Policial militar Rodrigo José de Matos Soares era réu pelo homicídio de Ágatha Félix, mas foi absolvidoArmando Paiva/Agência O Dia
Publicado 09/11/2024 07:54 | Atualizado 10/11/2024 08:11
Rio - O Tribunal do Júri absolveu o policial militar Rodrigo José Matos Soares, réu pela morte de Ágatha Félix, de 8 anos. O julgamento teve início na tarde de sexta-feira (8) e se estendeu até madrugada deste sábado (9), com a decisão do júri popular pela não condenação do cabo. O caso aconteceu em 20 de setembro de 2019, quando a menina foi atingida por um tiro de fuzil, no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Zona Norte. O Ministério Público do Rio (MPRJ) e a defesa da família vão recorrer. 
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Os jurados - cinco homens e duas mulheres - confirmaram que o policial foi o autor do disparo que matou a menina, mas decidiram pela absolvição dele. O militar já respondia ao processo em liberdade. Ágatha foi baleada nas costas, quando voltava para casa de kombi com a mãe. O cabo alegou que atirou de fuzil contra dois homens em uma motocicleta, achando que se tratavam de criminosos, mas o disparo acertou o veículo onde a criança estava. O inquérito da Polícia Civil confirmou que o projétil que causou a morte da menina partiu da arma de Soares.
Em dezembro de 2019, o PM foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) por homicídio qualificado. O órgao fez uma investigação própria e concluiu que o cabo atirou e por isso ele se tornou réu e respondia pelo homicídio doloso. Apesar do caso ter acontecido há cinco anos, o processo só começou a ser julgado em 2022 e o júri popular confirmado em abril do ano passado. Em setembro do 2023, a defesa de Soares chegou a entrar com recurso para barrar o julgamento pelo Tribunal do Júri, mas a Justiça entendeu que o processo deveria seguir.
Ao longo do julgamento, foram ouvidos como testemunhas de acusação a mãe de Ágatha, Vanessa Francisco Sales, que detalhou o momento do crime, na volta de um passeio no shopping. O depoimento foi atravessado pela emoção dela e de familiares, que assistiram o testemunho da plateia. No relato, ela reforçou que a comunidade tinha clima tranquilo quando o policial fez os disparos e lembrou que a filha foi socorrida pelo motorista da kombi, porque nenhum policial que estava no local ajudou a criança com mais rapidez. 
Além dela, também prestou depoimento, Moisés Atanazio Adriano, motorista da kombi, que ressaltou que a viatura não prestou qualquer auxílio no socorro à vítima. Ele contou que se dirigia ao bagageiro do veículo para tirar bolsas de um passageiro e viu quando o policial militar deu dois tiros em sequência de fuzil na direção de dois homens que passaram em alta velocidade de moto, pelas costas da dupla. "A única coisa que eu vi foi o policial atirando na direção deles. Não tinha operação", lembrou.
Ainda foram ouvidos o morador da comunidade, Ismael da Conceição Sacramento, e o funcionário de um bar, Igor Querino Veríssimo. Também morador e amigo de Igor, Luiz Gabriel Bragança da Silva era aguardado para depor, mas faltou ao julgamento. A acusação tentou o substituir por outra testemunha, mas o pedido foi negado. Entretanto, o depoimento de Luiz Gabriel foi exibido aos jurados.
Já pela defesa do cabo, prestaram depoimento os policiais militares Paulo Orlando Picolo da Silva, Anderson Fernandes de Oliveira, Alanderson Ribeiro de Oliveira, Bruno Luiz de Souza Mayrink e Robson de Matos Lima. As duas últimas oitivas foram dos peritos criminais Danielle Mendonça de Oliveira e Hélio Martins Júnior, antes do depoimento do réu. 
Após as alegações finais da acusação, que pediu a condenação do réu, e da defesa pela absolvição por, entre outros motivos, o cabo ter agido em legítima defesa, os jurados se reuniram na sala secreta onde deliberaram. Na votação, eles confirmaram que o PM foi autor do tiro que matou Ágatha, após atirar contra duas pessoas em uma moto e o disparo ricochetear em um poste e atingir a vítima, provocando sua morte. Mas, entenderam que não houve dolo, porque Soares não tinha a intenção de matar a criança. O júri absolveu o policial e a sentença foi lida pelo juiz Cariel Bezerra Patriota. 
O MPRJ informou, em nota, que a 1ª Promotoria de Justiça "respeita a decisão dos jurados e interpôs recurso". O advogado da família e assistente de acusação no julgamento, Rodrigo Mondego, disse em uma rede social que também vai recorrer da decisão. 
Absolvição de PM causa indignação
A absolvição do policial militar autor do disparo que matou Ágatha Félix provocou indignação em ativistas e instituições pelos direitos humanos e políticos. Em uma publicação nas redes sociais, o assistente de acusação, Rodrigo Mondego, que acompanha a família de Ágatha ao longo dos últimos cinco anos, lamentou a decisão do júri. "Estou com um sentimento de tristeza e nojo dessa sociedade que aceita mansamente a morte de crianças", declarou. O advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ainda pediu desculpas aos familiares da menina. 
"O que mais quero é pedir PERDÃO para a família da Ágatha. Perdão pois como profissional, junto com minhas colegas, mesmo dando o nosso melhor, não conseguimos a condenação do réu. Nosso perdão também como sociedade, tenho vergonha de fazer parte dessa sociedade asquerosa que respalda violência Estado ao ponto de absolver quem é responsável pela morte de uma criança de 8 anos", escreveu o advogado, que afirmou que irá recorrer. 
A vereadora Thais Ferreira (PSOL), que é presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal, também usou seu perfil para criticar a absolvição do militar. "Inacreditável! O júri popular do caso Ágatha Félix confirmou que o policial réu mentiu e foi o autor do disparo que matou a menina. Mas, mesmo assim, o absolveu. Como a morte de uma criança pode ser tratada com tamanha impunidade? Que sociedade é essa que naturaliza a violência contra nossas crianças? Seguiremos na luta por JUSTIÇA!", declarou. 
Ativista dos direitos humanos e antirracista, o diretor do Instituto Papo Reto, Raull Santiago afirmou que a decisão representa desesperança e que Ágatha foi "assassinada em justiça". "Mais uma vez o Complexo do Alemão e as favelas de todo esse Brasil recebem a violência da mão pesada da INjustiça, quando o ASSASSINO de uma criança é ABSOLVIDO, mesmo sendo comprovada culpa (...) Uma mesma pessoa pode ser assassinada mais de uma vez diante do racismo e brutalidade de um país abraçado a covardia!".
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