Protesto contra transfobia na Cinelândia reúne movimentos sociais e parlamentaresRenan Areias/ Agência O Dia
Publicado 26/01/2024 20:37 | Atualizado 27/01/2024 08:20
Rio - Movimentos sociais contra a LGBTfobia realizaram, na noite desta sexta-feira (26), uma manifestação contra as agressões sofridas por três mulheres, sendo uma cisgênero e duas trans, na saída de uma casa de samba, há uma semana. O ato começou na Cinelândia, no Centro do Rio, e se dirigiu ao Casarão do Firmino, na Lapa, local onde os seguranças apontados como autores do crime trabalhavam.
O ocorrido teve ampla repercussão em entidades que defendem a diversidade no Rio de Janeiro. Ativistas da Frente LGBTQIA+ organizaram o ato para solicitar ao poder público o cumprimento de demandas como o fim da violência contra a população LGBTQIA+ na Lapa, a rigorosa punição de todos os envolvidos no crime, a responsabilização cível do Casarão com base na Lei Estadual Antidiscriminação em Estabelecimentos Comerciais, a exigência de um sistema de monitoramento por câmeras e implementação de protocolos de segurança nos estabelecimentos da Lapa e canais seguros para denúncia e acolhimento de violências LGBTfóbicas e machistas.
Adriana Mota, coordenadora do grupo Mães da Resistência, afirmou que o movimento desta sexta não foi realizado sobre um espaço em particular, mas sim direcionado para pessoas que não conseguem usufruir da cidade de forma segura.
"Para mim, que sou mãe de LGBTQIAPN+, o medo da violência é um sentimento constante e não deveria ser. Ir ao samba, ao carnaval, sair com amigos/as/es não deveria ser motivo de preocupação. Mas se o seu filho não é bem-vindo nesses espaços de diversão, se o corpo dele pode ser linchado simplesmente por ser quem é... nós, Mães, não temos sossego. É muito importante ter segurança em todos os lugares. E é sobre o direito à cidade que é negado aos nosso filhos que estamos falando", disse.
Nesta sexta-feira (26), data em que as agressões completaram uma semana, uma das vítimas contou que segue abalada e preocupada com sua saúde mental. A mulher revelou diversos psicólogos a procuraram para ajudar, mas que o foco no momento é a resolução do caso.
"A delegacia que a gente registrou o caso, a 5ª DP (Mem de Sá), está trabalhando arduamente para descobrir e entender toda a verdade de tudo que ocorreu com a gente naquela noite. No quesito jurídico, estamos sendo muito bem assistidas. Ainda estamos muito abaladas. É muito difícil aparecer aqui. Muito difícil falar sobre esse assunto. A gente ainda continua vivenciando isso todos os dias. Não está sendo fácil. A gente também tem recebido muitas mensagens de psicólogos, terapeutas que estão preocupados com a nossa saúde mental. A gente também está muito preocupada. A gente está tentando buscar ser forte nesse momento. Claro que a resolução do caso de crime de ódio contra nós tem sido mais importante durante essa semana, mas a gente não consegue também relativizar as outras partes", explicou.
Investigação
Agentes da 5ª DP analisam imagens de câmeras de segurança que flagraram as agressões contra as três mulheres. A gravação mostra homens uniformizados de preto, identificados como seguranças do Casarão, dando chutes e pisões nas vítimas caídas. De acordo com a Polícia Civil, 11 seguranças do espaço de samba foram intimados a depor. Apenas um não compareceu à delegacia nesta sexta-feira (26). 
Testemunhas e vítimas afirmaram que os funcionários praticaram as agressões. Na tarde de quinta-feira (25), fora ouvidas as três vítimas e outras testemunhas. Segundo o delegado Bruno Ciniello, titular da 5ª DP, o inquérito está bem avançado.
O Casarão Firmino informou, em nota divulgada na quinta-feira (25), que entrou em contato com os advogados das vítimas para oferecer apoio. O espaço também afirmou que colabora com a investigação e divulgou as seguintes medidas para garantir a segurança do público: afastamento preventivo dos seguranças envolvidos nos acontecimentos até o fim das investigações; aumento do critério de seleção de novos colaboradores; treinamento especializado de forma constante para a equipe. Veja a nota completa no final da matéria.
Dono do espaço afirma que seguranças mentiram

O dono do espaço de samba, Carlos Firmino, afirmou ao DIA nesta sexta-feira (26) que foi enganado por seus seguranças. "Eu estava lá dentro. Tinha acabado o samba. Estava conversando com a cantora e os músicos, ouvindo um som lá dentro. Nisso, chega a funcionária dos serviços gerais e avisa que estava tendo briga lá fora. A única coisa que eu vi foi que não tinha briga, tinha um segurança cortado, as meninas no táxi e o taxista disse que não iria levar porque a polícia estava vindo", afirmou. Vítimas e testemunhas, no entanto, contam que o táxi não conseguiu deixar o local porque foi cercado pelos seguranças, que teriam retido a chave do motorista.
Firmino acrescenta que as mulheres deixaram o táxi e foram andando para o bar Vaca Atolada, na Rua Gomes Freire. "Eu avisei à Polícia Militar onde estavam. Pegaram ali. Dois envolvidos da segurança e outro rapaz que alega que [elas] jogaram a garrafa já estavam na delegacia".
O dono do espaço disse que não entende porque os seguranças procederam com as agressões e que nunca estimulou esse tipo de violência. Ele afirma que chamou toda a segurança na sexta-feira para entender o que houve. "Eles falaram que ela tacou um copo na cara de um segurança e que pediram para se retirar e elas voltaram jogando garrafa. Estão batendo dizendo que a casa é transfóbica. Eu emprego mais de 150 pessoas. Têm vários músicos que vão tocar bem remunerados", disse.
Firmino afirma que as câmeras externas não estão funcionando e que por isso não conseguiu consultar as imagens e que está colaborando com a investigação.

"A câmera da rua tá queimada. Choveu muito. Se não, eu ia mostrar o que aconteceu. Quero que quem tiver no meio seja punido. Toda hora eu falo, aqui é lugar de paz, não toca em ninguém, lugar de mulher é onde ela quiser. Eu prego que as pessoas têm que se sentir à vontade. Tem uma bandeira LGBT na porta", completou.
O dono do espaço afirmou que dispensou todos os seguranças e que a contratação é feita pelo chefe da segurança. "Na sexta-feira eu chamei todo mundo. Falei rapaziada, o que aconteceu? Disseram que foram os camelôs que bateram nelas. Se eu soubesse que eles fizeram isso eu era o primeiro a ir pra delegacia. Podia ser meu filho. Se errou, tem que pagar", disse.
Firmino afirmou que está contratando um serviço para treinar a equipe inclusive ele próprio para tratar o público LGBT. "Estou fazendo tudo que posso pra isso nunca mais acontecer. Preciso ter pessoas que entendam do movimento, falem a mesma língua, até eu vou passar pelo treinamento", contou.
Início das agressões

Segundo uma das vítimas, a confusão teve início na saída do show, quando uma delas foi empurrada por um homem em uma fila e a modelo o empurrou de volta. Nesse momento, as três, que estavam com uma quarta amiga, foram levadas para fora à força por seguranças. Do lado de fora, uma discussão teve início.
Quando as irmãs tentaram embarcar no carro de aplicativo que haviam pedido para ir embora, o motorista teria se recusado a levá-las, por estarem envolvidas na briga. Conforme o relato, o motorista, posteriormente, passou a filmar a confusão. Uma das mulheres, então, agrediu o homem, que, junto com os seguranças e vendedores ambulantes, teriam passado a incitar a violência contra o trio e as chamaram de "vagabundas".

Em entrevista ao DIA, o motorista de aplicativo relatou que trabalhava no momento que uma garrafa de vidro danificou seu veículo, em frente ao estabelecimento. Ele saiu do automóvel para gravar a cena com objetivo de acionar o seguro. A filmagem mostra que uma mulher tenta tirar seu celular e, em seguida, ele aparece com um ferimento no rosto. O homem disse que levou um soco e se sentiu acuado.

As três caminharam até a esquina do Casarão, ainda sendo alvo dos xingamentos. Um ambulante se aproximou delas e disse que só pouparia de agressões a mulher cisgênero. "Eu não bato em mulher, em homem eu bato", teria dito, mas acabou a agredindo com socos quando ela o chamou de covarde, momentos em que as irmãs tentaram contê-lo.

A modelo acrescentou que outros homens, entre os seguranças do estabelecimento e ambulantes, apareceram e a briga se tornou generalizada. "Pode espancar que é tudo homem", um deles teria falado.

Dois seguranças do Casarão e o motorista de aplicativo também foram ouvidos na distrital e as vítimas passaram por exame de corpo de delito. Uma delas teve o nariz quebrado, outra fraturou a costela.
Confira a nota divulgada pelo Casarão Firmino
O Casarão do Firmino expressa, novamente e com profunda empatia, respeito e apoio às vítimas dos lamentáveis eventos ocorridos na madrugada da última sexta-feira (19). Entramos em contato com os advogados para que possamos oferecer o apoio necessário neste delicado momento. Informamos também que seguimos colaborando com a investigação a fim de auxiliar as autoridades na resolução do caso o mais breve possível.

No entendimento de que uma grande mudança é necessária para a garantia de que episódios assim nunca mais aconteçam, decidimos promover treinamento especializado para a nossa equipe, além de outras medidas. Com isso, priorizando o momento de ouvir, aprender e mudar, decidimos manter o Casarão do Firmino fechado neste fim de semana para que, em sua reabertura, seja um ambiente acolhedor, inclusivo e seguro.

Medidas em curso para garantir a segurança e o bem-estar de todos que frequentam o Casarão do Firmino:

- Afastamento preventivo dos seguranças envolvidos nos acontecimentos até o fim das investigações.

- Aumento do critério de seleção de novos colaboradores.

- Treinamento especializado de forma constante para o nosso time.

Agradecemos a compreensão da comunidade e reafirmamos o nosso compromisso em agir com transparência e responsabilidade com a diversidade de nosso público.

Com respeito, Casarão do Firmino.
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