Operação que mirou Povo de Israel teve início a partir de relatório da SeapRenan Areias
Publicado 22/10/2024 14:11
Rio - A facção criada dentro dos presídios do Rio tem se mantido há 20 anos somente com atividades ilícitas intramuros. O 'Povo de Israel' foi alvo de uma operação, nesta terça-feira (22), contra lavagem de dinheiro de golpes do falso sequestro e do tráfico de drogas, que acontecem dentro das penitenciárias fluminenses. Segundo a Polícia Civil, em apenas dois anos, a organização criminosa movimentou cerca de R$ 70 milhões.
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Em coletiva de imprensa na Cidade de Polícia, no Jacaré, Zona Norte, o delegado titular da Delegacia Antissequestro (DAS), responsável pela Operação 13 Aldeias, Willian Pena Jr., explicou que tanto o tráfico de drogas, quanto os golpes do falso sequestro eram realizados pelos membros da quadrilha dentro dos presídios. 
"Eles não possuem territórios extramuros. Essa investigação serve, justamente para, a partir de agora, monitoramento constante, monitoramento esse que a Seap já realiza e, inclusive, ano passadoem operação conjunta, efetuamos a prisão em flagrante de alguns policiais traficando drogas para dentro de um presídio,justamente na preocupação disso querer ser uma aquisição financeira para territórios aqui fora. A gente está atento a isso mas, por enquanto, não há nenhum território extramuro", esclareceu o delegado.
A Polícia Civil descobriu que o dinheiro da facção é lavado por laranjas e empresas fantasmas, e a quadrilha já usou 1.663 pessoas físicas e 201 jurídicas para movimentar os valores ilícitos. Segundo o secretário de Estado de Polícia Civil, Felipe Curi, as investigações começaram em janeiro, a partir de um relatório técnico elaborado pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), sobre a atuação da facção nos presídios. O documento, que identificou a estrutura e funcionamento da quadrilha, foi encaminhado à DAS. 
"A gente verificou que se tratava, realmente, de uma estrutura criminosa organizada, com divisão de tarefas, de alta complexidade, e que tinha como delitos de base o tráfico de drogas intramuros e crimes de extorsão, falsos sequestros. Então, basicamente, toda a estrutura financeira dessa organização vinha desses dois delitos. A partir daí, a gente levanta toda a materialidade desses tipos de delitos, identifica como eles são feitos, em especial o falso sequestro, a divisão de tarefas, a repartição de lucros e a destinação de recursos ao caixa único da organização criminosa", explicou o também delegado da DAS, Carlos Rangel.
As investigações apontaram ainda que o golpe do falso sequestro ocorre em três partes, sendo a primeira delas pelos chamados "empresários", que conseguem os celulares usados dentro da prisão; seguidos pelos "ladrões", responsáveis por fazer ligações para as vítimas, imitando as vozes de pessoas que estariam sob poder dos bandidos; e, por fim, os "laranjas", comparsas de fora da cadeia que recebem o dinheiro do crime. Cada um deles fica com 30% do valor obtido e o restante vai para o caixa do grupo.
Também presente na coletiva de imprensa, o secretário de Estado de Segurança Pública, Victor Santos, disse que as pastas vêm trocando informações há meses e destacou a importânica da atualização frequente sobre a movimentação dos bandidos. "Existe uma necessidade diária de manutenção das informações, porque a dinâmica dentro da cadeia muda com muita constância, com muita rapidez, e a inteligência da Seap foi muito ágil em estar alimentando a Delegacia Antissequestro com essas informações", pontuou.
Apontados como chefes da facção, Avelino Gonçalves, o Alvinho; Jailson Barbosa, o Nem; Marcelo Oliveira, o Tomate; e Ricardo Martins, o Da Lua, já estavam presos. Segundo Rangel, Nem e Da Lua são os principais responsáveis pela estrutura financeira do grupo, através de um esquema de operadores financeiros e laranjas. Os agentes descobriram que a facção lavava o dinheiro pelo fracionamento de depósitos, alta fragmentação de saques em espécie e aquisição de imóveis e joias. 
Além disso, a organização criminosa movimentava o dinheiro ilegal por meio de operações chamadas de mesclas, quando ocorreram atividades lícitas e ilícitas, além de por meio de empresas de fachadas, como uma construtora, que movimentou R$ 4,1 milhão em dois anos; uma loteria no Espírito Santo; e uma distribuidora de frutas e verduras, que fica na Ceasa de São Gonçalo, na Região Metropolitana.
"A gente fala sempre que a estrutura financeira do crime é que faz com que ela tenha capacidade, a potencialidade de causar mal à população, de ter capacidade bélica. Uma facção nascida dentro da cadeia, lembrando que o PCC nasceu assim há muitos anos atrás, então isso é um fato muito grave, mas a Segurança Pública está atenta", declarou o secretário Victor Santos, que disse ainda que os valores recuperados do crime organizados podem ser usados para investir na segurança pública do Rio.
Operação afastou cinco policiais penais
A ação cumpriu 44 mandados de busca e apreensão e os bloqueios de contas e bens de 84 investigados. Os agentes da Delegacia Anitssequestro estiveram em endereços de Copacabana e Irajá, nas Zona Sul e Norte do Rio; São Gonçalo e Maricá, na Região Metropolitana; Rio das Ostras e Búzios, na Região dos Lagos; e São João da Barra, no Norte Fluminense; além de em Apiacás, no Espírito Santo.
A operação teve apoio da Subsecretaria de Inteligência e Corregedoria da Seap, que atuou nos presídios onde estão as lideranças da facção. Os policiais penais Anderson Vieira de Souza, Bruno Henrique Rodrigues Baldi, Fábio Ferraz Sodré, João Paulo de Souza Nascimento e Plínio Brum Almada foram afastados dos cargos, após as investigações apontarem que transações financeiras foram feitas diretamente para eles. 
"A gente vem, diariamente, intensificando as revistas na entrada das unidades prisionais. Mas, além disso, temos detectores de metais que todos os servidores passam por esse procedimento. Quanto detectamos o desvio de conduta, ato contínuo, é aberto o procedimento disciplinar, esse policial penal é afastado e, desde a nossa ascensão (em 2022), foram afastados 50 policiais penais e oito demissões", declarou a secretária de Estado de Administração Penitenciária, Maria Rosa Luduca. "A Polícia Penal não vai se furtar de cortar a prórpia carne", completou. 
Em nota, a Seap informou que tem intensificado o combate às atividades criminosas no interior do sistema prisional "por meio do recrudescimento das ações para impedir a entrada e remover das unidades prisionais aparelhos celulares e drogas, seja através de operações de Inteligência para desarticular a atuação dessas quadrilhas". Entre os policiais penais investigados pela DAS, a pasta disse que dois deles estão respondendo a processos administrativos da Corregedoria e um deles já está preso.

"É importante destacar que, além do monitoramento, a Seap tem intensificado as ações de combate da atuação desse grupo, que teve como resultado, nos últimos dois anos, na apreensão de 6.921 celulares nas 13 unidades de atuação do Povo de Israel. Também vale ressaltar que a Seap também reforçou o combate à ação de servidores da secretaria envolvidos em atividades ilícitas, tendo detido, entre 2022 e 2024, 50 policiais penais, o que resultou em 13 demissões", completou a nota. 
Seap vai comprar bloqueadores de sinal
Segundo a secretária Maria Rosa Luduca, combater a entrada de celulares nos presídios é uma dificuldade enfrentada pela gestão desde o início da ação da facção. "Desde 2004, todas as gestões tentam, de alguma forma, impedir que esses aparelhos funcionem dentro das unidades prisionais. Entretanto, no que a operadora bloqueia o celular do preso, bloqueia, também, o seu entorno, inclusive, em se tratando de (Complexo) de Gericinó, o 14º Batalhão de Polícia Militar", explicou. 
A pasta realizou um estudo técnico para a aquisição de bloqueadores de celular e ficou uma semana na Secretaria Nacional de Políticas Penais para entender quais tecnologias poderiam ser aplicadas no Complexo de Gericinó e outras unidades prisionais, de acordo com a secretária. Na coletiva, Luduca anunciou uma licitação por pregão eletrônico para a compra do dispositivo, que terá edital publicado na primeira semana de novembro. A expectativa é que os equipamentos comecem a ser instalados entre dezembro e janeiro. 
"Nós já estamos na fase de pesquisa de preço e, no máximo, em duas semanas, o edital da licitação por pregão para a aquisição, efetivamente, do bloqueador de celular que, até então, nós não temos. Acreditamos que, no máximo, em dezembro, janeiro, já estaria instalando os primeiros aparelhos", disse a Maria Rosa, que esclareceu ainda que os dispositivos atuais estão com tecnologia defasada. 
"O bloqueador que tem lá (no Complexo de Gericinó) é 3G, então, ele ficou numa defasagem que não consegue alcançar efetivamente o bloqueio total (...) Deve ter mais de dez anos que a gente não consegue uma tecnologia para além do 3G, então assim, a tecnologia avança exponencialmente", concluiu.
Povo de Israel
Autodenominada 'Povo de Israel', a facção surgiu em 2004, no Presídio Ary Franco, em Água Santa, na Zona Norte, após a separação de criminosos, por conta de desavenças em uma rebelião. A organização criminosa, atualmente, conta com cerca de 18 mil presos e ocupa 13 unidades prisionais - chamadas pelos detentos de aldeias. O número representa 42% do efetivo prisional e a base da quadrilha é o Presídio Nelson Hungria (Bangu 7), no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste.
"Povo de Israel não tem nada a ver com religião, muito menos com o Complexo de Israel (...) Hoje, nós temos 43 mil privados de liberdade, desses 43 mil, 18 mil estão fracionados nessas 13 unidades prisionais que são unidades que acautelam esses presos com esse perfil. Hoje, a fatia desse perfil está em torno de 40% de todos os privados de liberdade. O perfil é esse do Povo de Israel, de extorsão, e o neutro, que é aquele preso que diz: 'não tenho facção nenhuma, sou neutro', explicou a secretária Maria Rosa Luduca.
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