Júri entendeu que o PM Rodrigo José de Matos Soares não teve a intenção de matar Ágatha FélixArmando Paiva/Agência O Dia
Publicado 09/11/2024 11:45 | Atualizado 10/11/2024 08:13
Rio - A absolvição do policial militar Rodrigo José Matos Soares, autor do disparo que matou Ágatha Félix, de 8 anos, em 2019, provocou indignação em ativistas e instituições pelos direitos humanos e políticos. O julgamento do cabo aconteceu entre a sexta-feira (8) e a madrugada de sábado (9), cinco anos após o crime, e o júri popular - composto de cinco homens e duas mulheres - entendeu que ele não teve a intenção de matar a menina. O Ministério Público do Rio (MPRJ) e a defesa da família vão recorrer da decisão.
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O MPRJ informou, em nota, que a 1ª Promotoria de Justiça "respeita a decisão dos jurados e interpôs recurso". Assistente de acusação no julgamento, o advogado da família e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rodrigo Mondego, escreveu em uma publicação que estava sentindo frustração, vergonha, nojo e tristeza, após a decisão do júri. "Estou com um sentimento de tristeza e nojo dessa sociedade que aceita mansamente a morte de crianças", disse ele, que ainda pediu desculpas aos familiares da menina. 
"O que mais quero é pedir PERDÃO para a família da Ágatha. Perdão pois como profissional, junto com minhas colegas, mesmo dando o nosso melhor, não conseguimos a condenação do réu. Nosso perdão também como sociedade, tenho vergonha de fazer parte dessa sociedade asquerosa que respalda violência Estado ao ponto de absolver quem é responsável pela morte de uma criança de 8 anos". Mondego afirmou ainda que vai recorrer da decisão. 
Em uma nota publicada nas redes sociais, a ONG Rio de Paz disse que, desde 2007, contabiliza casos como o de Ágatha e que, na maioria das vezes, o assassino sequer é identificado. "E agora temos mais esse exemplo: quando o acuso vai a júri, é absolvido". A organização criticou a maneira como crianças negras das favelas são tratadas e lamentou o resultado do julgamento. 
"A maneira como o Estado trata as crianças pobres negras das nossas favelas diz muito sobre nossas autoridades e sobre nossa sociedade também, que assiste a tudo impávida no conforto dos seus lares. Lamentamos muito por essa decisão. Nossa solidariedade à família de Ágatha e vamos continuar na luta contra o assassinato de crianças, a face mais hedionda do crime", afirma a nota. 
Ativista dos direitos humanos e fundador do Voz das Comunidades, René Silva questionou se julgamento teria o mesmo resultado se a vítima não fosse uma criança negra do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. "A injustiça mais uma vez agindo da mesma forma que atiram aqui no Morro... A pergunta é: se fosse uma criança branca da Zona Sul, a sentença seria a mesma?". 
Também ativista dos direitos humanos e antirracista, o diretor do Instituto Papo Reto, Raull Santiago afirmou que "uma mesma pessoa pode ser assassinada mais de uma vez diante do racismo e brutalidade de um país abraçado a covardia". Ele ainda criticou a violência que ocorre nas comunidades. "Mais uma vez o Complexo do Alemão e as favelas de todo esse Brasil recebem a violência da mão pesada da INjustiça, quando o ASSASSINO de uma criança é ABSOLVIDO, mesmo sendo comprovada culpa". 
Políticos do Rio também questionaram a decisão e demonstraram revolta com a absolvição do PM. A vereadora Thais Ferreira (PSOL), que é presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal, declarou que a violência contra crianças não pode ser naturalizada e que vai seguir na luta por justiça. 
"Inacreditável! O júri popular do caso Ágatha Félix confirmou que o policial réu mentiu e foi o autor do disparo que matou a menina. Mas, mesmo assim, o absolveu. Como a morte de uma criança pode ser tratada com tamanha impunidade? Que sociedade é essa que naturaliza a violência contra nossas crianças? Seguiremos na luta por JUSTIÇA!". 
A deputada estadual Renata Souza (PSOL), publicou que, com a sentença, "mataram a Ágatha Félix mais uma vez", e condenou o entendimento do júri sobre a intenção do réu em matar a vítima. "Qual a intenção da política de segurança pública no Rio de Janeiro? Meu abraço forte à Vanessa, mãe da pequena Ágatha, e aos familiares. Hoje todas as mães de favela estão em luto. Até quando?", questionou a parlamentar. 
Já a deputada federal Talíria Petrone (PSOL) definiu a não condenação do cabo Soares como "inaceitável". Para a parlamentar, a absolvição do PM "escancara um sistema que mata e depois silencia". Ela disse ainda que "Ágatha era só uma criança, e sua morte não pode ser tratada com descaso. Não vamos tolerar a impunidade que escolhe quem vive e quem morre", completou. 
Julgamento ocorreu após cinco anos da morte de Ágatha Félix
Ágatha Félix morreu em 20 de setembro de 2019, baleada nas costas por um tiro de fuzil, no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Zona Norte. A menina voltava de um passeio no shopping com a mãe e estava dentro de uma kombi quando foi atingida. O PM Rodrigo José Matos Soares alegou que atirou contra dois homens em uma motocicleta, achando que se tratavam de criminosos, mas o disparo acertou o veículo onde a criança estava. O inquérito da Polícia Civil confirmou que o projétil partiu da arma dele. 
Em dezembro de 2019, o cabo foi denunciado pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) por homicídio qualificado. O órgao fez uma investigação própria e concluiu que o cabo atirou e por isso ele se tornou réu por homicídio doloso. Ele respondia ao processo em liberdade. Apesar do caso ter acontecido há cinco anos, o processo só começou a ser julgado em 2022 e o júri popular confirmado em abril do ano passado. Em setembro do 2023, a defesa de Soares chegou a entrar com recurso para barrar o julgamento pelo Tribunal do Júri, mas a Justiça entendeu que o processo deveria seguir.
Ao longo da sexta-feira e na madrugada de sábado, o Tribunal do Júri ouviu como testemunhas de acusação a mãe de Ágatha, Vanessa Francisco Sales, que reforçou que a comunidade tinha clima tranquilo quando o policial fez os disparos e nenhum militar que estava no local ajudou a criança com mais rapidez. Além dela, também prestou depoimento, Moisés Atanazio Adriano, motorista da kombi, que ressaltou que a viatura não prestou qualquer auxílio no socorro à vítima.
Ainda foram ouvidos o morador da comunidade, Ismael da Conceição Sacramento, e o funcionário de um bar, Igor Querino Veríssimo. Também morador, Luiz Gabriel Bragança da Silva faltou ao julgamento, mas o depoimento dele foi exibido aos jurados. Já pela defesa do cabo, prestaram depoimento os policiais militares Paulo Orlando Picolo da Silva, Anderson Fernandes de Oliveira, Alanderson Ribeiro de Oliveira, Bruno Luiz de Souza Mayrink e Robson de Matos Lima. As duas últimas oitivas foram dos peritos criminais Danielle Mendonça de Oliveira e Hélio Martins Júnior, antes do depoimento do réu.
Após as alegações finais da acusação, que pediu a condenação do réu, e da defesa pela absolvição por, entre outros motivos, o cabo ter agido em legítima defesa, os jurados se reuniram na sala secreta onde deliberaram. Na votação, eles confirmaram que o PM foi autor do tiro que matou Ágatha, após atirar contra duas pessoas em uma moto e o disparo ricochetear em um poste e atingir a vítima, provocando sua morte. Mas, entenderam que não houve dolo, porque Soares não tinha a intenção de matar a criança. O júri absolveu o policial e a sentença foi lida pelo juiz Cariel Bezerra Patriota.
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