Educação Alimentar e Nutricional é incluída no currículo escolar do município do RioArquivo /Agência O Dia
Publicado 01/02/2024 12:56
Rio - Quando retornarem às escolas para o ano letivo de 2024, crianças e adolescentes que estudam na cidade do Rio de Janeiro não vão mais encontrar no recreio bebidas ou alimentos ultraprocessados. Nada de achocolatados e sucos em caixinha, mate ou bolos industrializados. 
O prazo de 180 dias para que as escolas de Ensino Infantil e Fundamental se adaptassem à nova legislação municipal, sancionada em julho, encerrou-se no fim do ano passado. Unidades ouvidas pelo DIA contam que já estão preparadas para oferecer o cardápio saudável e investem em conversas com as famílias para tratar da educação alimentar.

Caberá ao Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (Ivisa), a fiscalização da regra. O descumprimento da medida prevê, como primeira punição, uma notificação. Se a irregularidade permanecer, o estabelecimento está sujeito a multa diária de R$ 1,5 mil. A mudança afeta principalmente a rede privada da cidade, já que a rede pública municipal já havia cortado os ultraprocessados do cardápio.

O Colégio pH prepara uma conscientização de alunos e responsáveis a respeito da alimentação saudável. O vice-diretor pedagógico Vicente Delorme conta que uma empresa de nutrição foi contratada para apoiar a mudança nas cantinas da rede.
"A gente já tinha iniciado esse movimento há alguns anos, colocando mais frutas e buscando alimentos mais saudáveis. Agora, temos ainda mais cuidado. Todos os alimentos foram avaliados. Contratamos uma empresa para dar assistência e revisar tudo que é vendido nas cantinas", explica o vice-diretor pedagógico do pH.

A escola SAP, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, investiu em bolos feitos na própria unidade e sucos naturais para agradar os alunos, mas conta que já priorizava a alimentação saudável. Os responsáveis foram informados de que determinados alimentos não deveriam ser enviados na merenda e os pedidos por aplicativos foram vetados em prol da alimentação saudável.

A diretora Luciana Soares ressalta que a pauta envolve toda a comunidade. "Desde o ano passado já falamos sobre a proibição de alimentos industrializados com os pais. Além disso, no início de cada ano letivo, mandamos novamente uma circular sobre as regras da escola, e em um desses itens abordamos a alimentação", conta a diretora da SAP.

Uma das instituições que mais apoiou a legislação foi o Instituto Desiderata, uma Oscip (organização da sociedade civil de interesse público) focada na melhoria da saúde pública infantojuvenil no Rio de Janeiro.
O gerente da área de obesidade infantojuvenil explica que a mudança protege os menores de idade do consumo desse tipo de produto prejudicial à saúde. "Os ultraprocessados estão associados a doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares", exemplifica Raphael Barreto.

A Matriz Educação, que tem unidades em diferentes bairros do Rio, passou por um processo de adaptação em 2023 e está adequada à legislação. "Nossas cantinas buscaram alternativas para oferecer produtos saudáveis e ao mesmo tempo agradar o paladar dos alunos", conta o diretor-geral Hugo Carvalho. A rede de escolas já comunicou os responsáveis sobre a mudança no ano passado e voltará ao tema nas reuniões do início do ano letivo.
"Vamos dar uma cartilha aos pais orientando sobre o que pode e o que não pode ser consumido no ambiente escolar. Percebemos já no ano passado que a produção de suco natural aumentou bastante. As porções de frutas e cookies naturais passaram a ser muito requisitadas pelos alunos", acrescenta o diretor da Matriz Educação.

A legislação veda o uso de doces industrializados, mas permite que haja preparos artesanais. "Pode vender bolo, na cantina, mas com dosagem. Pode ter croissant e até com recheio de chocolate, mas vai ser um chocolate diferente. A verdade é que a gente vai ter que reeducar os alunos e as famílias e entender esse processo como um bem e não como um castigo", considera o vice-diretor pedagógico do pH, Vicente Delorme. 
O assunto também é tratado nas reuniões inaugurais do sistema. "Muitas vezes os hábitos alimentares problemáticos são das famílias. Não vai adiantar ter cuidado na escola se os alunos trouxerem esses produtos de casa", completa Delorme.

O especialista em obesidade infantojuvenil Raphael Barreto lembra que a escola é um importante veículo de formação de consciência. "As crianças levam a informação pra casa. A escola também é agente de transformação para a sociedade", ressalta. Para auxiliar os cantineiros na adaptação, o Instituto Desiderata distribui uma cartilha feita em colaboração com a UFMG no Rio e em Niterói e trabalha com a UFRJ para oferecer mais apoio na mudança.

Além de apresentarem altas quantidades de sódio e açúcar, ou ultraprocessados têm conservantes, corantes, edulcorantes (adoçantes) que são danosos à saúde. Os ingredientes industriais não são encontrados nos mercados. Esse tipo de produto é considerado pobre nutricionalmente e rico em calorias, especialmente gorduras vegetais hidrogenadas.

Ao regulamentar a lei, a Prefeitura do Rio determinou que a educação alimentar e nutricional seja incluída no currículo escolar no município para abordar práticas saudáveis. O decreto recomendou ainda que as unidades públicas e privadas divulguem cartazes estimulando o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados; disponibilize bebidas minimamente processadas, como sucos de fruta, chás, água de coco; e incentive a aquisição de alimentos produzidos localmente pela agricultura familiar e por empreendedores familiares rurais.

Raphael Barreto, gerente do Instituto Desiderata, pondera que além de promover a saúde, a legislação tem potencial para estimular a economia local. "Se uma escola a princípio não pode produzir bolo, pode comprar de algum parente de aluno, algum morador local. Eventualmente, um estudante pode ser neto de um agricultor local. A mudança pode movimentar a economia nos bairros da escola e apoiar as famílias”, exemplifica o especialista.

O Colégio Qi, que também está em diferentes bairros do Rio, vai lançar mão de um aplicativo para que os responsáveis fiquem a par da alimentação das crianças e adolescentes. A rede de ensino não vai mais permitir que os alunos peçam lanche por aplicativo. Os alunos do Ensino Médio serão contemplados pela mudança nas cantinas, que foi destinada à Educação Infantil e Fundamental.
"Os responsáveis terão um aplicativo para escolha do lanche das crianças. Quando a criança escolhe algo diferente do selecionado pelo responsável, ele é sinalizado via aplicativo e, assim, passa a ter controle sobre esse processo de Educação Alimentar. O objetivo é dar autonomia à criança na hora da escolha e também oportunizar ao pai e à mãe participar desse novo sistema de alimentação", conta o diretor-geral do Colégio Qi, Andre Marinho.
A escola Sá Pereira, em Botafogo, Zona Sul do Rio, adequou a cantina ainda em 2023. A unidade fez um formulário para as famílias para planejar 2024. "Quando perguntamos sobre quais tipos de lanches seriam interessantes oferecermos, observamos que boa parte das sugestões já estavam inseridas em nosso cardápio", conta a diretora Jade Moura.
"Buscamos oferecer um cardápio diverso, saudável e saboroso, adequado às demandas de cada idade, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Acreditamos que desse modo formamos hábitos alimentares mais saudáveis em nossos estudantes", finaliza Jade.

A Secretaria Municipal de Educação do Rio afirma que zerou o consumo de alimentos ultraprocessados em todas as 1.551 escolas da rede. O cardápio é elaborado por nutricionistas da Unidade de Nutrição Annes Dias. O último ajuste necessário à legislação foi cortar os biscoitos, o que foi feito em julho de 2023.
"A gente acredita muito que os bons hábitos alimentares adquiridos pelas crianças na escola são levados por eles para a vida. Eles se acostumam a comer melhor, a se alimentar bem, levam isso para suas realidades fora dos muros da escola", diz o secretário de Educação da capital, Renan Ferreirinha.

Alimentação saudável avança em Niterói

A cidade de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, saiu na frente e sancionou, em janeiro de 2023, a lei que proíbe os ultraprocessados nas escolas. Os efeitos já podem ser observados no município. A Fiocruz realizou uma pesquisa para medir a oferta de ultraprocessados nas unidades escolares. Em 2022, esses produtos estavam 200% mais disponíveis do que aqueles considerados saudáveis. Após a sanção da lei, o resultado já apareceu.

"Já temos uma melhoria de 28% no índice de saudabilidade nas cantinas de 2022 para 2023. O indicador corresponde à relação entre o que é saudável e o total de produtos oferecidos. Ele aumentou de 22% em 2022 para 50% em 2023", antecipa Raphael Barreto, sobre o estudo feito pela Fiocruz e UFRJ em Niterói, ainda não publicado.

A Prefeitura de Niterói informa que a comercialização de alimentos ultraprocessados foi proibida nas escolas e entrou para a lista de autuações do Procon Niterói, da Secretaria Municipal de Defesa do Consumidor. O órgão, a Secretaria de Ordem Pública e a Vigilância Sanitária realizam fiscalização. Caso a venda seja comprovada, é realizada a advertência, que pode incorrer em um termo de autuação e multa.

São considerados impróprios para venda nas cantinas escolares de Niterói, alimentos como balas e guloseimas, cereais açucarados, refrigerantes, refrescos e produtos industrializados. Também estão proibidos nas unidades niteroienses frituras de um modo geral, biscoitos recheados e salgados tipo aperitivo, embutidos, caramelos, goma de mascar pirulitos e assemelhados.
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