Rio - A mãe de Ágatha Félix, Vanessa Félix, afirmou na manhã desta sexta-feira (8) que enfrenta um mix de emoções com o tribunal do júri do réu, acusado de matar a criança de oito anos. Ela destacou a esperança pela condenação. O julgamento do policial militar Rodrigo José Matos Soares acontece no Fórum, no Centro do Rio. Atualmente, ele responde ao processo em liberdade.
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"Estou com um mix de emoções: ansiedade, tristeza, euforia, alegria, tudo ao mesmo tempo. O que está mais aflorando é a esperança de que o réu seja condenado", declarou antes de entrar no plenário.
A menina foi atingida nas costas enquanto voltava para casa de Kombi com a mãe, no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Zona Norte, em 20 de setembro de 2019. O policial atirou de fuzil contra dois homens em uma moto, achando que se tratavam de criminosos. O disparo, no entanto, acertou o veículo onde a criança estava. O inquérito da Polícia Civil confirmou que o projétil que causou a morte da menina veio da arma de Rodrigo.
Vanessa acrescentou que os cinco anos decorridos desde o crime não afetam a saudade da filha. "As últimas semanas têm sido de muita ansiedade. Podem se passar anos, séculos, eu sempre vou sentir a falta. A saudade sempre vai existir. A gente tenta sobreviver por conta das memórias que ela deixou. Confio muito em Deus", disse.
A primeira a depor foi Vanessa. Na fala de 30 minutos, ela detalhou o momento do crime. A mãe de Ágatha contou que estava de férias no trabalho e voltava de um passeio no shopping quando a filha foi morta. "Ela adorava lanchar no Mc Donald's. Mal saberíamos que aquele seria o último lanche. Tudo que eu fazia eu incluía a Ágatha, tudo era voltado para ela. Ágatha falava muito e hoje eu não a ouço mais", relatou. O depoimento de Vanessa foi atravessado pela emoção da mãe e de familiares que assistiram o testemunho da plateia.
Questionada pela assistência de acusação, Vanessa reforçou, com a voz embargada, que nenhum policial que estava no local ajudou a socorrer a criança com mais rapidez. A mãe de Ágatha disse que o clima era de tranquilidade na comunidade e o motorista da kombi foi quem socorreu a criança até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima. "A kombi não subiria se houvesse tiroteio. Todos se comunicam: vizinhos e os próprios motoristas. Não havia barulho ou confronto. Só o barulho [do disparo] que parecia uma bomba dentro da kombi", relatou.
Após Vanessa, Moisés Atanazio Adriano, motorista da kombi, prestou depoimento como testemunha de acusação. Ele lembrou que se dirigiu ao acusado, Rodrigo José de Matos Soares, após o disparo: "Vocês mataram uma criança". A testemunha ressaltou que a viatura não prestou qualquer auxílio no socorro à vítima. Moisés testemunhou o disparo quando se dirigia ao bagageiro do veículo para tirar bolsas de um passageiro no momento do tiro.
Moisés relatou que viu quando o policial militar deu dois tiros em sequência de fuzil na direção de dois homens que passaram em alta velocidade de moto. Os disparos foram feitos pelas costas da dupla. "Eu vi o menino passando em alta velocidade. A única coisa que eu vi foi o policial atirando na direção deles. Não tinha operação. Esses policiais não deram nenhuma assistência. Nenhuma viatura me seguiu até o hospital. Dei ré, liguei o alerta e fui buzinando", lembrou.
Antes de estacionar, Moisés observou que os PMs aparentavam estar agitados antes dos tiros. O motorista confirmou que não faria a viagem se houvesse tiroteio na comunidade. "Só o policial atirou. A gente tem um grupo e se comunica. A gente prioriza a vida", disse.
No julgamento, serão ouvidas as testemunhas de acusação e defesa. Pela acusação, prestam depoimento Vanessa Francisco Sales, mãe de Ágatha, Moisés Atanazio Adriano, motorista da kombi, Ismael da Conceição Sacramento, morador e Igor Querino Veríssimo, funcionário de um bar. Luiz Gabriel Bragança da Silva, também morador e amigo de Igor, era aguardado para depor, mas faltou ao julgamento.
Pela defesa, os policiais militares Paulo Orlando Picolo da Silva, Anderson Fernandes de Oliveira, Alanderson Ribeiro de Oliveira, Bruno Luiz de Souza Mayrink e Robson de Matos Lima.
Ato tem presença de famílias de vítimas de violência policial
Familiares de vítimas da violência do estado marcaram presença em frente ao Fórum. A mãe de João Pedro, morto no Complexo do Salgueiro aos 14 anos, em 2020, Rafaela Mattos, diz que o júri representa a Justiça que sua própria família ainda não alcançou. Os três policiais acusados pela morte do adolescente foram absolvidos sumariamente, sem ir ao júri, em julho desse ano.
"Estar aqui hoje é uma sensação de justiça porque eu tive esse pedido de júri negado. É claro que justiça seria os nossos filhos estarem aqui vivos, mas a gente espera que a justiça faça a sua parte nesse dia. Eu vim aqui também para dar um abraço na Vanessa [mãe da Ágatha], porque somos nós por nós mesmas. Ela foi uma das primeiras mães a me apoiar", declara Rafaela.
O assistente de acusação Rodrigo Mondego afirma que vai buscar a responsabilização de quem cometeu o crime e uma resposta para a família de Ágatha Félix. "A gente não pode naturalizar a morte de crianças. A gente vive em uma cidade onde uma criança é morta voltando para casa com a mãe, depois de ter feito compras. Isso não é razoável, não é civilizado", afirma.
Em dezembro de 2019, o PM foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) por homicídio qualificado. Apesar de o caso ter acontecido há cinco anos, o processo só começou a ser julgado em 2022. O júri popular foi confirmado em abril do ano passado.
O MP-RJ fez uma investigação própria e concluiu que o policial atirou e por isso ele se tornou réu e responde pelo homicídio doloso. No mês de setembro do ano passado, a defesa do policial chegou a entrar com recurso para barrar o júri popular, mas a Justiça entendeu que o processo deveria seguir.
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