Esquina das ruas Alzira Brandão com Conde de Bonfim, na Tijuca, local onde era realizado o Alzirão, não foi decorada neste anoMarcos Porto/Agencia O Dia
Publicado 19/11/2022 14:59
Rio - O cancelamento da tradicional festa do Alzirão, realizada há 44 anos na esquina das ruas Alzira Brandão com Conde de Bonfim, na Tijuca, deixou os cariocas apaixonados pela Seleção Brasileira surpresos e tristes. Na última sexta-feira (18), a organização do evento, histórico ponto de encontro dos que buscam um local animado e festivo para assistir aos jogos da Copa do Mundo, informou que ele não será realizado neste ano, quebrando uma tradição que já dura quase meio século.

A professora Maria Mendes, de 52 anos, moradora de uma rua próxima do local há 38, contou que frequentou edições passadas da festa quando era adolescente e lamentou a não realização neste ano. "Minha família e eu não somos muito de aglomerar para assistir os jogos, mas fui várias vezes quando eu era mais nova e o clima sempre foi bom, dá para perceber como mexe com as pessoas do bairro, principalmente os moradores dessas ruas aqui de perto, e em especial as crianças que amam a arrumação da rua. Eu adorava ver a rua sendo enfeitada, ficando toda produzida para a Copa. Esse ano está tudo parado, não tem nada e isso é um pouco estranho para a gente que mora aqui há tanto tempo e já se acostumou. Parece até que não vai ter copa", relatou Maria.

"É triste ver que a tradição será quebrada. Mesmo nós aqui em casa não sendo muito de bagunça, era sempre bom ver a animação das pessoas na festa, as famílias reunidas, os amigos todos juntos, celebrando. Sem contar as consequências positivas que causava na região, desde o aumento do consumo nos comércios daqui, a visibilidade e até a segurança", concluiu a professora.

Tijucano de coração, o ator Nando Cunha, intérprete do personagem Joel na novela Travessia, destacou a importância da festa para bairro, citando a questão da segurança pública como um dos principais pontos favorecidos pelo evento. "O Alzirão como festa é importante porque, para nós aqui da Tijuca, é importante ocupar os espaços públicos. Num momento de muita violência, com um governo que pediu para armar as pessoas e que não deu o menor olhar para a segurança pública, tanto Federal quanto Estadual, é importante a ocupação os espaços públicos porque, quanto mais nós ocuparmos, menos violência tem", desabafou.

"Eu nunca fui como ilustre, eu ficava no tumulto, morava na (Rua) Mariz e Barros e ficava no tumulto com os meus amigos, tomando cerveja para comemorar o título de 1994. Fez parte da minha história, em 94 eu estava lá comemorando e foi bem bacana justamente por isso, você chegava lá e já encontrava um amigo aqui, outro ali, eu tenho muitos amigos ao redor. Ao longo dos anos, a gente ficou um pouco descrente da Seleção e acabamos desanimando um pouco de fazer esse tipo de festa, mas é importante ter o Alzirão, um espaço público cultural, econômico e social", relatou.

"A Tijuca é um celeiro de espaços culturais muito grande. Tinha festa junina, Carnaval na Saens Pena, muita coisa que acabamos parando de fazer e eu acho que a gente deveria voltar a ocupar esses espaços. Quanto mais a gente ocupar, menos violência e mais entretenimento vamos ter como opção. Então, não só durante a Copa do Mundo, mas o Alzirão tem que investir na festa junina, no Carnaval... E não só o Alzirão, todos os espaços culturais nós precisamos ocupar. É muito importante para resolvermos a violência e ajudar o Estado na questão da segurança pública", concluiu o ator.

Morador da região desde que nasceu, o administrador Raphael Albuquerque, de 36, falou sobre as edições passadas e como a festa impactava sua vida a cada quatro anos, além de destacar a importância do evento para a comunidade. "Acho que o Alzirão marca a Copa, que é o momento que a gente está sempre com a família, que a gente para de brigar por coisas à toa. E o Brasil é o país do futebol, né. É o esporte nacional que todo mundo gosta e o Alzirão sempre fez parte dessa festa. Mesmo que rapidinho, todo mundo passava ali, nem que fosse antes ou depois do jogo. Existe há quase 50 anos e, bem ou mal, todo mundo esperava que acontecesse", frisou Raphael.

"Todo mundo esperava e, de repente, começaram a comentar que não estava sendo feito nada na rua, ninguém estava comentando nada, não tem postagem em rede social, nada. Ficamos nos perguntando se iria ter e depois saiu em alguma rede a notícia informando que não terá. Mas todo mundo esperava que fosse ter porque, mesmo quem não gostava e reclamava acabava indo lá", relatou o administrador.

"A minha rua ficava fechada, tinha que tirar o carro, o banheiro químico ficava em frente a minha casa, era um inferno, mas ter isso um dia a cada quatro anos não atrapalhava e você via uma galera sorrindo, feliz, se divertindo, valia a pena. Acho que hoje, até para as pessoas mais humildes, você ter uma festa na rua é fundamental para a pessoa participar, ter um local para ver o jogo e tomar uma cerveja com os amigos. Hoje a gente tem festas muito elitizadas no Rio e temos que entender que vivemos em comunidade e o evento é muito importante. Se o Brasil for campeão, vai estar todo mundo lá, comemorando e se abraçando", concluiu Albuquerque.

Procurada, a Prefeitura informou através de nota que "até o momento, não há pedido oficial para a realização de eventos durante o período da Copa do Mundo de 2022, na Rua Alzira Brandão, na Tijuca. Mas a Subprefeitura da Grande Tijuca segue em contato com organizadores da festa no local para auxiliá-los no que for possível ao poder público".

Segundo o subprefeito da Tijuca, Wagner Coe, a organização responsável pelo Alzirão não havia feito o pedido corretamente, através de uma Consulta Prévia de Evento (CPE), método usado para demandas de realização de eventos. "Nós temos todos os nossos pedidos encaminhados para a Riotur. Tudo que eles solicitaram, nós fizemos também, só que os pedidos não puderam nem ser avaliados porque a gente descobriu que eles não tinham feito nenhum pedido sobre o evento oficialmente. Ou seja, não temos como fazer qualquer ajuda da prefeitura, se na verdade o evento não é legalizável porque eles não fizeram nenhum pedido. Eles falaram que tinham uma CPE, mas a CPE deles era um pedido de alvará para funcionamento da associação em um apartamento na rua do Alzirão, ou seja, eles não deram entrada no pedido", relatou subprefeito.

"Ontem, depois que nós explicamos a eles que a CPE deles era errada, aí que eles deram entrada oficialmente no pedido, ou seja, só ontem isso aconteceu. Nós temos isso tudo documentado, todos os pedidos que eles fizeram eu encaminhei para a Riotur, só que a Riotur não teve nem como fazer uma avaliação porque não existia o evento", continuou Wagner.

"Eles deram entrada nesse pedido, na verdade, ontem, e sentaram com a gente para falar do pedido na última segunda-feira, ou seja, todas as outras ruas já estavam até com portaria. Nós ajudamos a todas, a deles é porque não existia o pedido do evento. Sentaram informalmente na segunda-feira e só deram entrada no pedido na sexta-feira, ontem", finalizou Coe.

Por meio de nota, a Subprefeitura da Grande Tijuca ressaltou que "sempre dá todo suporte e apoia todos os eventos na região que estejam regularizados, estruturados e atendam às exigências dos órgãos públicos, que asseguram a realização de qualquer evento com organização e segurança".
Briga na diretoria
Possivelmente, o motivo por trás do cancelamento não seria a falta de verbas, apoios e patrocínios, como foi declarado pela organização, através de uma nota divulgada na última sexta-feira (18). Em entrevista ao portal "Eu, Rio", Guilherme Teixeira, fundador e organizador de todas as edições do Alzirão, apontou os atuais membros da diretoria do evento como os responsáveis pela não realização. Segundo Teixeira, a última eleição para o corpo diretor da Associação Recreativa e Cultural Turma do Alzirão, produtora da festa, foi fraudada pelos atuais mandatários.

"Ocorre que quatro dos fundadores dessa pequena Associação, que foram por mim convidados e aceitaram fazer parte da fundação, porém jamais organizaram o evento, só agora decidiram, após 17 anos de completa prostração, fraudar a eleição para diretoria, às vésperas dessa Copa do Mundo. Em desrespeito ao estatuto, e sem competência para tal, convocaram eleição para uma determinada data e local, e realizaram a mesma, às escondidas, em outra data e em outro local, sem a presença dos sócios organizadores. Por fim, registraram essa fraude em forma de ata e flanaram por aí se passando pelos organizadores do evento", acusou o idealizador do Alzirão.

"Temos de restabelecer a diretoria da Associação e impedir que esse grupo, sem nenhuma expertise, tente realizar o evento e, com isso, coloque a população em risco. Chegou a nosso conhecimento que os mesmos solicitaram autorização aos órgãos públicos mentindo que o evento tem um público de apenas 5 mil torcedores, o que demonstra a total irresponsabilidade desse quarteto... Culpam a Prefeitura, mas a mesma sempre ajudou o evento", finalizou Teixeira

O DIA tentou contato com o presidente da organização do evento, Ronaldo Saliba, mas o dirigente não estava disponível.
O Alzirão

Localizado na esquina entre as ruas Conde de Bonfim com Alzira Brandão, na Tijuca, Zona Norte do Rio, o evento é considerado a maior festa de iniciativa popular do Brasil no período da Copa do Mundo. Desde 1978 a Turma do Alzirão se reúne na celebração que, este ano, completaria 44 anos e já se fez presente em 11 Mundiais.

A região foi palco de festas memoráveis dos torcedores em vitórias da seleção brasileira, principalmente nas conquistas de 1994 e 2002, e faz parte da história, tanto da Tijuca, quanto do Rio e seus cidadãos. As tradicionais transmissões dos jogos no local, durante a última Copa, chegaram a reunir, em média, 30 mil expectadores.
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