Publicado 14/06/2022 14:58
Rio - "Ainda dói muito". É assim que o estudante de Nutrição, Fábio Leandro Souza do Nascimento, de 25 anos, resume o que vem sentindo desde o último sábado (11), quando foi acusado de ter roubado o guarda-chuva de uma mulher, logo após um espetáculo no Teatro Ipanema, Zona Sul do Rio. O caso veio à tona após Fábio usar as redes sociais para denunciar que tinha sido acusado injustamente. Orientado por advogados, o jovem foi à 14ª DP (Leblon), no fim da tarde de segunda-feira (13) e registrou a ocorrência.
Agora, ele espera justiça: "O racismo estrutural nesse país é tão grande e normalizado pelas pessoas que eu, um cara preto, num dia de chuva, não tenho nem o direito de ter um guarda-chuva meu que aí vem uma mulher branca me acusar de roubo. É tudo muito absurdo", lamenta o rapaz, dizendo ainda que espera que sua atitude de não se calar sirva de exemplo a outras pessoas que também sofrem racismo no Brasil: "Só quem passa por isso sabe a dor que é. E se eu posso dar algum conselho é: não se calem! Denunciem, sempre!"
De família humilde, morador da comunidade Chapéu Mangueira, no Leme, Fábio é filho de uma dona de casa com um profissional autônomo. Emocionado, lembra os ensinamentos que aprendeu com a mãe, Glória Regina, que morreu há pouco mais de um ano e meio. "Somos pobres, sim, mas aprendi em casa que o estudo é nosso melhor patrimônio. E meus pais sempre se esforçaram muito para nos criar bem. Eu e meus quatro irmãos. Faço faculdade à noite e de dia trabalho como autônomo. Sou honesto e não vou me calar nunca frente ao racismo", contou o jovem universitário, estudante do 5º período de Nutrição, na Faculdade Santa Úrsula.
Desde que tudo aconteceu, o rapaz diz que tem dormido mal e comido pouco. "O estômago revira com essa injustiça toda". Ainda abalado, faz questão de agradecer o apoio que vem recebendo das pessoas, seja pessoalmente ou pelas redes sociais. "É bom ver que não estamos sozinhos".
Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura disse que "lamenta o ocorrido e reafirma o compromisso de uma gestão pública que integre a cidade para que pessoas negras possam circular livremente por espaços públicos e privados sem serem afetadas pelo racismo" e complementa dizendo "o quão significativo é isso acontecer justamente numa peça de um grupo vindo da Maré e que trate de temas como racismo e violência", diz a nota.
Além disso, a secretaria de Cultura convidou o rapaz para voltar ao Teatro Ipanema, na noite desta terça-feira (14), para a comemoração dos 80 anos da Orquestra Afro-Brasileira e o aniversário de Carlos Negreiros, último músico remanescente da formação original. Antes da apresentação, o secretário municipal de Cultura, Marcus Faustini, e a subsecretaria Ericka Gavinho terão uma fala inicial reafirmando o repúdio à agressão sofrida por Fábio. "Estou muito agradecido a todos que me apoiaram. Fiquei muito feliz com o posicionamento do pessoal da Secretaria Municipal de Cultura, também. Não sei se consigo já voltar ao local onde tudo aconteceu porque ainda me machuca muito, mas valeu o apoio de qualquer maneira. Isso é importante para mim".
A direção do espetáculo 'Nem Todo Filho Vinga' também usou as redes sociais para se solidarizar com Fábio e repudiar o ocorrido: "Nós, da CIA Cria do Beco, repudiamos toda e qualquer atitude RACISTA. Uma mulher acusou um amigo negro, favelado, de ter roubado seu guarda-chuva. Sim, um guarda-chuva. A cena foi caótica, estendeu-se na rua, num constrangimento terrível. Continuaremos ocupando esses espaços e trazendo nossa galera pro teatro. Todo nosso apoio e afeto Fábio Leandro".
Em seu perfil no Instagram, mensagens de apoio de amigos e desconhecidos: "A gente não tem um minuto de paz nesse mundo. Como isso é cansativo, cara!!! Estamos juntos, irmão. Você não está sozinho", diz um homem; "Sinta-se abraçado. Um absurdo tudo isso", escreveu uma mulher.
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