Publicado 10/09/2023 06:00 | Atualizado 10/09/2023 11:00
Rio – Pode parecer distante, mas a Praça Paris, no bairro da Glória, Região Central, já foi ícone da Belle Époque carioca. Se em 1929, quando foi inaugurada com projeto do arquiteto e urbanista francês Alfred Agache (1875-1959), ela era sinônimo de um pedaço de Paris no Rio e oásis de tranquilidade em meio a um centro urbano, agora o cenário é diferente, com a identidade original do espaço descaracterizada por falta de preservação e falta de segurança no local. Mas um projeto de revitalização planeja trazer de volta a glória dos tempos perdidos.
Situada na confluência do Centro com a Zona Sul da cidade, a praça tem projeto paisagístico que remete aos jardins do Palácio de Versalhes, na França, e faz parte da região aterrada da cidade. Para reproduzir ali o modelo dos clássicos jardins europeus, foi necessário cobrir o terreno em frente à Praia da Glória e, para isso, foram usados materiais vindos da demolição do Morro do Castelo, no Centro, promovida pelo então prefeito Carlos Sampaio (1861-1930). A ideia era tornar a cidade uma Paris da América do Sul.
Resquício da pretensão urbanista chamada de "Plano Agache", que não foi finalizada, a Praça Paris tem sido alvo de abandono e associação à violência urbana. O projeto de revitalização, uma parceria entre o RevitalizaRio, a subprefeitura do Centro, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) e um grupo de empresas patrocinadoras, pretende restaurar as grades, as estátuas e os monumentos, feitas de forma idênticas às francesas, renovar o pórtico de entrada da praça, os bancos, os caminhos de saibro e os jardins, além de colocar em prática um programa de ocupação com aulas de ioga, roda de choro e contadores de história. A duração prevista é de dois anos e o investimento é de R$ 2 milhões.
Coletivos de Carnaval da cidade já ocupam a praça há cerca de dez anos. Grupos e oficinas de música ensaiam e têm aulas no local. Mônica Vitória Mendes, de 38 anos, que faz parte dos blocos carnavalescos Me enterra na quarta e Canários do Reino, frequenta a praça semanalmente para encontros musicais desde 2019 e diz que a revitalização é bem-vinda, mas recuperar e melhorar a iluminação do espaço é fundamental, já que mais afeta o público:
"Sofremos problemas em relação à segurança, tentativas de assaltos e furtos por áreas da praça não serem devidamente iluminadas. Há a presença de patrulhas e da Operação Segurança Presente, mas não é suficiente. Como ensaiamos à noite, percebemos que alguns lugares não estão com a iluminação adequada, tem muitos lustres que estão quebrados, e isso deixa a praça ainda mais suscetível a esse tipo de ataque", afirma a jornalista e tatuadora.
Ela conta ainda que uma amiga chegou a ser alvejada com um tiro de chumbinho enquanto ensaiavam, no ano passado: "Algum morador incomodado com o barulho acertou a minha amiga. Ficamos bem consternados e tristes com a situação. A revitalização será muito boa por um lado, acho que dará um destaque à praça, que é tão importante para nós que frequentamos estudando e fazendo música, para os eventos que acontecem ali e para os moradores que vão com a família e cachorros ter momentos de lazer e tomar sol. Restaurar as grades, para a questão da segurança, é ótimo e importante, mas seria bom também pensar em alguma solução para a iluminação, pois isso pega bastante. Acho que poderia ter esse adendo de segurança para integridade física do pessoal que frequenta, especialmente à noite", completa Mônica.
A falta de segurança levou os blocos de Carnaval a criarem o coletivo Unidos da Paris. Com cerca de 30 representantes, o grupo se juntou para conversar os problemas do lugar e achar soluções junto ao poder público: "A violência do local aconteceu por uma rápida escalada de coisas. A saída da Guarda Municipal, que ficava até a hora de fechar, e acabou sem explicações. Paralelamente a isso, há problemas de iluminação, sem reposição das lâmpadas retiradas ou quebradas, o furto ou retirada de bancos e lixeiras e as grades podres que são cerradas. Então, mesmo a praça sendo trancada, as pessoas entram pela grade, assaltam e saem pelas grades. As vezes tem policial militar na porta, mas não é todo dia como era com a guarda municipal", diz Anna Márcia Martins, de 43 anos, musicista do bloco Me enterra na quarta e uma das fundadoras do coletivo.
O grupo enviou ofícios para a prefeitura, para a Companhia Municipal de Energia e Iluminação (RioLuz), para a Guarda Municipal, e tentou conversar com a Polícia Militar, mas como os protestos não surtiram efeito, o grupo não seguiu as tratativas: "As pessoas são assaltadas à noite, chegaram a ter furtos com facas. Como não queríamos morrer, o jeito foi criar o grupo. Não deu certo, então criamos os nossos próprios artifícios para não sermos assaltados", argumenta Anna.
Moradora do bairro da Glória desde 2015, a guia de turismo Rafaela Coeli considera que a praça está mal cuidada, especialmente na parte do gradil e iluminação: "A população, de modo geral, usa muito a praça, leva cachorro para passear, vai aos eventos dos fins de semana. Eu vou bastante para correr e confesso que, à noite, não me sinto segura por conta da iluminação. Os postes são antigos e as lâmpadas são fracas ou ficam apagadas. A praça já foi pior, já foi mais perigosa porque as pessoas não frequentavam, isso mudou em 2017. Porém, nunca esteve bem cuidada", avalia.
Segundo a RevitalizaRio, o projeto está avaliando com a prefeitura se intervirá na iluminação. A obra iniciou com o conserto dos tentos (as peças que separam o piso do jardim e têm a função de contenção da terra quando o jardim está acima do nível do piso, como se fossem rodapé). Já o restauro do Monumento ao Almirante Barroso, criado em 1909, foi o ponto de partida da recuperação das obras de arte públicas da praça. Trata-se de uma estátua em bronze feita pelo escultor brasileiro José Otávio Correia Lima, que homenageia o oficial e seus subordinados mortos na Batalha Naval do Riachuelo, da Guerra do Paraguai. Em seu suporte de alvenaria forrado com granito branco estão inscritos os nomes das principais embarcações envolvidas na batalha e imagens dos que morreram nela. Ainda no escopo da revitalização, equipes da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), responsáveis pela poda de árvores na cidade, serão treinadas para preservar o projeto paisagístico que remete aos jardins do Palácio de Versalhes, remodelando os arbustos.
A Praça Paris concentra um grande número de esculturas a céu aberto, e é conhecida principalmente pelos seus bustos em mármores e estátuas que representam as estações do ano. Ela abriga em suas amplas áreas verdes, além dos chafarizes, obras de arte e esculturas, um grande número de amendoeiras de grande porte. Elas são tão suntuosas que também foram contempladas pelo tombamento do IRPH, em 1995, junto com os jardins, o traçado, as fontes, os postes, os bancos e as estátuas, pela sua importância arquitetônica, histórica e cultural.
A praça foi idealizada para reproduzir o traçado e a elegância de um jardim parisiense, marcado pelas formas geométricas rígidas e pela simetria perfeita.
As obras de construção começaram em 1926 e a proposta original é que ela iria da das avenidas Rio Branco e Beira Mar até a Rua da Glória. Posteriormente, o plano mudou para dar lugar à Praça Marechal Deodoro da Fonseca. Se tivesse ido para a frente, a praça ue seguiria do final da antiga Avenida Central (hoje a Avenida Rio Branco), passaria pelo Passeio Público e teria mais 48000 m² de extensão.
Após algumas destruições, uma delas, para dar passagem ao metrô, na década de 1970. A primeira estaca foi colocada exatamente na Praça Paris, em 23 de junho de 1970, pelo então governador Negrão de Lima, dando início às obras do sistema metroviário do Rio, que causaram modificações arquitetônicas e paisagísticas. A praça foi restaurada e reinaugurada em 1992 e, posteriormente, cercada por grades.
Mais recentemente, o Chafariz dos Golfinhos, que fica no lago de 1600 m² em forma retangular da praça, voltou ao funcionamento. Ele foi religado no último dia 2, após sete anos danificado. A iniciativa partiu do "Dias de Glória", projeto da Prefeitura do Rio, que investiu cerca de R$ 95 mil em novo comando elétrico, bombas de águas e cabos de energia. Assim, a névoa circular central do lago e outras duas próximas à borda voltam a jorrar água, a 15 metros de altura, e os quatro golfinhos, réplicas dos existentes nos jardins do Palácio de Versalhes, também voltam a soltar da boca seus jatos direcionados ao centro do lago. É o espetáculo das águas jorradas no lago da Praça Paris marcando um novo momento para o lugar.
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