do Rio de R$ 3,61 (2019) para R$ 4,35 (2020), aproximando, assim, o produto do crime do cigarro legal. "Essa diminuição na diferença de preços provocou, pela primeira vez nos últimos seis anos, uma queda considerável no consumo do cigarro ilícito e consequente migração do consumidor para o cigarro legal, produzido nacionalmente, sob as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)", apontou Edson Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).
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Ainda segundo Vismona, apesar da diminuição do mercado ilegal no último ano, o resultado é circunstancial. "Esta queda é reflexo de um cenário atípico e, sem estratégias de longo prazo, o mercado ilegal voltará a crescer", afirmou.
Além da alta do dólar, o recuo incomum na economia ilegal também é resultado de restrições implementadas para contenção da pandemia, como o fechamento parcial de fronteiras e dos comércios formais e informais,além do fechamento temporário de fábricas de cigarros no Paraguai e o trabalho das forças de segurança.
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Crescem as fabricantes nacionais que vendem abaixo do preço mínimo
No último ano, subiu a participação de mercado de fabricantes no Rio cujos cigarros são vendidos abaixo de R$ 5, preço mínimo estipulado por lei. Classificadas como devedoras contumazes, estas empresas utilizam o não pagamento de impostos como estratégia de negócio e, assim, conseguem competitividade desleal no mercado. O aumento foi de 5 pontos percentuais, saltando de uma participação de mercado de 12%, em 2019, para 17%, em 2020.
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Das 10 marcas de cigarros mais vendidas no estado, três são ilegais – juntas, elas representam 30% do mercado. A principal fabricante é a nacional Cia. Sulamericana de Tabacos, que produz o cigarro Club One, com 14% de participação no mercado fluminense. Na sequência no ranking está o cigarro paraguaio Gift (13%), que por ser um dos mais consumidos no estado é copiado tanto pela Sulamericana como também pela fabricante nacional Quality In, concorrente que produz o Gift nacional. Ambas utilizam a mesma estratégia para capturar mercado: os maços trazem similaridades no nome, identidade visual ou embalagem do produto paraguaio.
Perda do Estado com arrecadação em 2020 é de R$ 247 milhões
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Dados da Receita Federal mostram que foram apreendidos mais de 1,46 milhões de maços de cigarros no Rio – ou 29 milhões de unidades do produto – o equivalente a mais de R$ 7 milhões. O cigarro ilícito lidera o ranking de apreensões no Brasil. Mesmo com a queda do mercado ilegal de cigarros no Rio de Janeiro, as organizações criminosas movimentaram cerca de R$ 740 milhões com o produto. Somente em ICMS, o estado deixou de arrecadar R$ 247 milhões. O imposto é justamente uma das principais fontes de receita do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas sociais para educação, saúde e segurança.
O cigarro ilegal continua sendo facilmente encontrado no Rio – e não é na barraquinha na rua e no comércio informal que se concentram muitos dos cigarros ilícitos à venda no estado. Segundo o Ibope/Ipec, 43% dos produtos do crime foram comprados no comércio legal – como bares, mercearias, mercadinhos, bancas de jornal e padarias.
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O efeito de medidas econômicas no combate ao contrabando
Edson Vismona chama atenção para o impacto da mudança de fatores econômicos no negócio do crime organizado. Segundo ele, os resultados do levantamento em 2020 mostram que é possível para o Brasil combater a ilegalidade no setor de cigarros, substituindo o ilícito pelo produto legal. "A pandemia alterou fatores econômicos que impactaram diretamente o preço do produto do crime organizado. Isso mostra que se mexermos nas variáveis econômicas de modo a atacar de frente o produto ilegal, o mercado legal nacional tem toda a capacidade de assumir essa parcela, gerando emprego e arrecadação, sem resultar em aumento de consumo", apontou.
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O ETCO defende o debate tributário também sobre o ponto de vista de combate à ilegalidade. No Brasil, os impostos sobre os cigarros variam de 70% a 90%, dependendo do Estado. Já no Paraguai, o produto é taxado em apenas 18%. "É importante que sejam tomadas medidas que impactem a demanda do cigarro do crime e não apenas medidas que se restrinjam ao combate da oferta do produto ilegal. Para isso, a questão tributária é fundamental e deve ser colocada em discussão", afirmou o presidente do ETCO.
O contrabando no Brasil
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O Ibope apontou que, em 2020, a ilegalidade respondeu por 49% de todos os cigarros consumidos no Brasil, sendo 38% contrabandeados (principalmente do Paraguai) e 11% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como devedores contumazes. Com isso, 53,9 bilhões de cigarros ilegais circularam no país, uma cifra ainda extremamente alta. Com o aumento do preço do ilegal (de R$ 3,44, em 2019, para R$ 4,44, em 2020), o consumidor migrou, pela primeira vez em seis anos, para o produto formal, provocando queda de 8 pontos percentuais do mercado ilícito no Brasil, enquanto o mercado formal aumentou na mesma medida, chegando a 51%.
A arrecadação de impostos do Brasil teve um incremento de R$ 1,2 bilhões sobre o setor do tabaco, alcançando R$ 13,5 bilhões. Mas a sonegação ainda é alta: R$10,4 bilhões. Esse valor, se revertido em benefícios para a população,poderia ser usado para construir 94 mil unidades de casas populares, ou 18 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou ainda 58 mil leitos de UTI para o tratamento de covid-19.
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Realizada desde 2014, a pesquisa Ibope/Ipec tem abrangência nacional e, nesta edição, foi a campo entre outubro de 2020 e janeiro de 2021. Foram entrevistados presencialmente 9 mil fumantes com idades entre 18 e 64 anos, residentes de municípios com 20 mil habitantes ou mais.
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