Publicado 20/05/2022 10:11 | Atualizado 20/05/2022 13:03
Rio - O miliciano Francisco Anderson da Silva Costa, o Garça, tinha um hobby: enviar blusas personalizadas a servidores públicos que haviam sido cooptados pela quadrilha e pedir fotos com eles as vestindo. De acordo com os investigadores, era uma forma do criminoso ter em seu poder provas de que havia "recrutado um exército" e de que eles usavam a "camisa-uniforme" da quadrilha.
As fotos foram obtidas pela reportagem, com exclusividade, nesta sexta-feira, dia em que foi deflagrada a Operação Heron pela Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas), com apoio do Ministério Público. A ação visa prender 11 servidores que tinham ligação com Garça. Até a última atualização desta reportagem, sete pessoas tinha sido presas: os agentes penitenciários André Guedes Benício Batalha, Alcimar Badaró Jacques, Ismael de Farias Santo, Wesley José dos Santos e Carlos Eduardo de Souza. Também foram presos o capitão da PM Pedro Augusto Nunes Barbosa e o tenente Matheus Henrique Dias França.
No dia 09 de fevereiro de 2021, Garça envia uma camisa com o símbolo do SOE (Serviço de Operações Especiais) para o policial penal Edson da Silva Souza. O agente agradece e diz que "adorou a camisa". Garça, então, pede uma foto, e diz: "Se tú puder, cara... se tú puder, manda a foto... manda a foto aí pra mim, pra eu vê como é que fico. Precisa botar teu rosto não, mané. Eu gosto de vê como é que ficou, que eu já pedi outras, pra daqui a três meses, que é lá do Ceará. Eu vou pedir mais reforçada no abdômen e no peito, entendeu? Pra ficar um negócio tipo...negócio tipo armadura, vai ficar brabo!". Souza, então, envia a foto.
O mesmo argumento era usado por Garça a outros agentes: a de que queria enviar para o seu contato a foto e promover melhorias na blusa. Com isso, fez um book fotográfico dos servidores.
Três dias após receber o presente, Souza envia uma mensagem a Garça. Nela, ele aparece em um sítio e afirma que recebeu "uma moral excelente do amigo de cima". O miliciano diz que o "amigo de cima é muito bom de coração e fica feliz em ver o amigo (Souza) na obrinha". Segundo os investigadores, nesse diálogo, fica subentendido que Souza tenha recebido alguma espécie de vantagem, possivelmente financeira. O amigo de cima seria Luíz Antônio da Silva Braga, o Ecko, então chefe da milícia.
E, oito dias após o diálogo que mencionaria Ecko, Garça envia duas fotos a Souza: vestido uma balaclava, colete balístico, portando fuzis e carregadores. Na ocasião, ele diz que está fazendo um patrulhamento de reconhecimento.
As fotos e as mensagens estavam em celulares apreendidos na casa de Garça, em Santa Cruz, em fevereiro do ano passado. Os aparelhos foram apreendidos pela Draco e submetidos à perícia.
No mesmo dia em que enviou a camisa a Souza, Garça também entregou uma blusa ao policial penal Ismael de Farias Santos, com os mesmos dizeres do grupo especializado SOE, da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap). "Amigo, vê se tem possibilidade aí, de você tirar foto com ela, equipado mané... só, só, só num bota teu rosto, pa eu vê comé que tá... pra eu vê comé que fica. Tá bom? Que eu tenho que passa pro amigo que me... que foi... o amigo é até do Choque, o amigo é intermediário, entendeu? Num... num... não é daqui do Rio. O amigo é do Choque, mas ele... o contato dele é no Ceará, entendeu? Pra vê o que, que pode mudar, o que, que pode melhorar... se for possível, meu irmão, equipado! Se for possível, claro", disse, em áudio.
A foto foi enviada, conforme solicitado. O policial posa ao lado de um símbolo do SOE. Três dias depois, Garça pergunta a Ismael se uma blusa do GIT (Grupamento de Intervenção Tática), também da Seap, havia sido entregue a um outro policial penal, identificado apenas pelo primeiro nome. O agente confirma.
Segundo a investigação,
Segundo a investigação,
Miliciano pede autorização a policial para usar blusa
Não bastasse presentear os policiais com as camisas-uniforme, Garça também solicitou a autorização para ele mesmo usar uma, com o emblema do GIT, como se fosse um policial. Em conversa com seu segurança Alcimar Badaró Jacques, a quem Garça chamava de Bada, ele indaga se o agente gostou da blusa. E, na mesma conversa, o criminoso pede ao policial penal o seu aval para que o mesmo possa usar a blusa do GIT.
"Gostou, irmão? Depois manda a foto. Achei maneira demais, boa para dar uma corrida ou até mesmo com a calça tática creme. Você é meu irmão", escreveu o miliciano. Badaró, então, responde: "Sempre".
Garça continua a conversa, citando um lema militar. "Força e Honra, meu irmão". E, em seguida, pede para usar a blusa do GIT também. "Posso usar uma blusa do GIT também? Só vou usar com a tua bênção". E, Badaró escreve: "Com certeza".
Garça continua a conversa, citando um lema militar. "Força e Honra, meu irmão". E, em seguida, pede para usar a blusa do GIT também. "Posso usar uma blusa do GIT também? Só vou usar com a tua bênção". E, Badaró escreve: "Com certeza".
Entusiasmado, Garça digita uma sequência de mensagens. "Meus equipamentos são cremes. Ficou foda. Muito boa. Muito mesmo. Gostei". Badaró aprova: "Você merece".
Em nota, a Seap afirmou que "colabora com as investigações e a corregedoria-geral da pasta acompanha o caso". A defesa dos citados não foi encontrada.
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