Publicado 11/07/2024 20:09
Rio - Os policiais militares acusados de racismo por causa de uma abordagem a adolescentes estrangeiros negros em Ipanema, na Zona Sul, não usavam câmeras corporais no momento da ação. Segundo a Polícia Militar, a utilização é obrigatória e a ausência dos equipamentos será avaliada.
PublicidadeA delegada Danielle Bulus, que investiga o caso na Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat), disse ao DIA, nesta quinta-feira (11), que ambos não estavam com as câmeras em suas fardas. No dia da denúncia, a PM informou que os agentes utilizavam os aparelhos e que as imagens seriam analisadas para consultar se houve algum excesso.
Questionada sobre o assunto, a corporação destacou que o protocolo a ser seguido por todos os PMs é o uso obrigatório das câmeras corporais. A não utilização é considerada pela Corregedoria-Geral uma falta grave.
A PM ainda ressaltou que a investigação segue em andamento e que a Corregedoria também abriu procedimento para investigar o caso.
"A Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) não compactua com desvios por parte de seus entes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos. A Polícia Militar segue colaborando integralmente com a investigação realizada pela Polícia Civil", informou a corporação em por meio de nota.
Equipe buscava suspeitos de assalto
O agente Sérgio Regattieri Fernandes Marinho, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Vidigal, um dos policiais que esteve na Deat para prestar depoimento nesta quinta-feira (11), disse que estava em busca de suspeitos de assaltarem turistas na região e que os jovens abordados tinham características semelhantes aos supostos criminosos.
Veja a abordagem:
Durante sua oitiva, o PM disse que recebeu uma denúncia de uma estrangeira dizendo que um assaltante havia roubado seu cordão. O fato foi presenciado por uma testemunha, que relatou ao policial que os suspeitos estavam em um grupo, incluindo jovens negros.
Com a informação, Marinho e o segundo agente, que dirigia a viatura, foram em busca dos suspeitos até que, na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, encontraram o grupo de adolescentes e a abordagem, considerada racista pela mãe de um deles, aconteceu.
O outro PM que foi à especializada nesta quinta-feira (11) solicitou remarcação da oitiva. Ainda não há uma data marcada para o depoimento.
A Deat, com apoio da Delegacia de de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), investiga se houve racismo durante a abordagem. Dois adolescentes, filhos de diplomatas do Gabão e de Burkina Faso, também prestaram depoimento nesta quinta.
Relembre o caso
A investigação começou depois da divulgação das imagens de uma câmera de segurança de um prédio na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, que mostram a abordagem realizada na última quarta-feira (3). No registro, é possível ver os dois PMs saindo do carro com armas em punho apontadas para os adolescentes.
Rhaiana Rondon, mãe de um dos adolescentes, disse que seu filho estava juntamente com três amigos, todos negros, de 13 e 14 anos, no momento em que o grupo foi abordado pelos policiais de forma truculenta. Eles foram ao local deixar um outro jovem em seu prédio.
Logo quando os agentes chegaram eles iniciaram a abordagem e mandaram os jovens encostarem as mãos na parede. Os filhos dos diplomatas só foram liberados após o filho de Rhaiana dizer que os demais eram estrangeiros e que estavam no Rio a turismo.
"Uma viagem de férias, planejada há meses por quatro amigos. Com destino ao Rio, quatro adolescentes de 13 e 14 anos, acompanhados dos avós de um deles, experienciaram a pior forma de violência. Voltando para casa em Ipanema, foram deixar uma amigo na porta de casa quando foram abruptamente abordados por policiais militares armados e, sem perguntar nada, encostaram os meninos no muro do condomínio. Três, dos quatro adolescentes, são negros. Com arma na cabeça e sem entender nada, foram violentados e obrigados a tirar os casacos", disse a mulher.
Para Rondon, os policiais foram racistas. "Após 'perceberem' o erro, liberaram os meninos, mas antes alertaram as crianças que não andassem na rua, pois seriam abordadas novamente. As imagens, os testemunhos e o relato são claros. Não há dúvida: a abordagem foi racial e criminosa. Há anos frequentamos o Rio e nunca presenciei nada parecido no quadradinho privilegiado de Ipanema com meus filhos. É um lugar aparentemente seguro. Depende pra quem! Antes da viagem, fiz inúmeras recomendações, alertas e conselhos de mãe preocupada: 'Não ande com o celular na mão, cuidado com a mochila, não fiquem de bobeira sozinhos'. Pensei em diversas situações, mas jamais que a polícia seria a maior das ameaças", escreveu.
O Itamaraty pediu desculpas formais aos pais dos adolescentes estrangeiros na última sexta-feira (5). O Ministério das Relações Exteriores ainda anunciou que ia acionar o Estado do Rio de Janeiro, solicitando apuração rigorosa e responsabilização adequada dos policiais envolvidos na abordagem.
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