Os ex-PMs, que confessaram o crime, podem pegar até 84 anos de prisãoReginaldo Pimenta / Agência O Dia
Publicado 30/10/2024 21:04
Rio - Durante o júri popular desta quarta-feira (30), o ex-PM Ronnie Lessa declarou que não pretendia matar Anderson Gomes e disse estar "absolutamente arrependido" do crime. De maneira fria, o acusado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista relatou que o objetivo não era atingir o rapaz. Enquanto o réu falava, Luyara Franco, filha de Marielle, deixou a sala onde acontece a audiência. Já Ágatha Arnaus, viúva de Anderson, chorou quando Lessa mencionou a morte do marido.
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"Infelizmente aconteceu a questão do Anderson. Não era a finalidade, mas eu sabia que corria o risco de acertar outra pessoa. Dei uma rajada", afirmou, com indiferença, explicando que soube da morte após ele e Élcio de Queiroz irem a um bar, onde ouviram que duas pessoas haviam sido assassinadas no Centro do Rio.
Ao descobrir que os tiros mataram o motorista, Lessa revelou ter ficado "tenso". Quando questionado se a morte da vereadora também lhe causou apreensão, ele reformulou, dizendo ter ficado ainda mais perturbado com a execução de Anderson e que descontou o "estresse" nas bebidas.
Aos júris, o réu garantiu que vai apontar todos os envolvidos no crime. "Gostaria de aproveitar para expressar meu absoluto arrependimento, pedir perdão para a família do Anderson, da Marielle, a minha própria família e à sociedade. Infelizmente não podemos voltar no tempo, mas quero fazer o possível para amenizar a angustia. Assumir minha responsabilidade e trazer todos os personagens envolvidos", disse no final do depoimento.
O depoimento de Lessa durou pouco mais de duas horas no 4º Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça do Rio. Ele revelou que Marielle deveria ter sido executada antes, mencionando que, em uma ocasião, ela chegou a visitar duas vezes um bar na Praça da Bandeira, próximo ao local de trabalho de Edmílson Oliveira da Silva, o "Macalé". No entanto, a ausência dele no local teria adiado o plano.
Ainda segundo o réu, havia uma exigência dos mandantes do crime para que não acontecesse na Câmara dos Vereadores. No início, Lessa achava que seria para não levantar suspeitas, mas depois descobriu que se o crime fosse cometido ali, o caso iria pra Polícia Federal e não para a Polícia Civil. "Havia uma pessoa que ajudaria a não elucidar os responsáveis pelo crime", disse.
Lessa, em certo momento, referiu-se ao homicídio como um "trabalho" e disse sentir frustração pela demora em definir um local adequado para a execução. Além das acusações de assassinato, o assassino confesso negou envolvimento em esquemas de lavagem de dinheiro. Defendeu que tinha negócios próprios — uma academia e quiosques — que não estavam no seu nome por conta do processo de divórcio. 
"Minha casa é dinheiro limpo. Andei fazendo umas besteiras? Sim. Mas aquilo foi um dinheiro suado, de verdade. É lícito", declarou. 
Depoimentos de policiais e delegados
O policial civil Luismar Corteletti leite, que trabalhava no núcleo de inteligência da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital no período em que o Marielle foi executada, foi uma das testemunhas de acusação, assim como a perita criminal, Carolina Rodrigues Linhares. Os dois trouxeram novamente elementos sobre a preparação do crime por parte dos dois réus.

Segundo Carolina, o trajeto dos disparos comprovava que o armamento utilizado por Lessa para executar Marielle Franco e Anderson Gomes vinha customizado com um kit rajada. A assessora de Marielle foi uma das pessoas que participaram da reprodução simulada do crime.

Após a perita, foi a vez do delegado da Polícia Federal Guilhermo de Paula Machado Catramby, que foi convocado para depor pela defesa de Lessa. Ele entrou no caso a partir de fevereiro de 2023 e comentou sobre a dificuldade nas investigações.

"A pluralidade de autos, procedimentos foi uma dificuldade inicial, mas conseguimos fazer de maneira eficaz a organização desse procedimento. A dificuldade inicial foi nos situarmos na imensidão de procedimentos. Verificamos que lacunas imprescindíveis não haviam sido respondidas", disse.

Ainda segundo o delegado, o ex-PM teria conseguido a submetralhadora usada na execução com milicianos de Rio das Pedras. A pedido de Domingos Brazão, o armamento, inclusive, deveria ser devolvido para o grupo paramilitar, o que acabou sendo ignorado inicialmente por Lessa, segundo as investigações.

"A natureza desses crimes e o armamento empregado por eles impossibilitam que eles tenham controle de quem será alvejado. Esse poderio bélico usualmente empregado nas execuções acabam com todos que estão em volta executados", avaliou.
Relembre o caso
Ronnie e Élcio foram presos em 12 de março de 2019, cerca de um ano após a execução da vereadora e do seu motorista. Na prisão, Ronnie já teria confessado ser o autor dos disparos que atingiram o carro da parlamentar. Enquanto Élcio era o responsável por dirigir Chevrolet Cobalt prata, usado na emboscada.
Desde que o caso aconteceu, as investigações sobre a morte de Marielle passaram por várias instâncias da segurança pública no Rio, com trocas de delegados responsáveis pela Delegacias de Homicídios (DH). Os últimos episódios desses mais de seis anos sem resposta foi a prisão dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados por Lessa como mandantes do assassinato da vereadora, em 24 de marços deste ano.

O crime teria sido encomendado pelos irmãos, réus desde junho em processo que também apura a morte da vereadora e do motorista. Segundo investigação da Procuradoria Geral da República (PGR), a morte de Marielle seria uma maneira de frear os embates da parlamentar contra os loteamentos clandestinos de terras na Zona Oeste. A vereadora teria sido contra uma série de projetos de leio que favoreciam ao clã Brazão.
Os dois possuíam interesse econômico direto na aprovação das normas legais que facilitassem a regularização, uso e ocupação do solo na Zona Oeste, que inclui áreas dominadas pela milícia.
A vereadora Marielle Franco foi assassinada na noite de 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, Região Central do Rio. A parlamentar, que estava acompanhada do motorista Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora Fernanda Chaves, de 43, voltavam de um evento de mulheres negras na Rua dos Inválidos, na Lapa.
O carro onde a vereadora estava passava pela Rua Joaquim Palhares, próximo a Praça da Bandeira, quando um carro, modelo Chevrolet Cobalt, na cor prata, emparelhou com o veículo. Em seguida, foram feitos nove disparos. Quatro deles atingiram Marielle, sendo três na cabeça e um no pescoço. Anderson foi atingido por três disparos nas costas, ambos morreram dentro do carro. A assessora ficou ferida por estilhaços.
 
 
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