Publicado 17/10/2022 13:17
Rio - "Infelizmente minha filha virou mais uma estatística". O desabafo é de Rafael Meireles, pai da jovem de 17 anos, baleada na comunidade de Manguinhos, Zona Norte do Rio, na manhã deste domingo (16). Grávida, ela saía de casa casa em direção à Avenida dos Democráticos, quando foi atingida por um tiro, que acertou a mão e ultrapassou o abdômen, passando a poucos centímetros do bebê. A jovem segue internada no Hospital Municipal Miguel Couto, no bairro do Leblon, Zona Sul do Rio. De acordo com boletim divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS-RJ) nesta segunda-feira (17), mãe e bebê têm quadro estável e estão em observação no CTI da unidade. A PM nega ser responsável pelo disparo.
Segundo Rafael, não havia operação no momento em que a filha foi ferida. Ele questiona a ação dos policiais, e afirma que os agentes teriam "trocado tiros por adrenalina".
"A Polícia Militar não pode parar na entrada de uma favela e trocar tiro num horário que não era específico para isso. Era um domingo, não tinha nada na comunidade. Simplesmente pararam, e atiraram por adrenalina. Supostamente, disseram que viram alguma coisa, mas é mentira", disse.
O pai da jovem, muito emocionado, lamentou que a filha faça parte de mais uma estatística.
"A sociedade justifica que todos os moradores de favela são "do mal", o erro é sempre de quem mora lá dentro. Eu moro em comunidade, sou uma pessoa do bem, não falo gíria, já vi muitas coisas erradas, essa é mais uma", desabafou.
"A minha filha não era traficante, ela estava no interior da comunidade. Isso é só um desabafo, tenho certeza que vai dar em nada. Ela é só mais uma". E ainda questionou: "Será que nós estamos errados por morar em uma comunidade?"
De acordo o DJ Jonathan de Souza Silva, marido da jovem, que está no quarto mês da gestação, o casal se dirigia para a casa da mãe dele, na comunidade do Jacarezinho, quando ouviu um disparo. Ele tentou se proteger e não viu que a esposa havia sido atingida. Jonathan percebeu os ferimentos após ver uma mancha de sangue na roupa da jovem.
"Nós íamos atravessar (da comunidade) de Manguinhos para o Jacarezinho, onde minha mãe mora, quando eu ouvi um estalo. Tomamos um susto e ela sentou no chão. Para mim, ela havia sentado para se proteger dos tiros. Foi quando eu vi que ela já estava sangrando e corri para socorrer", relatou.
Após ser baleada, moradores teriam ajudado a levar a jovem em um táxi até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Manguinhos. Jonathan disse que, inicialmente, achou que se tratava de um ferimento, mas logo percebeu que o projétil ultrapassou o abdômem da gestante, além de ferir a mão. Segundo ele, a própria esposa viu a origem do disparo.
"Ela mesmo viu que o tiro partiu da rua para a comunidade", contou. "A partir daí, os moradores gritaram que eles acertaram uma grávida e, em seguida, começou um tiroteio".
Após ser atendida na UPA, a jovem foi transferida para o Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, na Zona Sul do Rio. O marido reclamou da abordagem dos policiais na unidade. De acordo com ele, os agentes questionaram se o casal estaria saindo de um baile realizado no interior da comunidade e ainda teriam o chamado de "neguinho".
"Só porque eu falei que trabalho como DJ, eles acharam que eu estava no baile. Mas eu realizei uma festa para crianças, de 7h as 15h. E, mesmo que estivesse, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ainda mais ser questionado no hospital, que é bem longe de onde nós moramos", desabafou.
No hospital, um novo drama. Uma tia da jovem, que não quis se identificar, questionou a demora em receber informações sobre o estado do bebê. Segundo ela, não havia obstetra na unidade e os médicos que estavam de plantão são sabiam analisar a ultrassonografia.
"Demoramos mais de 24 horas para saber como estava o bebê. O hospital informou que não tinha o profissional para ler o exame, e nenhum dos médicos que estava de plantão sabia fazer", contou.
Na manhã desta terça-feira (17), a Secretaria Municipal de Saúde (SMS-Rio) comunicou, por meio de um boletim, que "a jovem precisou passar por uma cirurgia mas está lúcida, estável e em observação no CTI". Ainda de acordo com o órgão, o bebê segue em acompanhamento. Questionada sobre a ausência de um obstetra na unidade, a assessoria informou que haviam três profissionais de plantão no domingo.
A Polícia Militar informou que não havia operação na comunidade de Manguinhos. Segundo a corporação, policiais do Batalhão com Cães (BAC) estavam no interior da comunidade realizando um patrulhamento, quando foram atacados por disparos vindos de criminosos na Avenida dos Democráticos, e houve um intenso confronto na região. Ainda de acordo com a nota, somente na manhã desta terça-feira (16), que o batalhão foi informado sobre a existência de uma pessoa ferida.
Sobre a acusação do marido da jovem, de má conduta dos agentes na unidade hospitalar, a assessoria afirmou que "não compactua com este tipo de comportamento discriminatório e não tolera quaisquer desvios de conduta praticados por seus integrantes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos".
Um vídeo, divulgado nas redes sociais, mostra o momento do tiroteio. Moradores também reclamaram da violência logo no início do dia. Veja o vídeo:
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