Moradores temem novas chuvas em rua onde idosa desapareceu e especialista alerta: 'Tragédia anunciada'

Rio - Moradores da Rua das Pedras, no Centro de Duque de Caxias, próximo ao Canal Caboclo, onde a idosa Maria do Carmo Basílio, de 78 anos, desapareceu após desmoronamento de um muro, temem as fortes chuvas previstas para esta semana. Segundo o professor Adacto Ottoni, associado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Uerj, a situação do local é uma tragédia anunciada e as obras de canalização, que estão sendo realizadas no rio, trazem grandes riscos à população.

De acordo com a Prefeitura de Caxias, com 960 metros de extensão, o Canal Caboclo corta o Centro da cidade desembocando na foz do Rio Meriti, entre a Rua Coronel Silva Barros e a Rua Padre Marinho. As obras de canalização iniciaram em 2021 e ainda estão em andamento.

Na manhã desta terça-feira (31), a equipe de O DIA esteve na região para ouvir moradores sobre o medo e receio com a previsão de chuva após a idosa ser levada pela correnteza na semana passada. Nesta manhã, um corpo foi encontrado às margens da Baía de Guanabara, na altura da Ilha do Governador, Zona Norte, com características semelhantes às de Maria.

O analista de sistemas, Marcos Ferreira, 36 anos, que mora há 28 anos na região, disse que as obras no canal começaram em 2007 nas comunidades Vila Ideal e Lixão, mas que iniciaram no Centro há pouco mais de um ano. O morador contou ainda o medo que toda vizinhança está passando com riscos de novos desabamentos.

"O problema da canalização é que ela liberou um grande fluxo de água que agora está vindo com muita força e tá carregando tudo que vem pela frente. Antigamente ali era tudo entupido, então a água subia devagar e não derrubava casa nenhuma, só que agora tá vindo com muita força, aqui em frente a minha casa já desmoronou e agora estamos esperando a próxima chuva para levar o resto. Se der a chuva que está prevista vai impactar a rua, vai levar meu muro, a gente já fica com medo", explicou.

Marcos mora em frente a casa da dona Maria e a câmera instalada na sua residência foi que registrou o desabamento do muro da vizinha que provocou sua queda no canal. Sobre a idosa, o analista de sistemas contou que ela era uma vizinha muito prestativa e que cuidava de animais de rua. 

"Ela cuidava muito dos gatos, às vezes alguém vinha e deixava, e ela pegava, cuidava com maior carinho, levava pra casa dela, cachorro também, sempre alimentava os animais de rua. Até o pessoal da obra ela dava leite, café, água gelada. Era uma pessoa muito boa que foi levada por uma incompetência do poder público", lamentou.

Na casa da idosa, ainda é possível ver animais como gatos e cachorros que estão sendo alimentados pelos vizinhos.

Nesta segunda-feira (30), a Defesa Civil Municipal interditou totalmente duas casas e parcialmente uma residência, localizadas na margem do Canal Caboclo, onde um muro desabou e parte de uma via afundou

"Tem uma casa da minha rua interditada, e do outro lado do valão mais pra frente tem outras duas casas. A casa da Priscila, tem 3 andares e se chover muito pode ir toda para dentro do valão. A água tá entrando por debaixo e desestruturando a casa dela, que já tem mais de 40 anos e nunca tinha acontecido isso", contou Marcos.

Priscila Ramos, de 38 anos, é uma das moradoras que teve a casa interditada após parte do asfalto perto de sua residência ceder depois de pancadas de chuva que caíram na cidade durante a madrugada de domingo.

"A contenção do muro da minha casa está desmoronando por conta da obra que está acontecendo no Canal Caboclo. Corre o risco de comprometer a estrutura e minha casa foi interditada. A minha rua está comprometida e minha casa está na direção da rachadura. Estou completamente desamparada, sem saber o que fazer", disse.

Após a repercussão do caso da Priscila, a Prefeitura de Duque de Caxias informou que será aberto um processo pela Secretaria Municipal de Urbanismo para pagamento do aluguel social para a moradora.

Riscos à população

De acordo com o professor Adacto Ottoni, do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente, a primeira chuva forte na região vai voltar a causar grandes inundações.

"O pilar que tem no meio da ponte do canal vai segurar todo lixo que o rio está escoando e vai inundar tudo. Essa população à beira do rio está em risco, porque na hora da enchente, a vazão do rio vai aumentar e o risco é grande. A prefeitura tinha que desapropriar ao menos 15 metros do lado do rio e construir habitações de baixa renda para transferir esse pessoal pra lá. Porque se não, essa obra vai agravar a situação na região", contou.

Ainda segundo o professor, não só a população ao redor do canal está em risco, mas toda vizinhança. "É só esperar a primeira chuva, a mancha de inundação vai ser cada vez maior, porque o rio tá todo sufocado e com isso vai aumentar o risco de transbordamento, não só para quem tá dentro da margem, que corre risco de morrer inclusive, mas para todos", lamentou.

Canalização do Canal Caboclo

O especialista disse ainda que as obras de canalização não são a solução para as enchentes e ainda provocam mais riscos aos moradores locais. No entanto, a Prefeitura de Duque de Caxias discorda, já que o projeto faz parte do programa de combate a enchentes para diminuir os transtornos causados aos moradores com as chuvas.

"A princípio é uma obra errada canalizar o rio, porque isso vai ser feito com concreto, mas a ascensão natural do rio tem vegetação, ou seja, se você coloca uma parede mais lisa isso aumenta a capacidade de vazão. Então ao canalizar vai aumentar a velocidade do rio pra não ter assoreamento (acúmulo de terra, lixo e matéria orgânica no fundo de um rio), mas essa água vai ser empurrada mais para baixo, concentrando a vazão do rio em áreas mais baixas, e isso vai agravar a inundação da região, porque se essa parte baixa não conseguir escoar, ela cria um tampão e aí o rio começa a subir e transbordar", explica o professor.

Na região, equipes do O DIA constataram ainda durante a manhã desta terça (31) funcionários da prefeitura dando continuidade às obras locais.

Em relação ao andamento, a Secretaria Municipal de Obras e Defesa Civil, informou que atualmente está concluindo as obras da rede de drenagem da travessia da Avenida Doutor Manoel Teles, que fazem parte da primeira fase da canalização do Canal Caboclo, que corta as comunidades da Vila Ideal e Parque Vila Nova. "Acrescenta que o Governo do Estado iniciou as obras da segunda fase do projeto de infraestrutura e vem atuando na área onde já foram desapropriados imóveis", disse em nota.

O que pode ser feito?

Para o professor, a solução deve ser focada nas causas do problema e não nas consequências. Ainda segundo o especialista, as principais causas da inundação são o desmatamento, impermeabilização do solo e o lançamento de esgoto e lixo no rio.

"No meu entender, o indicado seria recuperar o muro que caiu, mas para combater enchente tem que procurar combater o desmatamento, melhorar o reflorestamento, controlar a erosão da bacia, fazer obra de infiltração para reduzir o aporte de água de chuva. É preciso limpar o rio, o assoreamento, recompor e proteger as margens. A melhor obra é ainda a naturalização do rio", finalizou.